sexta-feira, 4 de maio de 2018
1. A luta contra os piratas foi um dos fatores que possibilitou a ampliação, cada vez maior, das conquistas romanas. Foi Pompeu, em 67 a.C., que obteve os êxitos decisivos contra os piratas ao tomar os últimos covis dos piratas, na Cilícia. Assim, assegurou-se uma das liberdades fundamentais: a livre circulação de pessoas e bens.2. Essa liberdade de navegação possuía um inconveniente, o pagamento dos direitos alfandegários (portoria), cobrados também sobre os transportes terrestres. Isso não impediu, contudo, que todos os povos do Império Romano conhecessem uma prosperidade sem precedentes. O exemplo da liberdade de comércio mostra que existiam dentro do império vários "estados de direito" superpostos e complementares.
3. O primeiro desses estatutos, considerado fundamental, estava ligado à pátria de cada um, a sua cidadania na cidade de onde viera; depois outro, no interior do império, variável conforme as províncias, das garantias conferidas aos próprios cidadãos romanos pela civitas romana.
4. Um dos mais sólidos fundamentos do Império Romano consistia num jogo sutil de equilíbrio entre a autoridade romana e a autonomia dos provinciais. Ao terem sua "liberdade" preservada, as cidades provinciais ficavam menos propensas a aspirar uma mudança de regime ou de dominação. Assim, num certo sentido, conclui-se que o Império extraiu sua força da "liberdade" das cidades.
5. Os governadores possuíam o imperium proconsular, que poderiam usar quando julgassem adequado. Todo provincial, qualquer que fosse o seu estatuto jurídico, poderia apelar para ele, se se acreditasse lesado por seus concidadãos magistrados ou juízes. A "liberdade" coletiva da cidade perdia com isso, a das pessoas ganhava.
6. No Principado (27 a.C. - 235), os romanos viviam sob uma monarquia de fato. Eles certamente tinham perdido a antiga libertas, mas a monarquia de Augusto não era um regnum, uma tirania. Assim, por exemplo, o próprio príncipe delegava seu poder ao Senado e, quando devia intervir pessoalmente, ele o fazia com a assistência de seu conselho. Ele procurava com isso não incorrer no erro de querer regulamentar qualquer coisa por si mesmo e por sua vontade.
7. Augusto não queria considerar sua própria divinização mais que uma metáfora; em janeiro de 27 a.C. juntou as honras a ele rendidas àquelas prestadas à deusa Roma, de quem se apresenta como uma espécie de hipóstase. Nem os romanos nem os provinciais lamentaram então o tempo da "liberdade", nem um regime que se traduzira por tanta ruína e luto. Esperavam um salvador que enfim chegou, um salvador que não é um tirano e frequentemente dava provas de sua solicitude em relação a todos.
8. Pelo menos nos costumes, a velha distinção entre escravos e homens livres tendia a se diluir. No tempo da República, os escravos estavam indiretamente colocados sob a proteção do "povo romano" através da pessoa do seu senhor. Sob o Império eles podiam reclamar da mesma forma a proteção - da Fides - do príncipe. Assim, sob o principado de Trajano, um antigo escravo chamado Calídromo, refugiou-se ao pé da estátua do imperador (apelava, assim, a uma autoridade mais alta). O Principado, como se vê, também distribuía liberdade.
9. Além disso, a condição servil muitas vezes não era mais que temporária. As libertações eram numerosas, ou porque o escravo tivesse poupado um pecúlio sobre seus lucros mínimos, comprando sua liberdade ao seu senhor, ou porque este o tivesse libertado espontaneamente, ainda em vida ou por testamento. Essas alforrias tornaram-se tão frequentes, que foi preciso limitá-las.
10. A religião romana também era marcada pela "liberdade" - ela não podia ser reduzida a proposições invariáveis e não estava ligada a nenhuma ortodoxia. A multiplicação de deuses e deusas oriundos de países longínquos e difíceis de incorporar aos seres divinos tradicionais não se chocava com nenhum obstáculo.
11. Havia lugar em Roma para todas as crenças e todas as práticas, se estas não fossem manifestamente imorais e contrárias à ordem pública. Os romanos distinguiam claramente as crenças pessoais de suas eventuais manifestações públicas. Assim, Ísis ou o deus sírio do Sol foram aceitos na cidade, mas, quando seus seguidores agruparam-se em colégios organizados, então, diante do risco político que isso constituía, os magistrados intervinham ou pelo menos exerciam uma fiscalização mais ativa.
12. Em um ponto, em matéria de religião, Roma tomou uma decisão autoritária: foi a supressão dos druidas de todo o domínio celta. Isso se iniciou sob Augusto, e se completou sob Cláudio. Além da considerável influência que os druidas exerciam sobre os espíritos, eles representavam vestígios de barbárie que poderiam ter travado a romanização do Ocidente. E foi por uma intenção semelhante - a unificação espiritual do mundo romano - que Tibério proibiu o sacrifício de crianças na África.
13. Por que os cristãos foram perseguidos? Depois do grande incêndio de Roma, em 64 d.C., os cristãos surgiram (talvez pelas intrigas de Popéia) como um grupo de facciosos e inimigos da ordem estabelecida, profetizando a derrocada de Roma e o advento de um outro reino. Os cristãos abstinham-se de fazer sacrifícios às divindades oficiais e de fazer os gestos rituais de adoração diante da estátua do imperador.
14. Não houve em Roma nenhum mártir da liberdade de pensar. Não parece que, no conjunto do Império, os imperadores tenham perseguido os filósofos ou os retores enquanto tais. Ademais, nenhum filósofo nunca foi expulso por tanto tempo, que não se contentasse em tomar a palavra em particular, na residência de um romano pronto a acolhê-lo. Isso nunca faltou.
15. Ainda que não se possa pensar que a vida em Roma tenha sido sempre idílica, a verdade é que, quando a ordem romana esteve a ponto de se esboroar, seu fim não foi encarado como uma libertação mas como o início de uma servidão. O Império Romano permaneceu como um modelo que mesmo os novos senhores esforçaram-se por imitar e cuja lembrança nunca se apagaria.
Bibliografia consultada: GRIMAL, Pierre. Os erros da liberdade. Tradução de Tânia Pellegrini. Campinas, São Paulo: Papirus, 1990, p. 153-182.
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