“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Adoráveis Cleópatras

quarta-feira, 23 de março de 2011


Dentre as mulheres que marcaram a História, talvez uma das mais lembradas seja Cleópatra VII (à direita), a última representante da dinastia dos Ptolomeus, no Egito. Esta dinastia surgiu com Ptolomeu, general macedônio que após a morte de Alexandre assenhorou-se do país dos faraós.

Longe de ser extraordinariamente bonita, era contudo espirituosa, inteligente, simpática, uma linguista. A fórmula infalível para conquistar grandes generais e

líderes políticos de sua época, como Júlio César (100 - 44 a.C.) e Marco António (83 - 30 a.C.). Recomendo a biografia e os documentários indicados ao final deste post.

Outra "Cleópatra" - Elizabeth Taylor - atriz que interpretou a famosa rainha no filme de 1963, morreu hoje, aos 79 anos. Segundo o crítico Pedro Butcher, a "Liz" Taylor "se enquadra entre as maiores estrelas da época de ouro do cinema, ao lado de Audrey Hepburn e Marilyn Monroe, por exemplo." Taylor era lindíssima e Cleópatra, "apenas normal" (no máximo); aquela aventurou-se em oito casamentos enquanto esta envolveu-se amorosamente com dois homens, apenas. Por isso e muito mais, o filme é muito criticado pelos "puristas". Mas, como sabemos, todo filme é uma representação artística e a sua principal contribuição à História é a de instigar a curiosidade. Quanto a isto o filme protagonizado pela citada britânica merece ser reconhecido com louvor.

Este blog foi inaugurado com uma homenagem a dois homens. Já era tempo de duas mulheres receberem minha singela deferência. A História foi laureada com suas "adoráveis Cleópatras."


**************************************************************************************************
- Confira uma das última biografias de Cleópatra AQUI.
- Doc. Cleópatra, rainha do Egito:

A Casa das virgens vestais foi reaberta

segunda-feira, 21 de março de 2011


Roma tem mais uma atração para os turistas em busca de tesouros da Antiguidade. A capital italiana abriu para visitação a Casa das Virgens Vestais, construção anexa ao Forum Romano, que esteve fechada por 20 anos, após longas obras de recuperação. Agora, os visitantes podem caminhar pelo amplo jardim da construção e apreciar de perto as estátuas de bronze, dedicadas a divindades romanas.
O sítio arqueológico faz parte do mais novo itinerário turístico, pelo Monte Palatino, que inclui também o Templo de Vesta. Este conjunto arquitetônico, conhecido também como Atrium Vestae, é um dos mais antigos da capital italiana, com a construção iniciada por volta do século V a.C. Nele se venerava Vesta, a deusa romana do fogo e do lar. A função das seis virgens que viviam no templo era cuidar para que o fogo sagrado de Vesta nunca se apagasse. As vestais eram filhas de famílias nobres da cidade, escolhidas ainda crianças para o ofício. A casa foi reconstruída após o incêndio de Nero, no ano 64 d.C, e restaurada durante o período do imperador Septimus Severus, entre 193 d.C. e 211 d.C.
Detalhe: a restauração custou 19 milhões de euros!
Outro símbolo da Antiguidade romana que em breve passará por obras é o Coliseu. A restauração, orçada inicialmente em 25 milhões de euros (cerca de R$ 57 milhões), será custeada por uma fabricante italiana de sapatos de luxo Tod's. A obra deve começar no final de 2011 e avançar por dois anos e meio. A arena, do ano 80 d.C., atrai 6 milhões de turistas anualmente, mas sua estrutura está afetada pela poluição do pesado trânsito romano e pelas vibrações de uma linha do metrô que passa nas proximidades. O monumento deve permanecer aberto à visitação durante o período de reformas.
In: O Globo

Cícero, o gozador

quarta-feira, 16 de março de 2011


Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), foi um dos oradores mais brilhantes da Roma antiga. Além de gênio imbatível da arte da eloquência, foi escritor, filósofo, advogado e político. Enquanto me graduava, encantava-me ao ler suas Catilinárias e sua Carta do Bom Administrador Público, manual no qual defende que o governante deve ter por objetivo máximo tornar seus subordinados as pessoas mais felizes do mundo.

