“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O Antissemitismo Nazista

quinta-feira, 31 de maio de 2018


Foto de um dos 7500 estabelecimentos de judeus saqueados e destruídos durante a Noite dos Cristais (Kristallnacht), um progrom ocorrido na Alemanha e na Áustria entre 9 e 10 de novembro de 1938. Além dos saques, mais de mil sinagogas foram queimadas ou danificadas, cerca de 30 mil judeus foram presos e pelo menos outros 91 foram mortos. Em alguns lugares, a violência perdurou por vários outros dias. 

"(...) Uma dessas apressadas explicações identifica o antissemitismo com desenfreado nacionalismo e suas explosões de xenofobia. Mas, na verdade, o antissemitismo moderno crescia enquanto declinava o nacionalismo tradicional, tendo atingido seu clímax no momento em que o sistema europeu de Estados-nações, com seu precário equilíbrio de poder, entrara em colapso. Os nazistas não eram meros nacionalistas. Sua propaganda nacionalista era dirigida aos simpatizantes e não aos membros convictos do partido. Ao contrário, este jamais se permitiu perder de vista o alvo político supranacional. O 'nacionalismo' nazista assemelhava-se à propaganda nacionalista da União Soviética, que também é usada apenas como repasto aos preconceitos das massas. Os nazistas sentiam genuíno desprezo, jamais abolido, pela estreiteza do nacionalismo e pelo provincianismo do Estado-nação. Repetiram muitas vezes que seu movimento, de âmbito internacional (como, aliás, é o movimento bolchevista), era mais importante para eles do que o Estado, o qual necessariamente estaria limitado a um território específico. E não só o período nazista, mas os cinquenta anos anteriores da história antissemita dão prova contrária à identificação do antissemitismo com o nacionalismo. Os primeiros partidos antissemitas das últimas décadas do século XIX foram os primeiros a coligar-se em nível internacional. Desde o início, convocam congressos internacionais, e preocupavam-se com a coordenação de atividades em escala internacional ou, pelo menos, intereuropeia." 

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo e totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 25-26. 

A Revolta da Vacina (1904)

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Guerra Vaccino-Obrigateza!..., O Malho, nº 111, 29 de outubro de 1904. Charge de Leônidas Freire (1882-1943).

"A revolta não visava o poder, não pretendia vencer, não podia ganhar nada. Era somente um grito, uma convulsão de dor, uma vertigem de horror e de indignação. Até que ponto um homem suporta ser espezinhado, desprezado e assustado? Quanto sofrimento é preciso para que um homem se atreva a encarar a morte sem medo? E quando a ousadia chega nesse ponto, ele é capaz de pressentir a presença do poder que o aflige nos seus menores sinais: na luz elétrica, nos jardins elegantes, nas estátuas, nas vitrines de cristal, nos bancos decorados dos parques, nos relógios públicos, nos bondes, nos carros, nas fachadas de mármore, nas delegacias, agências de correio e postos de vacinação, nos uniformes, nos ministérios e nas placas de sinalização. Tudo o que o constrange, o humilha, o subordina e lhe reduz a humanidade. Eis os seus alvos. Eis a fonte da sua revolta, e o seu objetivo é sentir e expor, ainda que por um gesto radical, ainda que por uma só e última vez, a sua própria dignidade." 

SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 68. 

O Sincretismo na Antiga Religião Egípcia

terça-feira, 29 de maio de 2018

O sincretismo resultava da necessidade de robustecer uma divindade com os predicados de outra, conciliando assim a unidade do divino com a pluralidade das suas formas, sem que ocorresse verdadeiramente uma fusão. Assim, a divindade sincrética chamada Amon-Rá, numa clara tentativa de solarizar o deus tebano (Amon), não fez desaparecer outra divindade chamada Amon, que continuou a ter o seu papel autônomo de "rei dos deuses". De forma semelhante, Rá prosseguiu o seu curso celestial (ainda que ele possa ser visto como Khepri na alvorada e como Atum no crepúsculo). O sincretismo ainda podia unir três deuses, como Ptah-Sokar-Osíris, reunindo um deus ligado à criação (Ptah), outro ligado à morte (Sokar) e, finalmente, um ligado à ressurreição (Osíris), formando o ciclo completo.    

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 136.

A Monolatria no Egito Antigo

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Akhenaton em forma de esfinge adorando a Aton. 
Localização: Kestner Museum, Hanover, Alemanha. 

Sob Amen-hotep IV (depois transformado em Akhenaton) surgiu o culto de tipo exclusivista de Aton, nome do disco solar. A rápida popularização de Aton, que já se notava nos reinados anteriores de Tutmés IV e Amen-hotep III, foi sobretudo motivada por causas políticas. A intenção era reduzir a proeminência do clero de Amon, então numa fase de grande poderio, depois de generosas doações concedidas por Hatchepsut e Tutmés III no século anterior (o XV a.C.). 

