“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Tradição na Igreja Primitiva

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

 

A palavra "tradição" (do grego, paradosis) não traz, em si, uma conotação negativa. Paradosis significa "aquilo que é legado". Paulo admoestou os tessalonicenses a guardar "as tradições que vos foram ensinadas" (2Ts 2:15) e os advertiu a não ter comunhão com quem não andasse segundo a tradição apostólica (3:6). As "tradições" que Paulo recomendava eram os seus próprios ensinos verbais, mediante os quais os tessalonicenses deviam testar qualquer mensagem que supostamente viesse dele, usando também as cartas que, de fato, eram de sua autoria. Entretanto, há diversos alertas contra as tradições nos escritos de Paulo (Cl 2:8), Pedro (1 Pe 1:18) e, principalmente, por Jesus de Nazaré (Mt 15:2 e 13; Jo 5:39). Paulo entendia que as Escrituras eram suficientes para a salvação e para a edificação do cristão (2Tm 3:15-17). João fez uma forte advertência a qualquer um que eliminasse ou acrescentasse qualquer coisa ao livro do Apocalipse (Ap 22:18, 19).

O uso que os judeus fizeram da Bíblia ao se oporem ao cristianismo, bem como aqueles considerados falsos profetas, hereges e gnósticos, enfraqueceu um pouco a fé dos cristãos na autoridade das Escrituras. Já no início do séc. III, Tertuliano sustentou que as Escrituras não são suficientes para enfrentar os ataques dos hereges (Prescrição contra os hereges, 14, 19). Irineu, bispo da Gália por volta de 185 d.C., já havia lidado com o mesmo dilema que Tertuliano enfrentaria mais tarde. Irineu registrou a proposição de que a verdade do cristianismo deve ser encontrada nas igrejas fundadas pelos apóstolos, que legaram a verdade aos bispos, os quais Irineu crê que sucederam os apóstolos. Ele defendia que essa verdade "legada" era a tradição, e insistia que ela devia ser uma norma da verdade, já que os hereges estavam usando a Bíblia (Contra Heresias, iii.1-4). Porém, a mais direta reivindicação sobre a autoridade da tradição foi feita por Tertuliano, em seu ensaio De Corona (3,4).

Assim, no início do séc. III, afirma-se que a tradição deve ser aceita como autoridade para certas práticas seguidas na igreja e, para as quais, não há autoridade bíblica. Então, dizia-se que tais práticas eram corretas porque a igreja as estava seguindo. Depois se defende a autoridade da tradição porque é por essa autoridade que a igreja as está seguindo. Consequentemente, nos séculos seguintes, uma profusão de ritos, práticas e crenças sem qualquer fundamento escriturístico foi incorporado à Cristandade, muitos deles de origem claramente pagã.    

Bibliografia consultada: Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. Tradução de Cynthia Cortes [et. al.]. Rio de Janeiro: Record, 2011, vol. 6, p. 50-53. 

Onésimo, escravo nos tempos de Roma

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

 

Pros Philêmona ("Para Filemon") foi escrita pelo apóstolo Paulo (v. 1), e quanto a isso praticamente não há discussão entre os eruditos. A epístola é uma carta pessoal de Paulo, escrita enquanto estava preso em Roma. O destinatário é um cristão chamado Filemon, habitante de Colossos. A mensagem foi enviada pelo amigo de Paulo, Tíquico, e foi motivada por uma crise na vida de um dos conversos de Paulo. Onésimo, escravo de Filemon, havia fugido, levando consigo um pouco de dinheiro ou bens de seu senhor (v. 18). Posteriormente, ele foi para Roma, como faziam muitos escravos, com a expectativa de se ocultar nas vastas multidões daquela cidade. Enquanto estava lá, Onésimo conheceu Paulo. É possível que, enquanto viveu em Roma, ele absorveu o suficiente da doutrina cristã para ter a consciência perturbada. Em busca de orientação espiritual, ele buscou a Paulo; é interessante que, por sua vez, Paulo já havia sido um convidado na casa de Filemon. 