Sem dúvida, Cícero é um dos personagens mais famosos da Antiguidade. No entanto, há uma faceta desse célebre romano que é menos conhecida - Cícero era um gozador. Daqueles que perdem um amigo mas que não perdem a piada.

Até então, não concebia os políticos como bem-humorados. Do contrário, eles deixam-nos bem-humorados (pois devemos rir para não chorar... rsrs). Por isso, não esperava nunca que Cícero fosse para lá de engraçado. Ora, ele não só era hilário - chegava mesmo a ser um escarnecedor, um chato daqueles que fazem "ferver" o sangue de qualquer um. Por tudo isso, foi criticado pelo biógrafo Plutarco, para quem Cícero passava dos limites. Se usasse os motejos tão-somente como recurso retórico, tudo bem; mas seu humor corrosivo era usado para ofender as pessoas, indiscriminadamente. Ao fazer isso, atraiu muita antipatia para si.

Seguem abaixo alguns exemplos das chacotas de um homem que, para muitos, é a encarnação da seriedade romana.

I) UM SENIL NA MIRA

Lúcio Gélio, um dos senadores mais idosos, asseverou que, enquanto vivesse, César não repartiria o território da Campânia entre os seus soldados. "Esperemos", disparou Cícero, "o adiamento solicitado não será longo."

II) HOMENS DE BRINCO

Diziam que um certo Otávio descendia de africanos. Numa sessão do tribunal, ele disse que não conseguia ouvir a Cícero. "No entanto", replicou Cícero, "não lhe falta buraco na orelha."

Explicação:
Os romanos consideravam bárbaros os homens que usavam brincos. Dentre aqueles que possuíam tal prática estavam os africanos que não tinham adotado a cultura latina.

III) O TEU PASSADO TE CONDENA!

Especulava-se que Marcos Gélio descendia de escravos. Em certa ocasião, enquanto lia cartas com voz clara e forte no Senado, Cícero comentou: "Não é de admirar; ele também é um dos que gritavam por liberdade."

IV) EDITAIS

Quando exerceu a ditadura em Roma (a ditadura era então uma magistratura com previsão legal que nada tem a ver com a acepção moderna de ditadura), Sila promulgara muitos editais de proscrição e morte. Fausto, seu filho, vivera uma vida desregrada que o levou à dissipação da herança. Endividado, precisou lançar editais para leiloar o que lhe restava. Cícero afirmou então que preferia os editais do filho aos do pai.

V) UM ADVOGADO DESPREPARADO

Público Consta, que pretendia ser advogado sem, contudo, possuir instrução ou talento, foi chamado por Cícero para depor num processo. Como alegava nada saber, foi humilhado por Cícero: "Quiçá cuidas estar sendo inquirido sobre questões de Direito?"

VI) PERGUNTA O QUE QUER, OUVE O QUE NÃO QUER...

Segundo alguns, o pai de Cícero era um simples trabalhador braçal (Plutarco reconhece que incertezas envolvem as origens de Cícero). Ciente disso, Metelo Nepos o incomodava persistentemente numa disputa com a pergunta: "Quem é teu pai?" 

Ora, diziam que a mãe do tal Metelo era adúltera e que ele era inconstante. A resposta de Cícero foi então arrasadora: "Essa pergunta, no teu caso, tua mãe tornou um bocado difícil de responder."

VII) CENSOR BEBERRÃO

Lúcio Cota, um beberrão, exercia o cargo de censor quando Cícero, candidato ao consulado, teve sede. Enquanto ele se saciava, os amigos lhe cercaram. "Tendes razão", disse ele, "de temer que se zangue comigo o censor por beber água."

VIII) NEM CÉSAR FOI POUPADO


Após derrotar as forças de Pompeu em Farsalos (48 a.C.), algumas propriedades de líderes pompeianos, que já estavam mortos ou em luta contra César, foram leiloadas. Apenas um pequeno grupo de privilegiados teve direito a pechinchas nesses leilões. Dentre eles estava Servília, amante de César de longa data. Mais ou menos nessa época, César teve um caso com uma das filhas de Servília, Tércia ou "Terceira", e supostamente com o consentimento da mãe. 