O disco solar atoniano, visto essencialmente como uma fonte de luz, de calor e de vida, foi a dura resposta encontrada por Akhenaton, ao mesmo tempo que encerrava o grande templo de Karnak e o privava dos rendimentos que até então recebia. Integrado na sua política contra o clero de Amon, promoveu alterações na arte e mesmo na forma de utilização da escrita hieroglífica, passando a registrar-se por escrito o neoegípcio que então se falava. E foi nesta forma de linguagem que o próprio monarca "herético" redigiu o Hino a Aton. Nele se pode ler: 

"Tu, deus único, fora do qual não há nenhum!" 

Akhenaton mudou a capital egípcia de Tebas-Uaset para Akhetaton, edificada em pouco tempo num território virgem na margem direita do Nilo (atual Amarna). Assim que procedeu a essa mudança, ele logo pensou os espaços de culto para a sua divindade "única" Aton, a começar pelo grande templo dedicado ao deus solar - o Per-Aton-em-Akhetaton (a "casa de Aton em Akhetaton"). O templo mantêm a axialidade clássica no essencial, mas contou com inovações como a ausência de tetos devido ao culto do disco solar (Aton), e nele foi instalado um grande altar com escadaria de acesso. 

É importante destacar, no entanto, que o mesmo tipo de inovações "monoteístas" se aplicava a outras divindades, a começar por Amon, pelo que Aton era tão "único" como "único" era Amon, Rá, e todos os outros deuses "únicos" que também era criadores. A criação prodigalizada por Aton era cotidiana, marcada pelo ciclo do "nascer" e do pôr do sol. No entanto, com o desaparecimento do rei e da sua esposa Nefertiti, o culto de Amon regressou em força e o seu clero readquiriu a sua pujança anterior.    

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 132-133 e 149.

«Cleópatra»

domingo, 27 de maio de 2018


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«A Mentalidade Anticapialista»

sexta-feira, 25 de maio de 2018

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"O preconceito e o fanatismo da opinião pública se manifestam com mais clareza pelo fato de ela vincular o adjetivo 'capitalista' exclusivamente às coisas abomináveis, e nunca àquelas que todos aprovam. Como poderia o capitalismo gerar coisas boas? udo o que tem valor foi produzido apesar do capitalismo, mas as coisas ruins são excrescências do capitalismo. 

O objetivo dese ensaio é analisar essa tendência anticapitalista e revelar suas causas e consequências." (Introdução)     

Famílias das Divindades Egípcias

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Estatueta de ouro e lápis-lazúli de Hórus, Osíris e Ísis. Artefato produzido entre 874 e 850 a.C. (período da 22ª dinastia) e atualmente disponível no Museu do Louvre.

Como em outras civilizações politeístas pré-clássicas, no antigo Egito os sacerdotes procuraram organizar de forma compreensível a perturbante multidão de divindades que se iam acumulando. Assim, eles sincretizaram e fundiram, e foram organizando famílias divinas com pai, mãe e filho (por vezes uma filha), num esforço de sistematização simples espontânea. A própria Enéade, saída do sêmen de Atum, teve uma organização familiar e geracional: o casal Chu e Tefnut (irmãos e esposos) gerou um novo casal (Geb e Nut), do qual nasceram quatro filhos: Osíris, Ísis, Set e Néftis. Destes rebentos surgiu o mais famoso casal divino, Osíris e Ísis. Seu filho Hórus, era o protetor da realeza, ou melhor, a própria realeza, uma vez que o faraó no trono era um Hórus vivo reinando sobre a terra (e quando morria se tornava Osíris no outro mundo). 

A propensão para originar famílias era tal que, com exceção do caso excepcional de Aton, até os deuses demiurgos, que estavam sozinhos por ocasião da criação, receberam paredras e filhos.  

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 135.

Conceitos da Religião Egípcia Antiga

segunda-feira, 21 de maio de 2018

A partir do Império Novo, o ba passou a ser representado por uma ave com cabeça humana que poderia ter tanto o corpo de um jabiru como de um falcão. Acima, um ba do Período Ptolomaico (332-30 a.C.). Créditos do Metmuseum.

Em primeiro lugar, uma investigação da antiga religião egípcia precisa considerar o termo egípcio netjer. Embora, via de regra seja traduzido por "deus", não necessariamente se enquadra no nosso conceito de "deus". Isso é uma amostra de quão desafiador é compreender os conceitos fundamentais da antiga religião egípcia. Portanto, sistematizar os conceitos de timbre antropológico e ideológico que os antigos egípcios designavam por maet, kaba akh é uma tarefa complexa. Felizmente, nem os escribas do Egito faraônico se preocupavam com isso. Em todo caso, vamos a uma tentativa de esclarecer os termos maet, kaba akh

1. Maet é a noção de base do pensamento egípcio, uma noção avançada que comporta um elevado grau de abstração e de sentido. Entre outras altas virtualidades, permitiu a redação de muitos textos sapienciais e guindou a cultura do Egito faraônico a um elevado plano. Os antigos egípcios usavam o conceito de maet, personificado na bela deusa Maet, para referir a ordem cósmica que surgiu no momento da criação, quando o caos foi repelido. A existência perene da maet deve-se ao fato de que o caos não foi definitivamente afastado. 