Qualquer que seja a razão, Onésimo encontrou pronta recepção e foi inspirado a servir dedicadamente ao idoso apóstolo. Sua consciência e sua vontade o prepararam para seguir o caminho do dever a fim de se redimir dos erros do passado, voltando mais uma vez a seu antigo senhor. Onésimo não esperou para ver que resposta seu senhor daria à carta de Paulo. Em vez disso, ele partiu com Tíquico, mensageiro de Paulo. Não sabemos qual recepção ele teve, mas é possível supor que Filemon tenha sido tocado pelas ternas palavras do apóstolo Paulo. Onésimo deveria ser recebido como um "irmão amado" (v. 16).

A epístola a Filemon precisa ser compreendida no contexto da escravidão, tal como existia no Império Romano. Os escravos eram parte reconhecida da estrutura social e eram considerados membros da família de seu senhor. Entre 146 a.C. e 235 d.C., diz-se que a proporção de escravos para pessoas livres teria sido de três por um. Plínio diz que, no tempo de Augusto, um liberto chamado Cecílio mantinha 4.116 escravos. Saiba mais no post A Escravidão em Roma.

Com uma massa escravizada tão numerosa, a elite dominante se via no dever de promulgar leis severas para evitar fuga ou revolta. Muitas vezes, a punição pela fuga era a morte, por vezes, por crucificação, ou por ser atirado às lampreias vorazes em um aquário. Por outro lado, alguns proprietários de escravos eram mais benevolentes do que outros, e a lei previa a alforria ou liberação de várias maneiras. Todavia, a menos que a alforria fosse decretada por lei, e não por um particular, o liberto era obrigado a permanecer servindo ao senhor e a executar as obrigações impostas a ele no momento da alforria. Na sociedade romana, era possível aos libertos ascender de forma constante a posições de influência e, até mesmo, de autoridade cívica.  

Bibliografia consultada:

Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2011, vol. 7, p. 401-402.

A URSS e o Terrorismo Islâmico

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

 

Origens do Culto à Deusa-Mãe

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

 

Deusa-Mãe, Rajastão, Índia, período Gupta, séculos V-VI.

Dentre essas "imagens primordiais" religiosas comuns, provavelmente a mais antiga e certamente a mais poderosa foi a da Mãe. É ela o tema das mais antigas representações visuais da forma humana; e dado que, nessa imagem, a maternidade não é vista como sendo incompatível com a virgindade, essa imagem materna deve ter tomado forma antes da descoberta da paternidade - isto é, antes de se reconhecer que uma mulher não pode engravidar sem ter tido relações sexuais com um homem. Deve-se ter reconhecido, desde o despertar da percepção consciente, que a maternidade implicava o nascimento de uma criança, mas o reconhecimento de que a Mãe obscurecia o filho, e o pai ou era não-existente ou, no máximo, era uma figura nebulosa. A potência da Mãe é imensa para qualquer homem a ela associado e, consequentemente, alguns deuses masculinos dominadores preferiram permanecer no celibato. Aton, Assur, Javé e Mitras são exemplo disso.   

TOYNBEE, Arnold. A Humanidade e a Mãe-Terra - Uma História Narrativa do Mundo. Tradução de Helena Maria C. M. Pereira e Alzira S. da Rocha. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 364.

Testemunho sobre o horror da Guerra

domingo, 1 de outubro de 2023

 

O Cemitério, Étaples, 1919, obra de John Lavery (1856-1941).

"Dia e noite não fazemos outra coisa que não seja recolher os feridos e os mortos. Quando vemos os mortos, com os membros esmagados e mutilados, não podemos deixar de sentir repulsa pela guerra. É fácil falar de glória e heroísmo quando se está longe dela. Mas, aqui, na presença dos mortos e mutilados e torturados, só podemos sentir o horror e a perversidade da guerra. É de fato uma safra funesta, impregnada de orgulho e arrogância e sede de poder."

Donald Hankey (1884-1916), combatente britânico na Primeira Guerra Mundial   

Citado em: GILBERT, Martin. História do Século XX. Tradução de Francisco Agarez. 3ª edição. Alfragide, Portugal: Dom Quixote, 2014.