“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Dia do Cortador de Cana-de-Açúcar

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Cortadores de açúcar, de Militão dos Santos.

Açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu do açucareiro por milagre. 

Vejo-o puro 
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim. 

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina. 

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale. 

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.

Ferreira Gullar (1930-2016)

Dicionários Especializados

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Disponibilizarei aqui alguns dicionários especializados, das áreas de Linguagens e Ciências Humanas e Sociais. Pretendo ampliar o acervo assim que tiver acesso a outros títulos. Reitero que não há, de minha parte, qualquer interesse financeiro em oferecer tais materiais - o download é gratuito e o blog não é monetizado.

Dicionário da Escravidão e Liberdade



Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Marco Túlio Cícero 
Arpino, 106 a.C. - Fórmia, 43 a.C. 

Nascido num dia 3 de janeiro, tal como hoje, era filho de um cavaleiro. Desde menino, brilhou por seus dotes naturais, sua decantada agudeza e sua inteligência nos estudos. Embora não desprezasse nenhum ramo do saber, dedicou-se com maior ardor à poesia. Após sua morte, contudo, sua poesia caiu em completo abandono e descrédito. Sua oratório, no entanto, permanece insuperável até hoje. 

Concluído os estudos da infância, recebeu lições de Fílon, o Acadêmico. Militou, por algum tempo, sob as ordens de Sila, na guerra dos marsos. Depois, notando que a república se precipitava numa luta de facções e daí numa ditadura absoluta, voltou-se para uma vida de serenidade e meditação, no convívio de eruditos gregos. Cícero deixou-nos muitas obras, dentre elas, A Carta do Bom Administrador Público

Cícero era magro e, por problemas estomacais, fazia apenas refeições leves. Sua voz, porém, era cheia e forte, sem embargo, seca e sem modulação; sua eloquência violenta e emocionada, por isso sempre impelida para tons elevados, causava apreensões por sua saúde. 

Ambicioso por natureza e estimulado pelo pai e por amigos, Cícero dedicou-se à advocacia. Nessa carreira ele subiu gradualmente, até ser um dos maiores juristas romanos. Em relação à sua vida conjugal, Plutarco nos diz que era dominado pela esposa, Terência, "mulher de temperamento exaltado" (Cícero, 29). 

Nomeado questor por ocasião de uma escassez de trigo, coube-lhe por sorte a Sicília, onde inicialmente causou mal-estar, mas depois passou a ser muito querido pela população. Ingressando com entusiasmo na política, habituou-se a memorizar nomes e outros detalhes da vida de seus concidadãos. Mesmo com o sucesso, o seu patrimônio era modesto - uma bela herdade em Arpino, sua cidade natal, e duas fazendas. 

Tornou-se pretor após uma disputa acirrada. Graças ao apoio conjunto dos partidos aristocrático e popular, foi alçado ao posto de cônsul, em 63 a.C. Seu colega no consulado era Caio Antônio. Catilina, filho de um senador, foi derrotado na disputa e, com a incitação de veteranos de Sila, passou a conspirar, mas foi novamente derrotado na disputa seguinte para o consulado. Assim, seus homens reuniram-se na Etrúria, formando companhias para uma guerra civil. Suas atividades foram prontamente denunciadas, e Cícero pronunciou suas Catilinárias contra os conspiradores. Abandonado pela maior parte de seus asseclas, Catilina foi morto em combate. A Cícero foram então votados as mais altas e inéditas honrarias, o que incluiu o título de "Pai da Pátria". Era o auge do seu poder em Roma. 

Cícero usava e abusava de motejos contra seus rivais na política romana (cf. o post Cícero, o gozador). Isso fez com que ele se tornasse odioso para uma grande parte da aristocracia. Segundo Plutarco, Cícero ofendia as pessoas "indiscriminadamente por amor do riso", o que granjeou-lhe muita antipatia (Cícero, 27). 

Quando se formou o primeiro triunvirato (Pompeu, Crasso e Júlio César), Cícero inicialmente se aproximou de César, uma vez que Crasso o combatia frontalmente. Depois, no entanto, se afastou do conquistador das Gálias e procurou retomar sua carreira política em Roma, sendo atraído pelo tribuno Clódio, que veio a enganá-lo, a persegui-lo e, finalmente, a expulsá-lo da Itália. Pompeu, no entanto, passou a defender a repatriação de Cícero. Ao ser reabilitado, tornou-se um dos sacerdotes áugures, em lugar de Crasso, depois que este morreu na Batalha de Carras (53 a.C.). Na sequência, governou a Cilícia, pacificando-a e mantendo a Capadócia amiga do rei Ariobarzanes. Quando regressou a Roma, a situação já se encaminhava para uma guerra civil. 