A palavra maet, entretanto, abrange outras noções, como a justiça e a verdade. Significa, por consequência, a oposição à maldade (isefet), à mentira e ao caos. Maet era considerado como o mais importante princípio do mundo, aquele que garantia a justiça e a ordem; fazia parte dos deveres do rei sempre essa ordem maética. Assim, o soberano devia fazer ofertas aos deuses para que estes impedissem o regresso do caos (tanto cósmico quanto social) ao Egito e ao mundo. A maet era afinal uma maneira de conceber o mundo que não separava claramente a teologia da ciência, o cosmos da sociedade, a religião da administração. 

2. ka concorria para a manutenção da ordem cósmica maética (maet), que pretendia manter o mudo como os deuses o haviam criado, para deter o avanço sempre ameaçador do caos.

ka era um elemento componente do ser humano - a força vital e sexual do indivíduo, capaz de se manter atuante e dinâmico pela eternidade. Quando alguém morria, dizia-se que tinha passado ao seu ka, e a sua estátua funerária era a estátua do ka. Era enfim o ka que permitia aos defuntos que se compraziam no Além, trabalhando nos campos de Osíris, uma vida sexual intensa, com o concurso do ba

3. O ba é do domínio psíquico e, para alguns, o conceito que mais poderia aproximar-se da ideia corrente de "alma". Como "alma" exterior, poderia agir pela sua força particular no mundo material. Outros contestam essa interpretação, e apontam que o ba era a totalidade, e não uma parte da força espiritual do indivíduo. Embora fosse da esfera psíquica, o ba comportava todos os aspectos do indivíduo no domínio da personalidade e do desejo sexual. 

Inicialmente o ba seria apenas um dom dos deuses, permitindo que eles livremente se movessem e tomassem diferentes formas. Em geral, é representado por uma ave pernalta, o jabiru, conferindo ao defunto a capacidade de movimento. A partir do Primeiro Período Intermediário, além dos deuses e do faraó, todos passaram a ter o direito ao ba. O ba representa a consciência do indivíduo, que inculcava uma vida de acordo com as normas da maet, praticando o bem e a solidariedade, sendo justo, tolerante e sensato, para que o Além ficasse garantido. 

4. O akh é um elemento psíquico componente do ser humano que, uma vez passado pelo julgamento de Osíris, atingiu o Além, transformando-se ele próprio num ser luminoso e osirificado. O corpo humano, transformado e glorificado para poder fruir a vida eterna no outro mundo na ditosa companhia dos deuses, torna-se um akh, e o defunto passa a ser um deus - um fenômeno desconhecido nas outras religiões universais. 

Tanto os deuses quanto os defuntos osirificados são designados como akh chepesu, fórmula traduzível por "espíritos gloriosos". A palavra akh transmite as ideias de glória, claridade, magnificência e também eficácia.  

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 121-126.

Frei Caneca (1779-1825)

domingo, 20 de maio de 2018

Execução de Frei Caneca, obra de Vicente Murillo La Greca (1899-1985). 

Frei Caneca (Joaquim da Silva Rabelo) 
Recife, 1779 - 1825. 

De família humilde, Joaquim da Silva Rabelo era filho de Domingos da Silva Rabelo e de dona Francisca Maria Alexandrina de Siqueira. Sua alcunha relaciona-se à profissão do pai, um funileiro. Noviço do Convento de Nossa Senhora do Carmo e foi ordenado em 1801, antes da idade mínima exigida. Adotou o nome de frei Joaquim do Amor Divino e tornou-se secretário do visitador da Ordem. 

Graças aos seus estudos no Seminário de Olinda e às suas visitas frequentes a bibliotecas, tornou-se um erudito. Lecionou retórica, geometria e, posteriormente, moral e filosofia racional. 

Participando de centros de estudos políticos liberais, atuou na Revolução Pernambucana. Detido em 1817, foi levado a Salvador. Foi libertado em 1821, e retornou a Pernambuco e às atividades políticas. Fundou o jornal Typhlis pernambucana, destacando-se por sua erudição e vigorosa polêmica. Frei Caneca tomou parte na Confederação do Equador, movimento que pregava o sistema republicano e negava ao imperador D. Pedro I o direito de outorgar a Constituição sem a participação de representantes do povo. Tropas sob o comando do general Francisco de Lima e Silva esmagaram esse movimento, em 1824.

Indiciado como um dos chefes da rebelião, Frei Caneca foi sentenciado à morte por enforcamento no dia 10 de janeiro de 1825. Apesar dos pedidos de clemência, o imperador não mudou a decisão judicial. O frei sofreu então a degradação das ordens sacerdotais, sendo despido dos poderes e privilégios consagrados. No patíbulo, três carrascos se recusaram a executar a sentença; assim, Frei Caneca foi atado à coluna da forca e alvejado por tiros de arcabuz. 

Após a execução, o corpo do religioso foi colocado junto a uma das portas do templo carmelita no centro de Recife. A seguir, foi recolhido e enterrado em local até hoje não identificado.    

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Fonte: ERMAKOFF, George (org.). Dicionário Biográfico Ilustrado de Personalidades da História do Brasil. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2012, p. 512.