Ora, Cícero não perdeu a oportunidade. Segundo ele, as pessoas não percebiam que Servília estava comprando terrenos valiosos por apenas uma fração de seu preço verdadeiro porque o preço havia sido reduzido em um "Tércio". (Suetônio, César, 50; Cf. GOLDSWORTHY, Adrian. César - A Vida de um Soberano. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2011, p. 591).

IX) PERDOEM-NOS AS FEIAS...

Ao cruzar com Vocônio, que andava ao lado de três filhas muito feias, Cícero exclamou:

Contra as ordens de Febo procriou.

Explicação:
O verso, de autor desconhecido, alude a Laio, rei de Tebas, a quem Apolo proibira a procriação. 

X) ESCÁRNIO VENENOSO

Um jovem, suspeito de ter colocado veneno em um bolo oferecido ao pai, cheio de ousadia, ameaçava ridicularizar a Cícero. Este disse-lhe: "Antes isso que um dos teus bolos."

XI) MAIS BEM-HUMORADO QUE TUDO

Metelo Nepos certa vez disse que nosso ácido orador condenara mais pessoas depondo como testemunha do que salvara atuando como advogado. Ao ouvir isso, Cícero replicou: "Concordo; sou mais fidedigno que eloquente."


*************************************************************************************************
Fonte Primária:
Plutarco, Vidas
Cícero, 26 e 27.

Alexandre, o Grande (homossexual?)

terça-feira, 15 de março de 2011


Estimados,

Antes da habitual postagem de quarta-feira, indico-lhes uma entrevista com um especialista na vida de Alexandre, o Grande (356-323 a.C.). Chama-se Alex B. de Menezes e, na conversa com o Jô Soares, confirmou a suspeita que tinha desde que li Plutarco: não existe prova documental que sustente a ideia atual de que o conquistador macedônio era homossexual.

Naturalmente, há vários outros detalhes revelados pelo historiador Alex que tornam a sua entrevista muito interessante.

Disponível AQUI.

***************************************************************
O túmulo de Filipe II, pai de Alexandre, foi descoberto - Veja.

Imperadores vencidos pela sabedoria

quarta-feira, 9 de março de 2011

Há um relato famoso envolvendo Diógenes de Sínope (c. 412 - c. 323 a.C.) e Alexandre, o Grande (356 - 323 a.C.). Conta-se que o filósofo cínico - um tipo excêntrico que cobria-se de andrajos e morava em um barril - estava a bronzear-se quando o conquistador macedônio parou à sua frente. Este lhe disse:


- Sou Alexandre, aquele que conquistou todas as terras. Peça-me o que quiser, e eu lhe darei. Palácios, terras, honrarias, escravos ou tesouros jamais vistos. O que queres, ó sábio?

Diógenes levantou os olhos e respondeu:

- Apenas não tires de mim o que não podes dar-me.

Notando que interpunha-se entre o filósofo e o sol, Alexandre, claramente derrotado pela sabedoria daquele homem, retirou-se e disse aos seus:

- Se não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.

No mundo romano, dois episódios que envolveram o imperador Adriano (117-138 d.C.) (ver imagem) são menos conhecidos. O primeiro deles teve a ver com uma mulher, simples cidadã romana que vivia em uma aldeia, algures no império. Não muito preocupada com a pressa do princeps, um autêntico monarca-viajante, ela lhe fez um pedido. "Não tenho tempo", foi o que ouviu. "Então deixe de ser imperador", ripostou a destemida mulher. Irritado, mas sem opção, Adriano parou e conferiu-lhe uma audiência. Um século e meio após a República romana sucumbir, a noção de res publica ainda sobrevivia, e o princeps ainda se portava como o primeiro cidadão.

Em outra ocasião, tomou uma caneta e furou o olho de um escravo em um rompante de cólera. Passado o furor, carregado de culpa, Adriano pediu ao desafortunado servo que escolhesse uma recompensa pela estrago. A vítima permaneceu calada. Como o soberano pressionava-o, ele retorquiu:

- Só quero recuperar minha vista.

