“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Mediterrâneo Ocidental, 600-221 a.C.

sábado, 29 de junho de 2019

Moeda de Siracusa de 344-317 a.C., época de Timoleonte. No reverso, a figura mitológica do Pégaso.

1. Entre os séculos VIII e VII a.C. os gregos haviam se estabelecido ao longo do litoral da Itália, desde Tarento e até pontos tão setentrionais quanto Ísquia e Cumas (à exceção de Marselha). Os gregos também haviam ocupado o litoral leste e sul da Sicília. Por volta de 600 a.C., estabeleceram uma colônia em Massília (Marselha). Acragante (Agrigento), estabelecida no litoral meridional da Sicília em 580 a.C., foi o último estabelecimento colonial grego importante no Ocidente.   

2. Os cartagineses, por sua vez, haviam adquirido o Estreito de Gibraltar, o qual bloquearam à navegação grega. Além disso, os cartagineses e demais fenícios das colônias haviam cooperado com sucesso com os etruscos para impedir que os gregos unissem suas colônias sicilianas e italianas a Marselha. Isso foi possível porque os cartagineses adquiriram o controle da Sardenha e da Córsega. 
  
3. Os sírios-fenícios foram atacados pela retaguarda pelo Império Assírio e, depois, pelo Império Neobabilônico. Desde cerca de 600 a.C., os gregos asiáticos foram progressivamente atacados e conquistados, primeiro pelos lídios e, depois, pelos persas. Os cartagineses estavam separados de seus aliados etruscos pelo controle mantido pelos gregos sobre os litorais da Sicília e Itália meridional. Não obstante, os gregos ocidentais estavam na defensiva por volta de 500 a.C. - uma das razões de sua fraqueza era sua luta fratricida. Os gregos continuaram a ser os inimigos mais destruidores uns dos outros até que sua sujeição a Roma forçou-os finalmente a coexistirem em paz.    

4. Entre 505 e 491 a.C., surgiu um principado grego siciliota no sudeste da Sicília, com capital em Siracusa. Ele foi construído mediante métodos brutais. Entre 488 e 483 a.C., um segundo principado grego siciliota expandiu-se através da Sicília, do litoral sul ao norte, mediante a anexação, de Hímera a Agrigento. Tais estruturas políticas dos gregos siciliotas impediram que a aliança etrusco-cartaginesa subjugasse os gregos ocidentais, dois séculos antes que os romanos o fizessem.    

5. Em 480 a.C., os cartagineses responderam a esse segundo passo greco-siciliota, invadindo a Sicília em massa. Nesse mesmo ano ocorreu a invasão persa da Grécia europeia continental. É improvável que as duas invasões não tenham sido combinadas. Os fenícios das colônias estavam em estrito contato com os sírios-fenícios, e estes, além de serem súditos dos persas, também eram rivais comerciais dos gregos e, portanto, beneficiar-se-iam caso os gregos fossem esmagados. No entanto, em 480 a.C., a aliança Siracusa-Agrigento e a aliança Esparta-Atenas venceram de forma arrasadora os cartagineses e os persas, respectivamente.     

6. Nos dois séculos seguintes, os estados gregos ocidentais continuaram em guerra entre si - Siracusa contra Reggio e Crotona, e esses dois contra o Lócris Epizefiriano, que ficava encravado entre ambos. Os estados gregos ocidentais eram sócios dos gregos orientais, e uns se envolviam nas disputas políticas dos outros, dos dois lados do Estreito de Otranto. Assim, os gregos ocidentais envolveram-se na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), o que culminou no ataque ateniense a Siracusa, em 415-413 a.C. A aventura terminou de forma desastrosa para Atenas, mas também para os siciliotas vitoriosos. A exaustão destes estimulou os cartagineses a retornarem à ofensiva na Sicília, em 409 a.C. Dessa data até 275 a.C., Cartago e Siracusa repetidamente lutaram entre si, sem chegar a um resultado conclusivo.     

7. Os gregos siciliotas aceitavam déspotas sempre que se encontravam em risco de serem conquistados pelos cartagineses. Assim que a ameaça cartaginesa era afastada, eles derrubavam seus déspotas. Ainda que a Sicília constituísse uma boa base para um domínio naval das águas das duas bacias do Mediterrâneo, uma Sicília unida, por si só, não teria sido forte o bastante para dominar todo o Mediterrâneo e seu perímetro. Isso só seria factível por uma potência que combinasse o ativo estratégico de controlar a Sicília a um controle dos recursos demográficos e econômicos da Itália ou do noroeste da África.   

8. Os colonizadores gregos da Sicília helenizaram-na completamente. Antes do fim do século V a.C., toda a população siciliota adotara a língua grega e a instituição grega de cidades-estado. Por outro lado, na Itália, a língua grega jamais conquistou a região interior das colônias gregas. Essas próprias colônias, por sua vez, foram dominadas pelos nativos.   

9. No período de cerca de 600 a.C. a 221 a.C., a Itália continuou a ser bem mais diversificada que a Sicília em todos os planos de vida. Todavia, entre c. 340 a.C. a 264 a.C., toda a península itálica foi unida politicamente por Roma. O sucesso romano em unir a Itália permitiu-lhe prosseguir até unificar toda a bacia mediterrânica. Roma não foi a primeira potência a tentar unir politicamente a Itália, mas foi a primeira bem-sucedida, ainda que com grandes dificuldades.