Sete Diferenças entre Gregos e Persas

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Representação da Batalha Naval de Salamina (480 a.C.).

1. Na época de Dario I (521-486 a.C.), a Pérsia era um império relativamente estável, governado pela monarquia aquemênida. O império estava dividido em cerca de 20 satrapias e, de modo geral, os governantes persas deixavam aos povos conquistados a liberdade de adorar seus próprios deuses e de encontrar seus próprios meios de chegar aos níveis desejados de tributação imperial. Apesar da relativa liberdade religiosa, os súditos persas eram considerados bandakas - escravos - do Grande Rei. 

Apenas poucos quilômetros de mar separavam a Ásia Menor das ilhas gregas do Egeu, mas as diferenças entre as culturas persa e grega eram enormes. A começar que, para os gregos, a natureza da liberdade era quase religiosa. 

2. O exército imperial persa era imenso e multinacional; seu alto comando era ocupado por parentes e elites que haviam prestado juramento ao rei. Em seu núcleo estavam infantes persas profissionais - os chamados Imortais eram os mais famosos - e vários contingentes de infantaria subsidiária leve e pesada, auxiliada por importantes forças de cavalaria, cocheiro e soldados de arremesso. No exército persa, o treinamento, o respeito rígido das fileiras e colunas e o avanço e retirada em conjunto e coordenados eram praticamente desconhecidos, ao contrário dos hoplitas gregos.

3. No caso de derrota, os monarcas persas fugiam antes de seus exércitos. Por outro lado, não há sequer uma batalha grega importante - Termópilas, Délio, Mantinéia, Leuctras - na qual os generais helênicos tenham sobrevivido à debandada de seus soldados. A catástrofe militar não trouxe represálias para o rei aquemênida em si; em contrapartida, não houve nenhum general grego em toda a história da cidade-estado - Temístocles, Miltíades, Péricles, Alcibíades, Brásidas, Lisandro, Pelópidas, Epaminondas - que não tenha sido em algum momento multado, exilado, ou destituído, ou morto junto com seus soldados. 

4. Ao contrário da realidade agrária grega, na Ásia as propriedades ultrapassavam os milhares de hectares. Para se ter uma ideia, um dos parentes de Xerxes I (486-465 a.C.) podia ter mais terras do que todos os remadores da frota persa reunidos. A maior parte das melhores terras do império estava sob controle direto de sacerdotes, e o rei persa, em tese, tinha direito a todas as terras do império, podendo confiscar qualquer propriedade ou executar seu proprietário. 

Por outro lado, nenhum cidadão grego podia ser julgado arbitrariamente sem julgamento. Sua propriedade não estava sujeita a confisco, exceto após a votação de um conselho. Na mentalidade grega, a capacidade de ter propriedade livremente - de ter direito legal a ela, melhorá-la e transmiti-la a seus descendentes - formava a base da liberdade. 

5. Ao contrário do que se verificava entre os gregos, a literatura persa - um conjunto de teatro, filosofia ou poesia longe da censura religiosa ou política - não existia. É verdade que o zoroastrianismo era uma investigação metafísica fascinante, mas sua razão de ser era religiosa e, portanto, não possibilitava a especulação ilimitada e a verdadeira liberdade de opinião. A história - a noção grega de liberdade de investigação, em que os registros e fontes do passado são continuamente sujeitos a questionamento e avaliação como parte de um esforço para fornecer uma narrativa da explicação independente do tempo - também era desconhecida dos persas.

6. A matemática e a astronomia eram avançadas no Império Aquemênida, mas no final das contas subordinadas ao escrutínio religioso e usadas para promover, em um contexto religioso, as artes da divinação e da profecia. Um humanista como Protágoras ou um ateu racionalista como Anaxágoras não poderiam ter prosperado entre os persas. Nesse império oriental, tal liberdade de pensamento só podia ocorrer se escapasse à vigilância imperial.

7. A batalha naval de Salamina, travada entre persas e gregos em setembro de 480 a.C., foi, portanto, o confronto de duas culturas inteiramente diferentes. De um lado, uma, gigantesca, rica e imperial; no campo oposto, o defensivo, outra cultura, pequena, pobre e descentralizada. A primeira tirava sua enorme força dos impostos, do poder humano e da obediência que uma cultura palaciana centralizada pode obter tão bem; a última, da espontaneidade, da inovação e da iniciativa que surgem nas comunidades pequenas, autônomas e livres de homens iguais. 

Saiba mais: Hélade x Primeiro Império Persa      

Bibliografia consultada: HANSON, Victor Davis. Por que o Ocidente Venceu - Massacre e cultura, da Grécia antiga ao Vietnã. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 49-77.