A História possui muitos casos nos quais a sabedoria venceu a soberba e a inteligência suplantou a força. Em suma, ninguém está minimamente seguro se não buscar a sabedoria. É pena que nem sempre a História faça justiça a esses campeões da sapientia. Como o pobre homem de Eclesiastes (9, 14-16):

Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens, e veio contra ela um grande rei, e a cercou e levantou contra ela grandes baluartes;
E encontrou-se nela um sábio pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria, e ninguém se lembrava daquele pobre homem.
Então disse eu: Melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre foi desprezada, e as suas palavras não foram ouvidas.

Busquemos a sabedoria. Está em nossas mãos escolher em quem se espelhar - Diógenes ou Alexandre, a mulher e o escravo anónimo ou Adriano, o "pobre homem" ou o "grande rei." Nunca nos esqueçamos de que "as palavras dos sábios devem em silêncio ser ouvidas, mais do que o clamor do que domina entre os tolos" (Ecles. 9, 17).

**************************************************************************************************
Fontes Primárias:
Diôgenes Laêrtius
Vidas e doutrinas de filósofos ilustres, tradução de Mário da Gama Kury, Brasília, EdUnB, 1977, Livro VI.
Díon Cássio
História de Roma, 69.6.3
Galeno
K.5.17
Bíblia Sagrada, Eclesiastes, cap. 9.

Alea jacta est!

quarta-feira, 2 de março de 2011

César, 1875, óleo sobre tela de Adolphe Yvon (1817-1893). A pintura ilustra o momento em que César teria cruzado o Rubicão. Foi quando ele declarou: Alea jacta est!

"Desejava ter cadáveres de dácios, e os tenho tido.
Desejava sentar-me em um lugar de paz, e me tenho sentado.
Desejava obter triunfos brilhantes, e assim tem sido.
Desejava obter todas as vantagens financeiras do primipilato, e as tenho obtido. Desejava contemplar a nudez das Ninfas, e as tenho visto." 
Primípilo anônimo do exército romano

Começo com duas homenagens. A primeira, obviamente, vai para o soldado acima. O exército que integrou foi um dos mais eficazes de toda a História. O conhecemos razoavelmente bem. Mas, infelizmente, não dispomos de maiores informações sobre a vida aventurosa do primípilo supracitado. Sabemos, no entanto, que foi um vencedor. Morreu plenamente realizado.

A segunda homenagem vai para o autor da citação abaixo:

"A democracia é tanto um valor quanto um instrumento político. Como um valor, é universal. Mas, como instrumento político, trata-se de um conceito que deve ser ajustado por país, de acordo com sua história, suas tradições e a mentalidade de seu povo."

O autor de tal declaração pode dizer, como poucos o poderiam sinceramente, que está feliz "por ser capaz de contribuir para tentar fazer do mundo um lugar melhor." Esse foi um dos maiores líderes mundiais do século passado - Mikhail Sergeyevich Gorbachev. Hoje ele completa 80 anos. Como é de conhecimento geral, Gorbachev contribuiu para dar cabo à Guerra Fria e à ditadura soviética. Fundou a Cruz Verde Internacional, a Fundação Gorbachev, o Fórum Político Mundial e o Encontro Internacional de Laureados com o Nobel da Paz. Continua ativo politicamente e por tudo isso e muito mais tem o seu lugar de honra garantido na História. Provavelmente será um imortal - como disse Samuel Butler (1835-1902), não se está realmente morto enquanto se for amplamente recordado.

Esses dois personagens ilustram bem as minhas áreas de interesse. Como historiador, interesso-me pela Antiguidade Clássica, e especialmente pelo exército romano. Como homem de meu tempo, sou um democrata. Portanto, esperem nesse blog textos, sugestões e discussões acerca dessas temáticas.

Como li uma vez em certa obra de Eduardo Galeano, a probabilidade que alguém leia algo que escrevemos é quase a mesma que leiam uma mensagem colocada em uma garrafa jogada ao mar. De qualquer forma,

A sorte foi lançada!

Leia uma entrevista do antigo líder soviético.