10. A primeira tentativa no sentido de unir politicamente a Itália partiu dos etruscos, por volta de 550 a.C. a 423 a.C. No século VI a.C., eles tomaram Fidenae e Roma, e em seguida ocuparam as terras baixas até Cumas. Avançaram pelo passo que leva de Faesulae a Felsina (Bolonha) e desenvolveram o potencial de riqueza agrícola da bacia do Pó. Por volta de 525 a.C., parecia que os etruscos iriam unir, sob seu governo, não apenas a península itálica, mas também a bacia do Pó. Todavia, fracassaram quando tentaram tomar Cumas (524 a.C.) e perderam o controle sobre o Lácio e Roma entre c. 509 e 474 a.C. Foram derrotados para os siracusanos (474 a.C.); tiveram a maioria de suas colônias na bacia do Pó devastada pelos celtas (gauleses), entre c. 450 a.C. e 350 a.C.; em 423 a.C., perderam Cápua para os montanheses oscos do interior da Campânia (esses mesmos tomaram Cumas aos gregos, em 421 a.C.).  

11. Os etruscos fracassaram politicamente pelas mesmas razões que os gregos (pelo menos os estados etruscos não se destruíram mutuamente, como fizeram os estados greco-italiotas). Ao contrário dos fenícios das colônias, os etruscos não estavam dispostos a se colocar sob um comando unitário. Sua expansão foi obra de cidades-estado isoladas ou mesmo líderes isolados de bandos de aventureiros militares. Finalmente, os estados etruscos deixaram-se subjugar, um a um, por Roma. 

12. Por volta de 344 a.C., a situação dos gregos era tão desesperadora que eles começaram a pedir socorro a seus compatriotas do lado leste do Estreito de Otranto. O primeiro dos seis "salvadores" gregos orientais que responderam aos apelos dos gregos do Ocidente, entre 344 a.C. e 280 a.C., foi Timoleonte, cidadão de Corinto. Foi o mais bem-sucedido, chegando a estabelecer regimes democráticos moderados em Siracusa e nos outros estados greco-siciliotas. Entretanto, sua obra na Sicília não sobreviveu ao período em que atuou (344 a.C. a 337 a.C.).

13. O último e menos eficiente dos "salvadores" foi o rei Pirro do Epiro, que fez campanhas na Itália contra os romanos, a convite dos tarentinos, e na Sicília, contra os cartagineses. Ele se beneficiou do fracasso de romanos e cartagineses em se auxiliarem mutuamente no campo militar e naval, contra o inimigo comum. Mas Pirro afinal fracassou devido à inadequação de seus recursos e à sua própria volubilidade pessoal. Em 272 a.C., não apenas Taras, mas também as confederações samnita, lucaniana e brutiana capitularam diante de Roma. Em 264 a.C., Roma completou a unificação política da península itálica.    

14. O sucesso de Roma deveu-se à habilidade política de seus nobres e à educação helênica, que amadureceu tal habilidade. Inicialmente, os romanos se helenizaram indiretamente, através dos governantes e dos residentes etruscos. Aliás, os etruscos transformaram Roma, por volta de 550 a.C., até então um agrupamento de aldeias pastoris, numa cidade-estado de tipo etrusca. Tal transformação política, associada à cultura romana, atraíam a Roma povos que ainda se encontravam no estágio de pré-cidade-estado. A sujeição de Roma a déspotas etruscos de c. 550 a.C. a 509 a.C. (ou, talvez, até c. 474 a.C.) fez de Roma uma cidade-estado e deu-lhe um império em miniatura sobre suas companheiras latinas. 

A seguir à influência etrusca, os romanos helenizaram-se diretamente, mediante um relacionamento com Cumas, o qual se estendeu progressivamente ao resto do Mundo Helênico.  
  
15. Em 264 a.C., Roma havia unido toda a Itália peninsular. Porém, na Primeira Guerra Púnica (264-241 a.C.), houve baixas numa escala sem precedentes na história bélica da bacia mediterrânica. Aníbal já estava, portanto, decidido a vingar a derrota de Cartago nesse conflito. Em 221 a.C., portanto, a situação da bacia mediterrânica ocidental era tão inconclusiva quanto a bacia oriental do Mediterrâneo.    
  
Bibliografia consultada: TOYNBEE, Arnold. A Humanidade e a Mãe-Terra - Uma História Narrativa do Mundo. Tradução de Helena Maria C. M. Pereira e Alzira S. da Rocha. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 293-306.

A Explicação Profunda da Burca

sexta-feira, 28 de junho de 2019

"Num dos entendimentos cristãos, o matrimônio é um sacramento, o que significa uma união forjada na presença de Deus. E o propósito do sacramento é incorporar eros ao mundo de ágape, a fim de garantir que o rosto do amante ainda pode estar voltado para o mundo dos outros. As sociedades humanas diferem quanto à maneira como lidam com esse fenômeno, e algumas nem sequer tentam fazê-lo. Mas o propósito, onde existe, é por toda parte o mesmo: garantir que o rosto privado do amante possa também ser o rosto público do cidadão, ou o rosto extrovertido do amigo. Assim, onde o casamento não é considerado sacramento, mas apenas um contrato entre o marido e os pais da noiva, o rosto da noiva muitas vezes permanece oculto após o casamento; o casamento nada faz para transferi-la das formas privadas de amor para suas formas públicas. Essa é a explicação profunda da burca: ela é um modo de ressaltar a exclusão das mulheres da esfera pública. Elas podem aparecer nela na forma de um monte de roupas, mas nunca como um rosto; para ser plenamente uma pessoa, a mulher tem de retirar-se para a esfera privada, onde eros, e não ágape, é soberano."     

SCRUTON, Roger. O Rosto de Deus. Tradução de Pedro Sette-Câmara. 1. ed. São Paulo: É Realizações, 2015, p. 142-143. 

#15Fatos As Divisões do Islã

domingo, 23 de junho de 2019

Xiitas e sunitas no Oriente Médio. Como se nota, apenas no Iraque e no Irã os xiitas constituem a corrente islâmica majoritária.

1. Nos primeiros séculos, o judaísmo, o cristianismo e o Islã permaneceram mais abertos uns aos outros do que o seriam depois. Naturalmente, a transferência do centro de gravidade que ocorreu no corpo político do Islã teve seu paralelo no domínio do pensamento. Medina e Meca não deixaram de ser importantes, mas a Síria se destacou mais, e o Iraque mais que todos, com sua rica cultura marcada pelo judaísmo, pelo cristianismo nestoriano e pelas religiões do Irã. 