Os 70 anos do Estado de Israel

segunda-feira, 14 de maio de 2018

A Religião Germânica

domingo, 13 de maio de 2018

"A dupla vocação de soldado e de camponês não podia deixar de refletir-se nas crenças religiosas dos Germanos. Entre os deuses do panteão germânico, devemos distinguir Wotan, ou Odin, deus da guerra, e a sua esposa, Freyja, deusa da fecundidade. Ao primeiro, que concede a vitória, oferecem-se sacrifícios de prisioneiros de guerra ou libações de cerveja; é Odin quem acolhe no Valhalla os guerreiros mortos no campo de batalha. Ao lado deste deus, Donar ou Thor, é o que ribomba, quem defende com o seu martelo o mundo dos deuses e dos homens contra os gigantes e os demônios. As três reuniões anuais que terminam em festas são organizadas para obter uma boa colheita, para o crescimento das plantas e para a vitória. Libações rituais dão aos Germanos a reputação de ébrios. Não há templos na Germânia, mas bosques sagrados, fontes, árvores, de que a mais célebre é o tronco de Irmin, o Irminsul, da Vestefália, cnsiderado como o pilar do mundo. Os Germanos não tinham casta sacerdotal como os Celtas, mas alguns entre eles podiam desempenhar o papel de 'padres'. Os chefes das famílias dirigiam os sacrifícios domésticos. Mulheres eram reputadas profetisas ou mágicas. Como os padres, conheciam o caráter secreto das runas. Estes sinais eram gravados na madeira e a cada um correspondia uma significação mágica."

RICHÉ, Pierre. Grandes Invasões e Impérios - Séculos V a X. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1980, p. 27.

«Pompeia», de Mary Beard

sábado, 12 de maio de 2018

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#15Fatos América Latina Independente

sexta-feira, 11 de maio de 2018

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1. Em 1820, os dois vice-reinados mais importantes do Império Espanhol - a Nova Espanha (futuro México) e o Peru - ainda não haviam alcançado a independência. No entanto, cinco anos mais tarde, com a derrota definitiva das forças realistas no Alto Peru (atual Bolívia), todo o continente rompera com suas metrópoles. Em 1822, o Brasil também rompeu com sua metrópole, Portugal. Apenas as ilhas de Cuba e Porto Rico permaneciam sob o domínio da Espanha. 

2. Durante os combates pela independência, a América do Sul esteve exposta a uma luta incerta, em que a vitória de um dos lados não era evidente e em que a sorte mudou de rota muitas vezes. As sociedade dividiram-se entre a adesão à causa da independência e a lealdade à Coroa espanhola. Medo, insegurança e esperança misturaram-se, e quando a guerra começou os sonhos de diversos segmentos da sociedade foram alimentados.

3. A conquista da independência das colônias espanholas marcou o rompimento dos laços políticos com a metrópole e também indicou que complexas tarefas mostravam-se urgentes: construir os novos Estados, montar uma estrutura administrativa, delimitar fronteiras, organizar instituições para garantir a ordem e o controle sociais e, além de tudo isso, reanimar as combalidas economias. 

4. A América espanhola optou pelo regime político republicano. No entanto, lá também existiam defensores da Monarquia, como foi o caso de José de San Martín (1778-1850). Para eles, esse regime seria o único capaz de garantir a ordem política e manter a coesão social.

5. Os desprovidos de recursos - quer econômicos, quer culturais - contavam que a independência fosse acompanhada de reformas sociais, como acesso à terra, melhores condições de vida e maior participação política. Quando as esperanças se frustraram, eles se rebelaram contra os que assumiram o poder nos novos Estados constituídos. 

6. As primeiras décadas após a independência foram marcadas por grande instabilidade política. Tal instabilidade resultou do confronto entre adversários que tinham propostas conflitantes para o futuro dos novos países: organização centralizada ou federalista de governo; manutenção dos privilégios das corporações e dos foros especiais relativos ao Exército e à Igreja; finalmente, debates sobre a participação política popular - os significados e o alcance da democracia. 

7. Um dos que se posicionaram contra à ampla participação popular foi Simón Bolívar (1783-1830). Isso pode ser conferido em sua famosa "Carta da Jamaica", escrita em 1815. Em 1819, no decisivo Congresso de Angostura, na Venezuela, Bolívar propôs que o Senado, ao invés de ser eleito, deveria ser hereditário, para evitar as "investidas" do povo. Mais tarde, em 1825, propôs a presidência vitalícia ao Congresso Constituinte da Bolívia. 

8. Bernardo de Monteagudo (1789-1825) foi outra figura de destaque do período da independência. Ardoroso adepto da democracia na juventude, acompanhou San Martín, de quem foi secretário, e com o passar dos anos moderou cada vez mais suas posições. Chegou mesmo a tornar-se monarquista. Como ministro do Exterior do Peru, após a independência, fez inimigos políticos poderosos. Acabou assassinado numa rua de Lima, em 1825. 

9. Na Argentina, após a independência, a divisão política entre os unitários e os federalistas foi tamanha que provocou guerras civis intermitentes. Líderes políticos locais ou provinciais (os "caudilhos"), à frente de grupos armados, impediram a organização de um Estado nacional centralizado até 1862, quando Bartolomeu Mitre assumiu a presidência do país. 

10. No México, formaram-se dois grupos políticos: os liberais e os conservadores. Diferentemente do que aconteceu no Brasil no século XIX, estes dois partidos chegaram à guerra civil, uma vez que seus projetos para a construção do Estado eram profundamente antagônicos. 

