“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«Carta do bom administrador público»

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

CÍCERO. Manual do candidato às eleições, Carta do bom administrador público, Pensamentos políticos selecionados. Tradução, introdução e notas de Ricardo da Cunha Lima. São Paulo: Nova Alexandria, 2000.

Quando um dos maiores oradores de todos os tempos decidiu escrever um manual da boa administração pública para o irmão, o resultado só poderia ser o Manual do Candidato às Eleições.

Sem maiores delongas, cito alguns extratos desse belo texto, também incrivelmente atual:

1) Sobre a meta do administrador público:

Ao meu ver, todas as tarefas devem ser executadas pelos que governam outras pessoas tendo em mente o seguinte critério: que os indivíduos que estiverem sob seu governo sejam os mais felizes do mundo.
Cícero, Carta do bom administrador público, VIII.24.

2) Sobre a dívida cultural para com a Grécia:

De fato, não vou me envergonhar de dizer - ainda mais ostentando uma vida e realizações em que é impossível vislumbrar a menor suspeita de indolência e leviandade - que tudo o que perseguimos, alcançamos graças aos conhecimentos e às artes que nos foram transmitidas pelos monumentos e pelas lições da Grécia.
Idem, IX.28.

3) O ideal estóico de autocontrole:

(...) Se você não pode evitar inteiramente que seu espírito seja tomado pela raiva antes que a razão possa se precaver contra isso, então, prepare-se com antecedência e relembre, todos os dias, que deve resistir à irritação; e é exatamente quando ela revolver intensamente sua alma que você deve com o maior esforço conter a língua. Isso, aliás, me parece às vezes uma virtude superior, em comparação com o fato de não se irritar por completo, o que, com efeito, não é apenas um sinal de seriedade, mas, não raro, de apatia. No entanto, moderar a alma e a fala, quando se está irado, ou até mesmo calar-se e manter sob controle a emoção do espírito e a indignação, se isso não revela uma sabedoria perfeita, pelo menos indica uma capacidade acima da média.
Ibid., XIII.38.

4) O que esperar dos coetâneos e dos pósteros

(...) Devote inteiramente sua alma, sua atenção e seu pensamento a conquistar o elogio de todas as pessoas, por toda parte.
Ibid., XIV.41.

Você não deve levar em conta apenas a opinião e o julgamento das pessoas que vivem hoje, mas também das futuras gerações: a bem da verdade, o julgamento destas é que será mais justo, livre de picuinhas e de inveja.
Ibid., XV.43.

O melhor é ser escriba

Você tem ideia da vida do camponês que cultiva a terra? O cobrador de impostos fica no cais para receber as dízimas da colheita. Ele está acompanhado de soldados com cassetetes e negros com varas de palmeira. Eles gritam para o camponês: "Vamos, os grãos." Se o camponês não os têm, atiram-no ao chão, arrastam-no até o canal e mergulham sua cabeça nas águas.

Já o pedreiro [entalhador de pedras] é obrigado a ficar agachado quase todo o dia, exposto ao sol e aos ventos, pendurado nos capitéis. Seus braços gastam-se no trabalho, suas roupas ficam em total desordem. Eles só toma banho uma vez por dia.

O tecelão permanece o dia inteiro em sua oficina. Trabalha com o joelho à altura do estômago. Se deixar de fabricar um só dia a quantidade de pano estabelecida, é condenado à prisão.

Os tintureiros têm sempre os dedos cheirando a peixe podre e os olhos fundos de cansaço.

E como é a vida do oficial de infantaria? Ainda criança, é levado para o quartel. Lá é educado com gritos e espancamentos. Quer saber como são suas expedições em países distantes? É obrigado a carregar os alimentos e a água no ombro como um burro de carga. Chega diante do inimigo parecendo um pássaro trêmulo. Quando regressa ao Egito, parece um velho pedaço de pau roído pelos vermes.

Só observei violência por toda parte. Por isso, recomendo que você se dedique às letras. Nada existe acima da profissão das letras. Assim, aquele que desde a infância dedica-se às letras será um homem honrado.

Egípcio anônimo (provavelmente Akhtoy, ao filho Pepi; IX ou X dinastia, c. 2240-2060 a.C.)
In: Gilberto Cotrim, História & Reflexão. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 70.