2. A articulação do Islã num corpo de ciências e práticas religiosas ocorreu em grande parte no Iraque do período abácida (750-1258). Em primeiro lugar, o Corão era o primeiro material sobre o qual os estudiosos e pensadores podiam trabalhar. Depois, havia uma tradição viva de como a comunidade se conduzira no tempo do Profeta em diante, passada para gerações posteriores e por elas elaborada, tendo, no seu núcleo, uma espécie de memória coletiva de como fora o próprio Profeta. Havia também a memória dos atos públicos da comunidade e de seus líderes. 

3. As linhas de pensamento e estudo ao longo das quais se articulou o Islã foram numerosas, mas claramente relacionadas umas com as outras. O primeiro e mais urgente problema que surgiu foi o da autoridade. Quem devia ter autoridade na comunidade fundada por Maomé, e que tipo de autoridade? Devia a sucessão de Maomé, o Califado ou, como também era chamado, o imanato, estar aberto a todos os muçulmanos, ou apenas os Companheiros do Profeta, ou apenas à sua família? Como se deveria escolher o califa? Quais seriam os limites de sua ação legítima? Se ele agisse injustamente, devia ser desobedecido ou deposto? 

4. Aos poucos, cristalizaram-se diferentes atitudes em relação a esses problemas. Segundo aqueles que vieram a chamar-se sunitas, o importante era que todos os muçulmanos vivessem unidos e em paz. Eles aceitaram como legítimos, e como virtuosos e corretamente guiados (rashidum), todos os quatro primeiros califas; os califas posteriores podiam nem sempre ter agido com justiça, mas deviam ser aceitos como legítimos, desde que não desobedecessem aos mandamentos básicos de Alá. Era amplamente aceito que o califa devia descender da tribo dos coraixitas, à qual pertencera Maomé. 

5. Os ibaditas, por outro lado, não acreditavam ser imprescindível a existência de um imã. Qualquer muçulmano, independentemente da origem ou da família, poderia ser escolhido pela comunidade para ser um imã. Se este agisse contra a lei derivada do Corão e do Hadith, poderia ser deposto. Em Omã, o ibadismo é a vertente predominante do Islã. 

6. Os movimentos xiitas não aceitaram as pretensões dos três primeiros califas, mas acreditavam que 'Ali ibn Abi Talib fora o único sucessor legítimo e nomeado do Profeta como imã. Divergiam entre si, no entanto, quanto à linha de sucessão de 'Ali e à autoridade dos imãs. 

7. Os zaiditas aproximavam-se dos sunitas em suas opiniões. Afirmavam que qualquer descendente de 'Ali com sua esposa Fátima podia ser imã, desde que tivesse o conhecimento e a religiosidade necessários, e se levantasse contra a injustiça. Não acreditavam que o imã tivesse autoridade infalível ou sobre-humana. 

8. Os outros dois movimentos xiitas importantes foram mais longe, no entanto. O primeiro, conquistou mais adeptos e afirmava que a sucessão passara entre os descendentes de 'Ali, até que o décimo segundo da linhagem desaparecera no século XII (daí serem popularmente conhecidos como "adeptos do Duodécimo"). Como o mundo não poderia existir sem um imã, eles acreditavam que o décimo segundo imã não morrera, mas vivia em "ocultamento" e um dia reapareceria para trazer o reinado de justiça. 

9. Os ismaelitas, por sua vez, concordavam que o imã era o intérprete infalível da verdade, mas afirmavam que a linha de imãs visíveis acabara com o sétimo, Muhammad ibn Isma'il (alguns deles, porém, modificaram suas crenças sob os califas fatímidas). 

10. Essas diferentes opiniões sobre o Califado ou imanato resultaram em implicações variadas para a natureza de governo e seu lugar na sociedade. Tanto ibaditas quanto ismaelitas retiraram-se da sociedade islâmica universal, em rejeição ao domínio de governos injustos. Desejavam viver sob a lei religiosa como a interpretavam, e não estavam dispostos a dar a um imã ou a qualquer outro governante o poder que podia levá-lo a agir injustamente. 

11. Por outro lado, os sunitas, os xiitas adeptos do Duodécimo e ismaelitas, cada qual à sua maneira, queriam uma autoridade que simultaneamente mantivesse a lei e a ordem da sociedade. Terminada a primeira era, a consequência disso foi a separação de facto entre os que mantinham a lei (o ulemá, para os sunitas, e o imã oculto, para os xiitas) e o homem da espada, que tinha o poder de impor a ordem temporal. 

12. Em meados do século VIII, os Mu'tazilis (ou "os que se mantêm à parte") acreditavam que se podia chegar à verdade usando-se a razão sobre o que é dado no Corão, e dessa forma alcançar respostas para diversas questões existenciais. Outros, porém, eram mais céticos quanto à possibilidade de alcançar a verdade aceita por meio da razão; além disso, tinham consciência dos potenciais danos para a comunidade que a argumentação e a discussão racionais poderiam gerar. Para eles, o Corão era a única base firme para a fé e a paz comunal, devendo ser interpretado, até onde fosse necessária a interpretação, à luz da prática habitual do profeta e seus Companheiros, os suna

13. Pensadores mutazilitas posteriores foram profundamente influenciados pelo pensamento grego. Aos poucos, perderam importância dentro da comunidade sunita emergente, mas sua influência permaneceu forte nas escolas de pensamento xiitas que se desenvolveram a partir do século XI. Entre os xiitas do Duodécimo, o consenso da comunidade só era válido se o imã estivesse incluído. Havia também alguns pontos distintos de lei substancial xiita. 