11. De maneira geral, os conservadores tinham preferência pelo regime monárquico, estavam estreitamente ligados à Igreja Católica e eram defensores dos foros privilegiados da Igreja e do Exército e das demais corporações coloniais. Como em nenhum outro país da América Latina, a luta pelos bens da Igreja dividiu tão fortemente a sociedade e deflagrou uma guerra civil de proporções tão sérias. 

12. Os liberais defendiam a República, queriam um Estado separado da Igreja e exigiam a extinção dos foros especiais eclesiásticos e a nacionalização de seus bens, assim como a desestruturação das formas de organização sociais próprias da colônia, incluindo as das comunidades indígenas. 

13. Ao contrário da Argentina, no México não existiam divisões tão fortes entre as regiões que compunham o país. Ainda assim, a consolidação do Estado mexicano só aconteceu na segunda metade do século XIX, e a longa luta entre conservadores e liberais terminou com a vitória destes últimos e a subordinação da Igreja ao Estado laico.

14. José Maria Luis Mora (1794-1850) inscreveu-se nos debates políticos do México pós-independência como um dos mais notáveis defensores dos princípios liberais, identificando-se fortemente com o liberalismo constitucional francês, especialmente com o de Benjamin Constant. Apesar disso, via o caos político, a desordem social e as lutas intestinas como uma consequência da "igualdade". Um liberal ainda mais radical, Lorenzo de Zavala, afirmou, em 1833, que no México não havia e não haveria democracia, pois o "despreparo" da população era enorme. 

15. Entre 1850 e 1860, Benito Juárez (1806-1872) foi o protagonista da chamada Reforma Liberal. Ele procurou dissolver as formas tradicionais de posse corporativa de terras e de bens imóveis, instaurando uma profunda inflexão na estrutura da Igreja Católica e dos pueblos indígenas. 

Bibliografia consultada: PELLEGRINO, Gabriela & PRADO, Maria Ligia. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2016, p. 29-30 e 43-57.

Uma das Melhores Ideias da História

quinta-feira, 10 de maio de 2018

#15Fatos A Liberdade sob os Césares

sexta-feira, 4 de maio de 2018

1. A luta contra os piratas foi um dos fatores que possibilitou a ampliação, cada vez maior, das conquistas romanas. Foi Pompeu, em 67 a.C., que obteve os êxitos decisivos contra os piratas ao tomar os últimos covis dos piratas, na Cilícia. Assim, assegurou-se uma das liberdades fundamentais: a livre circulação de pessoas e bens. 

2. Essa liberdade de navegação possuía um inconveniente, o pagamento dos direitos alfandegários (portoria), cobrados também sobre os transportes terrestres. Isso não impediu, contudo, que todos os povos do Império Romano conhecessem uma prosperidade sem precedentes. O exemplo da liberdade de comércio mostra que existiam dentro do império vários "estados de direito" superpostos e complementares. 

3. O primeiro desses estatutos, considerado fundamental, estava ligado à pátria de cada um, a sua cidadania na cidade de onde viera; depois outro, no interior do império, variável conforme as províncias, das garantias conferidas aos próprios cidadãos romanos pela civitas romana

4. Um dos mais sólidos fundamentos do Império Romano consistia num jogo sutil de equilíbrio entre a autoridade romana e a autonomia dos provinciais. Ao terem sua "liberdade" preservada, as cidades provinciais ficavam menos propensas a aspirar uma mudança de regime ou de dominação. Assim, num certo sentido, conclui-se que o Império extraiu sua força da "liberdade" das cidades. 

5. Os governadores possuíam o imperium proconsular, que poderiam usar quando julgassem adequado. Todo provincial, qualquer que fosse o seu estatuto jurídico, poderia apelar para ele, se se acreditasse lesado por seus concidadãos magistrados ou juízes. A "liberdade" coletiva da cidade perdia com isso, a das pessoas ganhava. 

6. No Principado (27 a.C. - 235), os romanos viviam sob uma monarquia de fato. Eles certamente tinham perdido a antiga libertas, mas a monarquia de Augusto não era um regnum, uma tirania. Assim, por exemplo, o próprio príncipe delegava seu poder ao Senado e, quando devia intervir pessoalmente, ele o fazia com a assistência de seu conselho. Ele procurava com isso não incorrer no erro de querer regulamentar qualquer coisa por si mesmo e por sua vontade. 

7. Augusto não queria considerar sua própria divinização mais que uma metáfora; em janeiro de 27 a.C. juntou as honras a ele rendidas àquelas prestadas à deusa Roma, de quem se apresenta como uma espécie de hipóstase. Nem os romanos nem os provinciais lamentaram então o tempo da "liberdade", nem um regime que se traduzira por tanta ruína e luto. Esperavam um salvador que enfim chegou, um salvador que não é um tirano e frequentemente dava provas de sua solicitude em relação a todos. 

