“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«Teodosio», de Hartmut Leppin

sexta-feira, 6 de julho de 2012


Descobri recentemente que a editora espanhola Herder publicou várias biografias de interessantes personagens da Antiguidade: Sila, Cleópatra, Augusto, Pompeu, Calígula, Flávio Josefo, Juliano, Atenais, dentre outros. A editora está assim de parabéns, especialmente pelo fato de a maioria se tratar de traduções, várias delas a partir do complicadíssimo idioma alemão.

Assim, na sequência das dicas de leitura deste blogue, indico uma dessas biografias, lida há poucas semanas:

LEPPIN, Hartmut. Teodosio. Traducción de Marciano Villanueva. Barcelona: Herder, 2008.


Eis a sinopse:

¿Se sirvió el Dios cristiano –ya hegemónico en el siglo IV– de un emperador nacido en Hipania y afincado en Constantinopla para afirmar en el orbe conocido la fe verdadera trinitaria? ¿O bien fue el emperador segoviano quien, desde el extremo oriental del Imperio, se sirvió de la una fe única en un único Dios trinitario para consolidar la unidad de su Imperio, a ejemplo de su predecesor Constantino?

Esta biografía del emperador Teodosio es también, y sobre todo, un inmenso tapiz en el que bulle la efervescencia del Imperio romano en el último tercio del siglo IV de nuestra era. Descomunales personajes diseminados por el espacio mediterráneo de los cuales –bajo el bisturí impasible del historiador– uno puede deslindar hasta qué punto fueron héroes y santos o bien meros usurpadores y estrategas: obispos como Ambrosio de Milán, Dámaso de Roma, Cirilo de Jerusalén, Demófilo y Nectario de Constantinopla, Petros de Alejandría, Gregorio de Nacianzo; usurpadores como Máximo y Eugenio; paganos y cristianos herejes de todo pelaje y distinta grandeza: apolinaristas, eunomianos, homoiusianos, maniqueos, priscilianistas; bárbaros del Este presionados por el hambre y las guerras y finalmente asimilados a los ejércitos imperiales: godos, alanos, hunos…

¿Y a todo esto, en qué consiste la grandeza de Teodosio? Fueron muchos los temas en los que Teodosio siguió de cerca los pasos de sus predecesores. Lo novedoso en su gobierno parece situarse en la capacidad de servirse del cristianismo, que se había convertido en una potencia social de primer orden, para afirmar su poder.

In:  Herder 


Quando soube desse livro, e vi que o autor é alemão, já estava quase certo de que se tratava de uma boa obra - nunca soube de um historiador germânico que fizesse um mau trabalho. E a expectativa se confirmou. Trata-se de um livro erudito, bem escrito e objetivo, embora forneça um panorama interessante acerca do quadro político-militar e religioso do século IV. Dezenove figuras - dentre elas várias representações numismáticas - e três mapas facilitam a compreensão da narrativa. Todos os capítulos são devidamente referenciados, e Leppin se utilizou largamente da documentação primária disponível. A obra conta ainda com um oportuno glossário.

O imperador Teodósio (379-395) que é retratado por Leppin é um homem pragmático e religioso, dividido assim por essa ambiguidade existencial. Homem pacífico, tolerante e integrador, viu-se desde o início pressionado pelas consequências nefastas da arrasadora derrota romana em Adrianópolis (378). Em muitos casos teve tremenda sorte (alguns apelariam à Providência), sendo talvez a principal delas a paz com a Pérsia, que durante todo o seu reinado esteve ocupada com seus próprios problemas. Em compensação, teve ameaças de sobra no quadro político interno, com usurpadores como Máximo e Eugênio, que levaram-no a empregar a nova força militar do exército romano tardio: os foederati bárbaros. Os visigodos, aliados do Império após invadirem-no em fins da década de 370, pagaram um preço de sangue alto a Teodósio.

De modo geral, Leppin se sai muito bem ao lidar com uma das questões mais problemáticas da Antiguidade Tardia: as ligações entre a religião e o poder. Demonstrou ter a imparcialidade que se espera de um historiador. Isso não quer dizer que sua análise seja isenta de erros - por vezes ele se inclina ao ceticismo ao considerar os interesses do imperador acima de sua fé. Mas isso não compromete de modo algum sua narrativa, e com a escassez de fontes sobre o assunto, pode ser que tenha razão. O mais discutível neste ponto é a sua opinião de que a novidade no governo de Teodósio foi a capacidade imperial de servir-se do cristianismo. Ora, Constantino, no início do século IV, deu mostras indiscutíveis dessa capacidade. 

O balanço final sobre o Teodósio enquanto estadista é muito oportuno: "No fue un modelador de la historia, un impulsor, no hay en él nada de brillante" (p. 282). Mesmo assim, a Igreja agiu corretamente ao conceder-lhe o título de "o Grande" e a historiografia pode prosseguir no mesmo caminho, visto que Teodósio soube aproveitar a força da Igreja de Nicéia aos seus próprios fins, ao passo em que os cristãos alcançavam crescente influência tanto no cotidiano quanto no estilo de governo. 

Enfim, trata-se de um livro a ser lido. Até porque o preço é módico (26 €), sobretudo se considerarmos um pensamento do professor que inspirou-me a publicar essas dicas de leitura: "Se você acha caro o valor do conhecimento, procure saber o preço da ignorância."