14. Coube a al-Shafi'i (767-820) o passo decisivo na definição das relações entre as diferentes bases para as decisões legais. O Corão, afirmava, era a Palavra literal de Deus, tanto em forma de princípios gerais quanto de mandamentos específicos (prece, esmolas, jejum, peregrinação, proibição do adultério, do consumo de vinho e carne de porco). Igualmente importante, porém, era a prática ou suna do Profeta, como registrada nos hadiths. Uma vez estabelecidos e geralmente aceitos os princípios de interpretação, era possível tentar relacionar o conjunto de leis e preceitos morais com eles. Tal processo de pensamento era conhecido como fiqh, e o produto dele acabou chamando-se charia.  

15. Há ainda uma corrente mística do Islã, definida em árabe pela palavra tasawwuf (da qual a forma ocidentalizada sufismo). Essa linha extraiu sua inspiração do Corão. Um fiel meditando sobre o seu significado pode ter sido invadido por um senso da esmagadora transcendência de Deus e da total dependência de todas as criaturas para com ELE. Nos primeiros místicos, o senso de distância e proximidade de Deus é expresso em linguagem de amor. 

Bibliografia consultada: HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 76-87.

«História da Cidadania»

quarta-feira, 19 de junho de 2019

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#15Fatos Índia, c. 600-200 a.C.

domingo, 16 de junho de 2019

1. Tanto entre 1000-600 a.C. quanto entre 600-200 a.C., os principais acontecimentos da história indiana ocorreram no plano religioso. No primeiro período citado, o acontecimento principal, no plano da religião, foi a transferência de interesse do ritual para a meditação. Surpreendentemente, tal transferência se deu por iniciativa de membros da casta brâmane, justamente aqueles que tinham nos ritos hindus o seu meio de vida. Nessa mesma época, os brâmanes estavam afirmando contra os xátrias sua reivindicação como casta mais alta. Apesar disso, o poder político e militar permaneceu nas mãos dos xátrias.  

2. No período de 600-200 a.C., o acontecimento religioso notável foi a fundação das ordens monásticas budistas e jainistas, por Sidarta Gautama, o Buda, e Vardama, o Mahavira. Embora fossem xátrias e aristocratas (Buda, inclusive, era herdeiro do pequeno reino de Kapilavastu, dentro do atual Nepal), esses dois inovadores religiosos ignoraram os ritos, os deuses e a própria instituição de casta. 
  
3. Buda e Mahavira ofereceram, cada um, uma forma de se obter a libertação do "círculo doloroso" do renascimento, tido como potencialmente infinito na maior parte das escolas de pensamento da Índia, no século VI a.C. Pitagóricos e órficos, no Mundo Helênico, compartilhavam essa convicção. A origem comum dessa crença pode ter sido a religião dos povos pastores nômades eurasianos. Nos séculos VIII e VII a.C., eles avançaram até regiões próximas da Grécia e, na Índia, invadiram a bacia do Indo.    

4. Tal invasão dividiu o período de 1000-600 a.C. do período de 600-200 a.C. Os colonos nômades do século VII, que se instalaram na bacia do Indo, adotaram a língua e o modo de vida dos habitantes dessa região (falantes do sânscrito). Os recém-chegados também vieram a adotar a religião hindu e a estrutura social a ela associada.    

5. Na geração de Buda e Mahavira, porém, o centro de gravidade da civilização hindu deslocara-se para o sudeste - Gogra e Son. Ciro II anexou a bacia do rio Kabul, tributário do Indo, em alguma data após 539 a.C. Dario I anexou o restante da bacia do Indo, até o delta do rio, em alguma data posterior à eliminação da grande insurreição de 522 a.C., deflagrada nas regiões centrais do Império Persa.      

6. Durante a vida de Buda e de Mahavira, a bacia do Ganges foi politicamente dividida entre diversos estados soberanos locais de tamanho e poderio variados. O mesmo ocorreu à China. A competição entre estados tornou-se mais intensa e, assim como se deu entre os estados beligerantes da China, a luta na bacia do Ganges terminou em unificação política mediante a eliminação de todos os competidores, exceto Magadha. Nesse processo, Kapilavastu, terra natal de Buda, foi um dos reinos destruídos. Buda testemunhou o massacre dos sakya, seus parentes e compatriotas.      

7. Tal luta não rompeu a unidade social e cultural da Índia. As fronteiras políticas eram barreiras para os exércitos e obstáculos para os espiões, mas não impediam a movimentação de pregadores e ascetas religiosos, como os discípulos de Buda. Pregadores e ascetas indianos cruzavam as fronteiras dos estados beligerantes com a mesma liberdade que os sofistas e filósofos chineses contemporâneos.   

8. A unificação de grande parte do Nordeste da Índia ocorreu por volta de 500 e 450 a.C. e não foi seguida de uma colisão com o Império Persa, como seria de se esperar. A razão pode ter sido que, quando Magadha uniu Bihar e Uttar Pradesh, o governo imperial persa já havia perdido o controle sobre seus domínios a leste do rio Indo. Em 327-325 a.C., quando Alexandre fez sua incursão através da bacia do Indo, encontrou essa região dividida entre diversos reinos e repúblicas tribais. 

9. A campanha de Alexandre Magno na Índia foi breve e o regime que estabeleceu, efêmero. Desabou assim que a notícia da morte do conquistador chegou à região. Entretanto, privando de sua independência os estados da bacia do Indo, Alexandre abriu o caminho para um construtor de império indiano. Por volta de 322 a.C., Chandragupta Maurya, expulsou as guarnições macedônicas da bacia do Indo e assenhoreou-se desse espólio de Alexandre. Em seguida, conquistou o Império de Magadha e reinou até 298 a.C.          