8. Pelo menos nos costumes, a velha distinção entre escravos e homens livres tendia a se diluir. No tempo da República, os escravos estavam indiretamente colocados sob a proteção do "povo romano" através da pessoa do seu senhor. Sob o Império eles podiam reclamar da mesma forma a proteção - da Fides - do príncipe. Assim, sob o principado de Trajano, um antigo escravo chamado Calídromo, refugiou-se ao pé da estátua do imperador (apelava, assim, a uma autoridade mais alta). O Principado, como se vê, também distribuía liberdade. 

9. Além disso, a condição servil muitas vezes não era mais que temporária. As libertações eram numerosas, ou porque o escravo tivesse poupado um pecúlio sobre seus lucros mínimos, comprando sua liberdade ao seu senhor, ou porque este o tivesse libertado espontaneamente, ainda em vida ou por testamento. Essas alforrias tornaram-se tão frequentes, que foi preciso limitá-las. 

10. A religião romana também era marcada pela "liberdade" - ela não podia ser reduzida a proposições invariáveis e não estava ligada a nenhuma ortodoxia. A multiplicação de deuses e deusas oriundos de países longínquos e difíceis de incorporar aos seres divinos tradicionais não se chocava com nenhum obstáculo. 

11. Havia lugar em Roma para todas as crenças e todas as práticas, se estas não fossem manifestamente imorais e contrárias à ordem pública. Os romanos distinguiam claramente as crenças pessoais de suas eventuais manifestações públicas. Assim, Ísis ou o deus sírio do Sol foram aceitos na cidade, mas, quando seus seguidores agruparam-se em colégios organizados, então, diante do risco político que isso constituía, os magistrados intervinham ou pelo menos exerciam uma fiscalização mais ativa. 

12. Em um ponto, em matéria de religião, Roma tomou uma decisão autoritária: foi a supressão dos druidas de todo o domínio celta. Isso se iniciou sob Augusto, e se completou sob Cláudio. Além da considerável influência que os druidas exerciam sobre os espíritos, eles representavam vestígios de barbárie que poderiam ter travado a romanização do Ocidente. E foi por uma intenção semelhante - a unificação espiritual do mundo romano - que Tibério proibiu o sacrifício de crianças na África. 

13. Por que os cristãos foram perseguidos? Depois do grande incêndio de Roma, em 64 d.C., os cristãos surgiram (talvez pelas intrigas de Popéia) como um grupo de facciosos e inimigos da ordem estabelecida, profetizando a derrocada de Roma e o advento de um outro reino. Os cristãos abstinham-se de fazer sacrifícios às divindades oficiais e de fazer os gestos rituais de adoração diante da estátua do imperador. 

14. Não houve em Roma nenhum mártir da liberdade de pensar. Não parece que, no conjunto do Império, os imperadores tenham perseguido os filósofos ou os retores enquanto tais. Ademais, nenhum filósofo nunca foi expulso por tanto tempo, que não se contentasse em tomar a palavra em particular, na residência de um romano pronto a acolhê-lo. Isso nunca faltou. 

15. Ainda que não se possa pensar que a vida em Roma tenha sido sempre idílica, a verdade é que, quando a ordem romana esteve a ponto de se esboroar, seu fim não foi encarado como uma libertação mas como o início de uma servidão. O Império Romano permaneceu como um modelo que mesmo os novos senhores esforçaram-se por imitar e cuja lembrança nunca se apagaria. 

Bibliografia consultada: GRIMAL, Pierre. Os erros da liberdade. Tradução de Tânia Pellegrini. Campinas, São Paulo: Papirus, 1990, p. 153-182.

A Teocracia Egípcia

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Detalhe do sarcófago de Tutancâmon (c. 1336-1327 a.C.), filho de Aquenáton (XVIII dinastia) faraó do Antigo Império. Acredita-se que ele quebrou a perna e desenvolveu uma infecção pouco antes de morrer. 

"A civilização do antigo Egito tinha um forte cariz religioso, e essa particularidade fica bem demonstrada pelo facto de o faraó senhor do Alto e do Baixo Egito, ser considerado um deus vivo. Ele era também o grande fator de coesão das duas partes do país, um mecenas das artes e das atividades de construção e produção, tendo ao seu serviço uma eficiente máquina administrativa que tudo geria, de uma forma metódica e disciplinada."   

ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 119.

A Imortalidade da Alma no Egito Antigo

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Ilustração do processo da mumificação no Egito Antigo: preparativos para a passagem para o Além.

A crença na vida eterna foi uma notável invenção do antigo Egito. Mas, para que o defunto atingisse o paraíso, onde poderia fruir a imortalidade, era preciso que ressuscitasse. A crença na ressurreição foi outra "precípua criação do espírito egípcio" (Araújo, 2015: p. 119) - para que o novo ser, munido do seu Ka e do seu ba, transformando num ser luminoso (akh), vivesse para sempre, com estes três componentes vitais do corpo humano, como um deus, um netjer

Segundo os textos funerários, o defunto queria viajar no céu na sua bela barca solar, equiparado a um deus, para poder alcançar o paraíso - e não só. Ele pretendia sair de lá para navegar pelo cosmos e ao paraíso regressar em eterna viagem. Viajar, sem limites, pela eternidade a bordo da barca solar - eis o derradeiro anseio dos egípcios que almejavam a outra vida. Nos velhos Textos das Pirâmides, o mundo do Além (Duat) era referido como se estivesse no céu. O rei falecido é chamado a subir ao céu por uma escada, uma ténue nuvem de poeira ou num redemoinho de vento, podendo ainda alcançar o Além sob a forma de uma ave. 

