“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Imperadores vencidos pela sabedoria

quarta-feira, 9 de março de 2011

Há um relato famoso envolvendo Diógenes de Sínope (c. 412 - c. 323 a.C.) e Alexandre, o Grande (356 - 323 a.C.). Conta-se que o filósofo cínico - um tipo excêntrico que cobria-se de andrajos e morava em um barril - estava a bronzear-se quando o conquistador macedônio parou à sua frente. Este lhe disse:


- Sou Alexandre, aquele que conquistou todas as terras. Peça-me o que quiser, e eu lhe darei. Palácios, terras, honrarias, escravos ou tesouros jamais vistos. O que queres, ó sábio?

Diógenes levantou os olhos e respondeu:

- Apenas não tires de mim o que não podes dar-me.

Notando que interpunha-se entre o filósofo e o sol, Alexandre, claramente derrotado pela sabedoria daquele homem, retirou-se e disse aos seus:

- Se não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.

No mundo romano, dois episódios que envolveram o imperador Adriano (117-138 d.C.) (ver imagem) são menos conhecidos. O primeiro deles teve a ver com uma mulher, simples cidadã romana que vivia em uma aldeia, algures no império. Não muito preocupada com a pressa do princeps, um autêntico monarca-viajante, ela lhe fez um pedido. "Não tenho tempo", foi o que ouviu. "Então deixe de ser imperador", ripostou a destemida mulher. Irritado, mas sem opção, Adriano parou e conferiu-lhe uma audiência. Um século e meio após a República romana sucumbir, a noção de res publica ainda sobrevivia, e o princeps ainda se portava como o primeiro cidadão.

Em outra ocasião, tomou uma caneta e furou o olho de um escravo em um rompante de cólera. Passado o furor, carregado de culpa, Adriano pediu ao desafortunado servo que escolhesse uma recompensa pela estrago. A vítima permaneceu calada. Como o soberano pressionava-o, ele retorquiu:

- Só quero recuperar minha vista.

A História possui muitos casos nos quais a sabedoria venceu a soberba e a inteligência suplantou a força. Em suma, ninguém está minimamente seguro se não buscar a sabedoria. É pena que nem sempre a História faça justiça a esses campeões da sapientia. Como o pobre homem de Eclesiastes (9, 14-16):

Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens, e veio contra ela um grande rei, e a cercou e levantou contra ela grandes baluartes;
E encontrou-se nela um sábio pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria, e ninguém se lembrava daquele pobre homem.
Então disse eu: Melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre foi desprezada, e as suas palavras não foram ouvidas.

Busquemos a sabedoria. Está em nossas mãos escolher em quem se espelhar - Diógenes ou Alexandre, a mulher e o escravo anónimo ou Adriano, o "pobre homem" ou o "grande rei." Nunca nos esqueçamos de que "as palavras dos sábios devem em silêncio ser ouvidas, mais do que o clamor do que domina entre os tolos" (Ecles. 9, 17).

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Fontes Primárias:
Diôgenes Laêrtius
Vidas e doutrinas de filósofos ilustres, tradução de Mário da Gama Kury, Brasília, EdUnB, 1977, Livro VI.
Díon Cássio
História de Roma, 69.6.3
Galeno
K.5.17
Bíblia Sagrada, Eclesiastes, cap. 9.

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