10. Por volta de 305 a.C., Selêuco I comprou a Chandragupta 500 elefantes de guerra a serem utilizados em seu próximo embate de forças com Antígono I. Este era outro sucessor macedônico de Alexandre, que controlava a Síria e a Ásia Menor, na retaguarda de Selêuco. A contrapartida a Chandragupta foi a cessão de uma margem oriental dos antigos domínios persas, no vale do Helmand. O neto e segundo sucessor de Chandragupta, Asoka, chegou ao poder após uma luta fratricida. Em 260 a.C., anexou Kalinga (atual Orissa) mediante uma guerra devastadora. Após isso, Asoka encheu-se de remorso, converteu-se ao budismo e nunca mais travou outra guerra.  

11. Além de afirmar a seus vizinhos independentes que não tinha quaisquer intenções agressivas, Asoka desviou a atenção da conquista para a propagação do dhamma budista em regiões situadas além das fronteiras de seu império. Enviou missões, entre 258 e 255 a.C., a cinco governantes gregos. Enviou uma missão a Ceilão, por volta de 250 a.C., e também enviou missões aos povos independentes do extremo sul da Índia continental. O imperador chegava a sentir-se na obrigação de resguardar a preservação da unidade da ordem. 

12. Assim como os persas Ciro II, Dario I e Xerxes, Asoka era escrupuloso ao determinar a tolerância de todas as religiões praticadas por seus súditos. Preocupou-se especialmente em assegurar que seus súditos demonstrassem respeito a brâmanes e monges jainistas, que representavam as duas religiões que eram as principais rivais da própria religião de Asoka, o budismo. Não é possível comprovar, contudo, que as medidas de Asoka tenham produzido um efeito marcante na elevação do nível de desempenho ético de seus súditos ou que suas tentativas no sentido de tornar mais humana a administração do império tenham sido eficazes.      

13. A sinceridade do zelo de Asoka em propagar sua concepção do dhamma é demonstrada pela quantidade e pela área geográfica de suas inscrições. A inscrição em Kandahar é escrita em grego (língua dos estados macedônicos, sucessores do Império Persa) e aramaico (língua do extinto Império Persa). As suas duas inscrições mais a noroeste são vazadas em alfabeto Kharosthi, derivado do aramaico. Todas as demais são vazadas na escrita bramin, a utilizada pelos brâmanes para registrarem as suas liturgias.   

14. Asoka instituiu ou reviveu e manteve a prática de enviar inspetores itinerantes, e ele mesmo fez viagens de inspeção. Além disso, criou uma nova classe de funcionários para supervisionar a administração de fundações filantrópicas, seitas religiosas e obras para o bem-estar social (tais como a abertura de hospitais para animais e seres humanos). Apesar desses esforços, o Império Mauryano foi um estado policial burocrático e autoritário, que exerceu controle meticuloso e opressivo sobre as vidas de seus súditos, inclusive na área econômica. Assim, esse regime burocrático podia derrotar em grandes proporções as intenções do imperador Asoka, e realmente o fez.    
  
15. Entre 322 a.C. e a morte de Asoka (232 a.C.), o Império Mauryano foi uma das grandes potências na constelação de estados soberanos locais. Tal constelação ocupava o vazio político criado pelo sucesso de Alexandre em derrubar o Império Persa e seu fracasso em estabelecer o império maior, abrangendo todo o Oikoumenê do Velho Mundo. Esse período de noventa anos de união política e paz doméstica não teve precedentes na Índia, pelo menos desde a destruição da civilização do Indo. Mas, antes mesmo da morte de Asoka, o Império Mauryano já dava sinais de desintegração e, finalmente, extinguiu-se em 183 a.C.    
  
Bibliografia consultada: TOYNBEE, Arnold. A Humanidade e a Mãe-Terra - Uma História Narrativa do Mundo. Tradução de Helena Maria C. M. Pereira e Alzira S. da Rocha. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 283-292.

«Mundos do Trabalho», de E. Hobsbawm

terça-feira, 11 de junho de 2019

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#15Fatos A Revolução Psicopedagógica

segunda-feira, 10 de junho de 2019

1. A revolução psicopedagógica é essencialmente totalitária, pretendendo levar a cabo uma revolução psicológica que será seguida, inelutavelmente, de uma revolução social. Globalista e criptocomunista, ela busca submeter o indivíduo ao Estado. Embora inicialmente tal revolução seja veiculada pelo sistema educacional, ela conta também com o apoio da mídia, da administração de empresas, de setores organizados da sociedade civil e mesmo instituições religiosas. 

2. A queda impressionante do nível escolar não é de causar espantos, uma vez que os próprios sectários da revolução pedagógica reconhecem que ela persegue objetivos políticos e sociais e que não busca, de modo algum, aprimorar a formação intelectual dos alunos. 
  
3. G. S. Hall, em 1911, defendeu que "o saber que os iletrados adquirem é, enfim, provavelmente mais pessoal, mais direto, mais próximo do seu meio e, provavelmente, para uma grande parte, mais prático." Os iletrados seriam, em sua visão, os verdadeiros indivíduos "cultos". Ora, G. S. Hall foi o professor de John Dewey, o pedagogo norte-americano que esteve à frente da revolução pedagógica em seus primórdios.    

4. John Dewey é o pai da pedagogia moderna. Sua influência sobre a pedagogia moderna e sua orientação ideológica foi, portanto, crucial. Socialista furiosamente contrário a todo individualismo, Dewey considerava que a socialização devia se fazer acompanhar da destruição da cultura, da instrução e da inteligência (sendo que esta seria uma noção "puramente individual"). 

5. Um dos alunos de Dewey, Ellwood P. Cubberly, tornou-se chefe do departamento de educação de Stanford. Esse departamento acolheu William C. Carr, um dos fundadores da Unesco. Estima-se melhor a importância dessas filiações intelectuais quando se sabe com que cuidado os estudantes são selecionados em certas disciplinas, nas quais eles são submetidos a uma intensa doutrinação. Os discípulos de Dewey criaram cátedras de "ciências da Educação por todo o território estadunidense. A partir daí, associando-se aos ramos soviéticos, "partiram para a conquista do mundo e das instituições internacionais."     