Cícero optou pelo lado de Pompeu na guerra civil, o que lhe valeu muitas recriminações por parte de Catão. Na Batalha de Farsalos (48 a.C.), que Cícero não participou por estar doente, César obteve uma vitória esmagadora. Pompeu fugiu, sendo assassinado no Egito. Cícero, por sua vez, fugiu para a Itália, onde veio a se encontrar com César, que o perdoou e o tratou com honra. A seguir, Cícero abandonou a vida pública, passando a viver em Túsculo e dedicando-se ao ensino e à Filosofia. Divorciou-se de Terência e contraiu novas núpcias, com uma donzela riquíssima. 

Cícero não participou da conspiração de Bruto e Cássio contra César, mas defendeu a anistia para os traidores após o assassinato do dictator. Não foi atendido e, logo a seguir, deu-se a rápida ascensão de Marco Antônio. Como a hostilidade se estabeleceu entre os dois, Cícero se aproximou do jovem Otávio, a quem César deixara em testamento a fortuna e a herança de seu nome. Ocorreu que, "uma vez crescida sua autoridade e assumido o consulado, o moço [Otávio] mandou Cícero às urtigas, conciliou a amizade de Antônio e Lépido fazendo causa comum e com eles repartiu a autoridade, como um bem privado qualquer" (Cícero, 46). O segundo triunvirato preparou então a lista daqueles que deveriam ser proscritos (mortos e seus bens confiscados). Cícero acabou incluído, e o relato dramático da decisão dos triúnviros pode ser lida aqui

A cabeça e as mãos de Cícero foram decepadas e expostas no fórum. Isso foi uma vingança post mortem perpetrada por Marco Antônio, alvo das Filípicas de Cícero.

Adaptado de PLUTARCO. Cícero. In: Vidas. Apresentação, seleção e tradução direta do grego por Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1963, p. 200-235.     

A Origem da Revolução Industrial

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Manchester e Salford ainda na fase pré-industrial. Em algumas décadas, essa paisagem iria se alterar profundamente. Ilustração de John Harris, c. 1734. 

1. Em primeiro lugar, a Revolução Industrial não foi uma mera aceleração do crescimento econômico, mas uma aceleração de crescimento em virtude da transformação econômica e social - e através dela. Depois, a revolução britânica foi a primeira na história. Sendo a primeira, ela também foi, em aspectos cruciais, diferente de todas as subsequentes revoluções industriais. As revoluções posteriores puderam utilizar a experiência, o exemplo e os recursos britânicos. Só em grau muito limitado e secundário a Grã-Bretanha pôde utilizar os de outros países.     

2. Apesar disso, a Revolução Industrial não pode ser explicada em termos puramente britânicos, uma vez que esse país fazia parte de uma economia mais ampla, a "economia europeia" ou "economia mundial dos Estados marítimos europeus". O mundo "adiantado" estava ligado ao mundo dependente por uma certa divisão da atividade econômica: de um lado, uma área relativamente urbanizada, e de outro zonas produzindo e em grande parte exportando produtos agrícolas ou matérias-primas.    

3. Fatores climáticos, geografia e distribuição de recursos naturais não atuam por si sós, mas apenas dentro de um dado quadro econômico, social e institucional. Isto é verdade até em relação ao mais forte desses fatores, facilidade de acesso ao mar ou a bons rios. É quase inconcebível que uma região inteiramente sem acesso ao mar pudesse ter sido a pioneira da Revolução Industrial, por exemplo. Todavia, ainda aqui os fatores não-geográficos não devem ser desprezados. As explicações para a Revolução Industrial em termos de "acidentes históricos", a partir da Reforma Protestante ou a partir dos fatores puramente políticos também devem ser rejeitados.  

4. As principais condições para a industrialização já existiam na Grã-Bretanha setecentista ou podiam ser criadas facilmente. O país não era subdesenvolvido, pelos padrões geralmente aplicados aos países "subdesenvolvidos" atualmente, embora o fossem em partes da Escócia e do País de Gales e sem dúvida a Irlanda. É muito duvidoso, por exemplo, que em 1750 existisse na Inglaterra um campesinato dono de terras em grande parte do país, e certamente não existia mais uma agricultura de subsistência. O país acumulara capitais e tinha dimensões suficientes para permitir-se investimentos nos equipamentos necessários à transformação econômica.    

5. Não havia escassez de capital, relativa ou absoluta, e a Grã-Bretanha não era simplesmente uma economia de mercado, mas em muitos sentidos formava um único mercado nacional. E possuía um setor manufatureiro extensivo e bastante desenvolvido, bem como uma estrutura comercial ainda mais desenvolvida. 

6. Os transportes e as comunicações eram baratos, uma vez que nenhuma parte da Grã-Bretanha achava-se a mais de 112 Km do mar e menos ainda de algum curso de água navegável. Os problemas tecnológicos do começo da Revolução Industrial eram bem simples, e a maioria das inovações técnicas exigiam pouco investimento inicial e sua expansão podia ser financiada com a acumulação dos lucros.      