Ao longo do tempo, acumularam-se no Egito as mais diversas crenças de vida eterna e concepções acerca do outro mundo que não eram idênticas em todos os locais. Nenhuma das ideias sobre a vida eterna eliminou as outras, antes se misturaram. Assim, afinal, o morto estava ao mesmo tempo no céu, na barca do deus, debaixo de terra a laborar os Campos de Taru (o paraíso de Osíris), na sua tumba a desfrutar das suas provisões; por vezes até podia retornar à Terra para rever os locais onde vivera, e poderia aproveitar para prejudicar alguém de quem não gostasse. Estabeleceu-se, então, um compromisso: de dia o morto ficava no seu túmulo, sendo possível viajar para o mundo dos vivos (na sua forma de Ka ou de ba); de noite acompanhava a viagem da barca solar como um akh, parando, por momentos, nos campos de Osíris; voltava o dia e o defunto regressava ao seu túmulo, para aí reencontrar "a sombra e a frescura".  

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 119-121.

A Queda de Judá (586 a.C.)

terça-feira, 1 de maio de 2018

No ano 931 a.C., o Cisma levou os hebreus a se dividirem em dois reinos: Israel, as dez tribos do norte, com capital em Samaria; e Judá, com a capital em Jerusalém, ao Sul. Sob a liderança de Sargão II, os assírios tomaram Samaria e destruíram Israel em 721 a.C. Mais tarde, em 701 a.C., outro rei assírio, Senaqueribe, conquistou 46 cidades de Judá e a Fenícia (com exceção de Tiro). Apesar disso, Judá nunca tornou-se província assíria; limitou-se a pagar tributos e a prestar homenagem, conservando um governo nominal. Apesar de tantas conquistas, no século VII a.C. o Império Assírio entraria em declínio.

Aproveitando-se desse enfraquecimento, entre 626 e 612 a.C. (época em que o profeta bíblico Daniel nasceu), Nabopolassar, rei de Babilônia, esmagou o que restava do Império Assírio e fundou o Império Neobabilônico (também chamado de Segundo Império Babilônico). Sob Nabucodonosor II, seu filho, a Babilônia chegou à sua era dourada. 

Mesmo em seu apogeu, a nova Babilônia não chegou a controlar todo o território que anteriormente fora dominado pela Assíria. Os medos, por exemplo, foram aliados dos babilônicos em sua revolta contra a Assíria e insistiram em manter-se independentes. Assim, nos dias de Daniel, quatro nações principais dominavam o Oriente Médio: Egito (que, durante a infância do profeta, ainda representava uma força digna de menção), Lídia, Média e Babilônia (ver o mapa acima). Durante o longo reinado de Nabucodonosor II (604-562 a.C.), a Babilônia foi a força dominante inquestionável. Após sua morte, a Média assumiu a dianteira; a partir do momento em que a Média se uniu à Pérsia, surgiu o Império Medo-Persa. Este anexou a Babilônia, o Egito e a Lídia. 

O reino de Judá, terra natal de Daniel, reiteradas vezes buscou firmar alianças com o Egito, de forma a resistir à ameaça babilônica. Nabucodonosor obteve, pela primeira vez, o controle sobre Jerusalém, em 605 a.C. Nessa ocasião, ele confiscou uma boa parte dos utensílios preciosos do Templo erguido por Salomão, e também levou consigo, como prisioneiros, uma selecionada leva de jovens judeus (dentre eles, Daniel e seus amigos). Antes de partir, uma das principais providências de Nabucodonosor foi impor a Jeoaquim, o rei judaico, a obrigação de romper sua aliança com os egípcios e a assinar um novo contrato com a Babilônia. No entanto, não muito após a partida de Nabucodonosor, Jeoaquim restabeleceu suas relações com o Egito. 

Em 597 a.C., Nabucodonosor II fez nova incursão em Judá. O rei Joaquim desistiu da rebelião e se rendeu ao invasor que, apesar disso, confiscou grande quantidade de utensílios do Templo e também escravizou 10 mil pessoas (dentre elas, o profeta Ezequiel). Mais tarde, a fim de enfrentar uma séria revolta liderada pelo rei judaico Zedequias, Nabucodonosor II retornou a Jerusalém e, em 586 a.C., após um prolongado cerco, ele arrasou a "Cidade de Davi". O Templo foi completamente destruído e a maior parte dos habitantes que restavam em Judá foram levados cativos. Permaneceram no país apenas "os mais pobres da terra" (II Reis 25:12). 

Bibliografia consultada: MAXWELL, C. Mervyn. Uma Nova Era Segundo as Profecias de Daniel. Tradução de Hélio Luiz Grelmann. Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2006, p. 12-14.