6. A introdução dos ensinamentos não cognitivos por esses pedagogos de modo algum beneficiou as classes menos favorecidas, e os resultados da "democratização" do ensino são irrefutáveis. O objetivo do sistema educacional, após ter sido radicalmente modificado, consiste agora em socializar os alunos.      

7. Em dezembro de 1989, o Dr. Povalyaev, chefe do setor de sociologia do Ministério da Bielorússia, em uma intervenção em um seminários da Unesco, se colocou desde a perspectiva de uma sociedade dual. Tal é a linha dos ideólogos globalistas. Esse conceito de base - "sociedade dual" - é fundamental para se compreender as reformas em curso, tanto no setor do ensino quanto nos demais. De acordo com esse modelo, a sociedade é dividida em dirigentes e dirigidos, elite e povo.    

8. Entende-se que a sociedade moderna não necessita de muitas pessoas instruídas. Nesse sentido, os menos capazes deveriam receber o ensino corrente, focado na socialização, enquanto que "os mais dotados e os mais talentosos devem receber o melhor."  

9. A educação futura, portanto, deveria ser direcionada para a massa, o ensino não cognitivo, "pura doutrinação esvaziada de toda substância intelectual". Para a elite, no entanto, seria fornecida uma autêntica formação intelectual, necessária ao trabalho intelectual. Essa elite, contudo, de modo algum estaria livre da doutrinação comuno-globalista.        

10. Assim, os Stanley Hale, os John Dewey - professores universitários - e outros defensores do ensino não cognitivo, têm recebido uma excelente educação, de modo que não são enganados. Integrantes das elites política e intelectual são suficientemente instruídos para saber que a revolução necessita de sábios. Deste modo, a Nova Ordem Mundial instala seus representantes sobre cada continente, surgindo assim uma casta de tecnocratas, separada do povo.

11. A elite será recrutada exclusivamente entre os globalistas. Aderir à ideologia globalista, portanto, é o passaporte que permite abandonar a manada. O termo "manada" reflete exatamente o desprezo e mesmo raiva que a maior parte dos funcionários internacionais nutrem em relação aos povos e, especialmente, às suas mentalidades. 

12. Duas filosofias totalitárias, igualmente hegelianas, o comunismo e o globalismo, chegaram definitivamente a uma síntese pela Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, adotada unanimemente por 155 países e cerca de vinte organização internacionais. Vale a pena lembrar que o socialismo/comunismo não é um sistema econômico e sim social. Como tal, pode acomodar-se ao capitalismo, para dele logo desembaraçar-se, se necessário, uma vez que a revolução psicológica tenha sido concluída.

13. É importante destacar que tanto a direita quanto a esquerda sofrem a influência intelectual da ideologia globalista, sendo a direita mais sensível ao seu comportamento ultraliberal, e a esquerda mais aberta ao seu componente social (criptocomunista). Ambos estão de acordo sobre a necessidade de manter uma casta dirigente, instruída, separada de um povo ignorante.    

14. Além da incompetência de nossos governantes, é difícil negar que o declínio do sistema educacional e o "massacre dos inocentes" foram planificados desde longa data. Tudo isso constitui a culminância de um processo revolucionário empreendido, com muita lucidez, desde quase um século.  
  
15. Como admitir que "a sociedade moderna [...] não tem a necessidade de um grande número de pessoas instruídas", a não ser quando se resume tudo a uma perspectiva mercantil e ultraliberal, ou totalitária e criptocomunista? Deve se oferecer aos demais o que eles podem assimilar, sem lhes fechar o acesso à instrução, à verdadeira cultura e à liberdade intelectual e espiritual.      
  
Bibliografia consultada: BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo: ou o ministério da Reforma Pedagógica. Tradução de Alexandre Müller Ribeiro. Campinas, SP: Ecclesiae e Vide Editorial, 2012, p. 137-155.

#15Fatos A Revolução Inglesa

domingo, 9 de junho de 2019

Batalha de Naseby, artista desconhecido.

1. Com a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, o mundo de "verdades reveladas" assentado no trinômio particularismo/organicismo/heteronomia deu lugar a outro pautado no trinômio universalidade/individualidade/autonomia. Nesse novo mundo, a descoberta das verdades depende do esforço criativo do homem. 

2. O ponto de partida na história do desenvolvimento dos direitos do cidadão foi a primeira revolução burguesa da história, no século XVII, a Revolução Inglesa. No século XVIII, foram conquistados os direitos civis; no século XIX, os direitos políticos; finalmente, no século XX foram conquistados os direitos sociais. 
  
3. O termo revolução (emprestado da astronomia e relativo à trajetória cíclica recorrente dos astros celestes) foi aplicado no campo da política pela primeira vez no curso da Revolução Inglesa. O processo revolucionário inglês é um modelo de transição ao capitalismo industrial (de forma violenta, em 1640, e, logo depois, de forma conciliatória, em 1688). O novo sistema passou a valorizar o trabalho e a poupança, rompendo com a exaltação aristocrática do ócio e do gozo dos prazeres.   

4. Por trás das ideias puramente teológicas existia um conteúdo social e político fortíssimo. Assim, quem pretendesse derrubar o poder do Estado feudal deveria, necessariamente, atacar o controle da Igreja Anglicana, que defendia a ordem vigente. Para a sr.ª Hutchinson, puritanos eram todos os que se opunham aos cortesãos, sacerdotes orgulhosos, etc. À medida que a ruptura entre a Coroa e a burguesia se acentuava, o ataque dos puritanos à Igreja, às suas formas e cerimônias, aos seus tribunais e disciplina, quase não se diferenciava do ataque dirigido ao Parlamento à Coroa.

5. A Coroa era a maior proprietária de terras, sempre com falta de capital. No século XVI, os que tinham rendimentos fixos empobreceram. Por outro lado, os pequenos proprietários rurais (yeoman) ampliaram sua produção e os que viviam do comércio e da produção para o mercado enriqueceram. O capitalismo produziu uma nova moralidade e o agricultor capitalista tornou-se uma "espécie" emergente em vários condados. 