7. O desenvolvimento industrial, portanto, achava-se dentro das possibilidades de grande número de pequenos empresários e artesãos tradicionais hábeis. Nenhum país do século XX que se disponha à industrialização tem, ou pode ter, qualquer uma dessas vantagens. Não significa que não tenha havido obstáculos no caminho da industrialização britânica, mas esses obstáculos eram de fácil superação.      

8. Como surgiram na Grã-Bretanha do século XVIII as condições que levaram os homens de negócios a revolucionarem a produção? Há duas correntes de opinião com relação a este ponto. A primeira salienta principalmente o mercado interno, que era, de longe, o maior escoadouro para os produtos do país; a segunda realça o mercado de exportação, muito mais dinâmico e seguro. Ambos, na verdade, eram essenciais, cada um a seu modo, como também era essencial o governo.   

9. A questão da população também é importante. Ela duplicou em 50 ou 60 anos depois de 1780, voltando a duplicar nos 60 anos entre 1841 e 1901. Na primeira metade do século XVIII, e mesmo até 1780, a área de Londres poderia ter-se despovoado, se não fosse a imigração do interior. Por outro lado, a população do futuro centro de industrialização, o noroeste do país e a porção leste das Midlands, aumentou muito rapidamente. Mais gente significa mão de obra em maior quantidade e mais barata, e isto pode retardar a industrialização (a população crescia em toda a Europa setentrional, mas a industrialização não ocorria em toda parte). Na Inglaterra do século XVIII, no entanto, uma força de trabalho em crescimento ajudou a industrialização porque a economia já era dinâmica, e não porque alguma multiplicação populacional a tenha dinamizado.  

10. É provável que a renda inglesa média tenha crescido substancialmente na primeira metade do século XVIII, época em que também ocorreram melhorias muito substanciais e dispendiosas em transportes - por rios, canais e mesmo estradas de rodagem - o que diminuiu o custo proibitivo de movimentar cargas terrestres.   

11. A base pré-industrial da indústria de carvão era muito mais sólida que a da indústria de ferro, de modo que a verdadeira Revolução Industrial para o ferro e o carvão precisou esperar até que a era das estradas de ferro abrisse um mercado de massa, não só para bens de consumo como também para bens de capital.   

12. Enquanto o mercado interno proporcionou amplos fundamentos para uma economia industrial generalizada, a produção de algodão, a primeira a se industrializar, estava vinculada essencialmente ao comércio ultramarino. 

13. Ao contrário de alguns de seus concorrentes em potencial, como a França, a Grã-Bretanha estava disposta a subordinar toda a política externa a objetivos econômicos. Na guerra, suas metas eram comerciais e navais. Ao contrário de outros (como a Holanda), seus objetivos econômicos não eram dominados exclusivamente por interesses comerciais e financeiros; eram influenciados também, e cada vez mais, pelo grupo de pressão formado pelos produtores manufatureiros. Por fim, também ao contrário de todos seus rivais, a política britânica no século XVIII era de agressividade sistemática     

14. O resultado desse século de guerras intermitentes foi o maior triunfo jamais obtido por qualquer Estado: o virtual monopólio, entre todas as potências europeias, de colônias externas e o virtual monopólio de poder naval em escala mundial. Além disso, a própria guerra fazia expandir as exportações e contribuía, ainda mais diretamente, para a inovação tecnológica e para a industrialização. 

15. A grande depressão econômica do século XVII encerrou o padrão tradicional da expansão europeia - mediterrânea e baseada nos mercadores italianos, seus associados, conquistadores ibéricos, ou báltica e baseada nas cidade-Estado alemãs. Assim, houve um deslocamento geográfico e estrutural para os Estados marítimos à margem do Mar do Norte e do Atlântico Norte. O novo relacionamento entre as áreas "avançadas" e o resto do mundo passou a tender constantemente a intensificar e alargar os fluxos de comércio. A economia industrial britânica desenvolveu-se a partir de seu comércio, e sobretudo seu comércio com o mundo subdesenvolvido. 

Bibliografia consultada: HOBSBAWM, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Tradução de Donaldson Magalhães Garschagen. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1986, p. 33-52.

A Posse do 38º Presidente do Brasil

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Jair Bolsonaro se emociona durante o desfile em carro aberto. Ao lado, a esposa Michelle o consola, e o filho Carlos observa tudo, atrás. 

Eleito com 57,8 milhões de votos, o capitão reformado do Exército brasileiro Jair Messias Bolsonaro (PSL), de 63 anos, tomou posse hoje como o 38º presidente da República Federativa do Brasil. 

A cerimônia foi emocionante, com destaque para público recorde e discursos breves e efusivos do presidente, além de quebra da protocolo da primeira-dama, que discursou antes do esposo, e em Libras, no parlatório. 

Independentemente das opções ideológicas de cada um, precisamos reconhecer que a democracia está viva no Brasil. Existe alternância de poder, as minorias são ouvidas e as mulheres têm um papel de relevo. É verdade que o preço da democracia é a eterna vigilância, e continuaremos vigilantes. Mas também precisamos comemorar a posse histórica de hoje.