6. Os reis Stuarts, Jaime I (1603-1625) e Carlos I (1625-1649), adotaram uma primeira política econômica baseada em impostos alfandegários mais pesados, empréstimos forçados e novas taxas. Isso produziu violentas disputas com o Parlamento que, em 1628, votou a Petição de Direito, declarando ilegal a fixação de taxas sem o seu consentimento. Carlos I aceitou a contragosto a Petição, mas dissolveu o Parlamento em 1629. Uma segunda política baseou-se na criação de monopólios, o que levou capitalistas e empregados a se sentirem ultrajados. Finalmente, uma terceira política consistiu na tentativa de restaurar e aumentar os rendimentos oriundos de impostos feudais. A Coroa e a nobreza cada vez mais passaram a depender uma da outra.  

7. Carlos I procurou estender à Igreja escocesa o controle real; uma revolta explodiu quando ameaçou recuperar ali as terras da Igreja. Essa revolta obteve forte simpatia na Inglaterra, que foi invadida pelos escoceses e obrigada a chegar a um acordo (1639). O exército inglês enviado contra os escoceses amotinou-se. Carlos I convocou o Parlamento, mas dissolveu-o três semanas depois (Short Parliament). Apesar disso, em novembro de 1640 reuniu-se o Long Parliament

8. Inglaterra, 1640. O país era dominado pelos senhores de terras com um vasto setor capitalista em expansão. A luta da burguesia era progressiva e representante dos interesses nacionais na medida em que atacava o estado dos proprietários feudais e a oligarquia dos grandes mercadores aliados à Corte. Assim, as classes em conflito eram os proprietários de terras feudais, os parasitas, os especuladores e o governo de Carlos I, de um lado; do outro, a nova classe de comerciantes, os agricultores capitalistas, os pequenos camponeses, os artesãos e os artífices. Na crise econômica de 1640, o rei estava totalmente falido. Tanto essa crise quanto a revolta na Irlanda (1641), quando a burguesia negou ao rei um exército para reconquistar a primeira colônia inglesa, detonaram a liberação explosiva das forças de contestação ao sistema.

9. No verão de 1642, teve início a guerra civil (ou Revolução Puritana). Oliver Cromwell, chefe da oposição ao despotismo real, estruturou um Exército de Novo Tipo. Paralelamente, o aparelho burocrático real começou a ser substituído em várias localidades por comitês revolucionários submetidos às forças parlamentares. O rei foi derrotado em Naseby (1645); em maio de 1648, ele fugiu e a guerra civil recomeçou. O exército puritano venceu novamente e o rei decapitado em 30 de janeiro de 1649. Desta data até a restauração da Monarquia, em 1660, houve a conquista da Irlanda e da Escócia, o Ato de Navegação (1651), o confisco das terras da Igreja, da Coroa e dos principais realistas, etc.

10. A república foi proclamada em 19 de maio de 1649, e o Governo do Parlamento estendeu-se de 1649 a 1653. Em 1653, disputas entre os parlamentares e o exército levaram Cromwell a dissolver o Parlamento; ele então foi proclamado Protetor. Se não fosse uma dura repressão entre 1645 e 1653, as contestações radiciais poderiam ter fugido ao controle do próprio Oliver Cromwell. Alguns eram guiados por uma ideologia secular (levellers), e outros eram orientados por valores religiosos (diggersseekersranters, etc.). Os diggers, em especial, constituíram um movimento que pretendeu executar um comunismo agrário através de ação direta.

11. Em 1657, Cromwell foi derrotado pelas "insatisfeitas posições parlamentares", e veio a aceitar uma nova constituição que assemelhava-se muito a uma monarquia. Faleceu em 1658 e Richard, seu filho e sucessor, logo foi deposto. Carlos II assumiu o trono em maio de 1660, sem qualquer autoridade executiva independente - a Restauração, portanto, não significou uma restauração do Antigo Regime. O período entre 1640 e 1660 marcou a destruição de um tipo de Estado e a introdução de uma nova estrutura política dentro da qual o capitalismo pôde desenvolver-se livremente. Já os anos 1660-1688 constituíram um período de austeridade, no qual a riqueza acumulada serviria para financiar políticas imperialistas grandiosas. 

12. Um "terror branco" buscou afastar da vida política aqueles que não aceitavam o regime restaurado. Assim, chama atenção que os mesmos religiosos e leigos que pregavam a obediência passiva em 1660 tenham se unido contra Jaime II (1685-1688) em 1688, quando ele ameaçou restaurar a velha monarquia absolutista. Por essa intenção, ele foi afastado por um golpe liderado Guilherme de Orange, na Revolução Gloriosa. Tal revolução foi sui generis por transcorrer sem derramamento de sangue ou desordens sociais.

13. O estímulo dado pela Revolução Inglesa ao livre pensamento e à experimentação possibilitaram as revoluções agrária e industrial do século XVIII, além de influenciar as ideias da Revolução Francesa (1789-1799). Assim, apresentaremos dois dos autores mais proeminentes do período da Revolução Inglesa.          

14. Thomas Hobbes (1588-1679) publicou O Leviatã em 1651. O Estado absolutista é encarado como resultante do estabelecimento de um "contrato social". Nessa concepção, o indivíduo vem antes do Estado, uma invenção artificial do homem. "Estavam abertas as portas para a ofensiva de uma tradição que se pautasse pela defesa da liberdade do indivíduo, limitando politicamente os poderes estatais" (Mondaini, 2005: p. 129). Foi Hobbes também quem observou que a classe mercantil de Londres foi o primeiro centro de sedição republicana.   
  
15. Foi nesse contexto também que floresceram as ideias de John Locke (1632-1704). Para Locke, o poder é limitado, divisível e resistível. Assim, uma nova era descortinava-se, uma Era dos Direitos. O poder político não teria outra função que não a de fazer leis "para regular e preservar a propriedade" (Mondaini, 2005: p. 130). A defesa da "tolerância talvez seja a maior contribuição de Locke para a luta por uma sociedade fundada nos ideias de civilidade.   
  
Bibliografia consultada: 
HILL, Christopher. A Revolução Inglesa de 1640. Lisboa: Presença, s/d.
MONDAINI, Marco. Revolução Inglesa - o respeito aos direitos dos indivíduos. In: PINSKY, Carla B. & PINSKY, Jaime (orgs.). História da Cidadania. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005, p. 115-133.

Box «As Eras», de Eric J. Hobsbawm

sexta-feira, 7 de junho de 2019

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#15Fatos As Guerras da Religião

domingo, 2 de junho de 2019

Massacre de Vassy, impressão de Hogenbergo, final do século XVI.

1. Na segunda metade do século XVI, os conflitos dominaram a história da frança. A monarquia era fraca, o calvinismo despontava no país, sendo a mola que desencadeava o mecanismo da revolta, e os tempos eram propícios a agitações e mudanças. Só no fim do reinado de Francisco I (1515-1547) o protestantismo foi reprimido com mais rigor, o que foi seguido por seu filho Henrique II, mas este faleceu em 1559. Francisco II, um moço débil, era dominado por seus tios da Casa de Guise. Seu irmão, Carlos IX, assumiu o trono aos dez anos. 

2. Carlos IX morreu em 1574, no mesmo ano em que seu irmão Francisco tornou-se duque de Anjou. O irmão mais velho, Henrique III, era o menos dependente de Catarina de Médicis, sua mãe, do que qualquer dos seus irmãos. Desde o extravagante Francisco I, as finanças reais eram suportadas de forma crescente por empréstimos de curto prazo, e Henrique II praticamente declarara a bancarrota. As guerras religiosas só aumentavam as despesas. 
  
3. Uma monarquia enfraquecida e insolvente era presa fácil das facções da corte. Dentre as principais famílias, destacavam-se a católica casa Lorena de Guise, chefiada por Francisco, duque de Guise, e Carlos, cardeal de Lorena; os Bourbons, ainda mais ligados à casa real, tinha huguenotes como seus príncipes mais importantes e eram liderados por Luís, príncipe de Condé; finalmente, a família Montmorency estava dividida quanto à religião - o chefe, o condestável Anne de Montmorency, era um fervoroso católico; Gaspar de Coligny, odet e Francisco d'Andelot, no entanto, seus sobrinhos, eram sinceros huguenotes.   

4. Todos os grupos da sociedade estavam impregnados dum descontentamento crescente. A alta nobreza, dividida em facções, tornara-se ingovernável. A pequena nobreza sofria os efeitos da subida dos preços, da divisão das suas terras entre numerosos filhos e, após as guerras da Itália, da ausência de ocupação. Esses nobres estavam dispostos a tirar proveitos da guerra civil. Esperavam tomar as terras da Igreja.    

5. Devido à Revolução dos preços do século XVI, muitos nobres tiveram que vender suas terras a burgueses ricos. Estes valeram-se da mudança de proprietário para extorquirem rendas mais elevadas aos seus rendeiros. Exceto em momentos de desespero, os camponeses limitavam-se a ser "vítimas apáticas" da soberba carga fiscal que lhes era imposta. Portanto, na França do século XVI faltava estabilidade financeira, política e social.     

6. A Concordata de Bolonha de 1516 colocou praticamente todos os altos cargos eclesiásticos sob o padroado do rei francês, habilitando-o a utilizá-los como recompensas ou subornos. Assim, o galicanismo foi reforçado. Apesar disso, o movimento reformista francês avançou inicialmente com grande lentidão. Seu primeiro líder foi Jacques Lefévre, convertido à ideia luterana da justificação após ler as epístolas de Paulo.       

7.  A Reforma francesa foi principalmente erasmiana e luterana, mas faltou-lhe intensidade emotiva e apelo social. Além de alguns eruditos, durante algum tempo, até Margarida, irmã de Francisco I, aderiram a ela. O Estado francês, aliado da Igreja Católica, não podia ignorar o lento desenvolvimento do protestantismo. Inicialmente, a perseguição foi mais esporádica que persistente. Jean Leclerc e Luís Berquim foram executados em 1525 e 1529, respectivamente. O protestantismo carecia de um chefe, uma mensagem enérgica e uma organização eficaz, justamente o que o calvinismo veio a lhe proporcionar.

8. O "lar espiritual" de Calvino era a França, e ele originalmente dedicou a sua Instituição da religião Cristã ao rei Francisco I. Sem obter o apoio do rei, o calvinismo voltou-se para os adversários hereditários da Coroa - os nobres. Estes então obtiveram a justificação doutrinária para a rebelião que acalentavam.  

9. A difusão do calvinismo coincidiu com a adoção de uma política mais repressiva pelo Estado francês. Apesar disso, o calvinismo expandiu-se rapidamente em toda a França. Espalhando-se das cidades universitárias ao longo dos vales dos rios, ele contava com protetores de alto escalão (por exemplo, os já citados Gaspar de Coligny e Francisco d'Andelot). Antônio, rei de Navarra, e Condé, também se converteram. O calvinismo expandiu-se por pequenos grupos na França, tornando-se um imperium in imperio, o que nenhum governo poderia tolerar por muito tempo.

10. Com alguns intervalos, as Guerras da Religião na França duraram de 1562 a 1598. O calvinismo ameaçava tanto o poder do rei como a supremacia religiosa da Igreja. A ascensão de Francisco II, em 1559, detonou o início da luta civil. O novo rei apoiava-se na facção de Guise. Em reação, os protestantes liderados por Luís, príncipe de Comdé, La Renaudie e outros nobres de menor status planejaram apoderar-se do rei e dos Guises e convocar os Estados Gerais (março de 1560). Calvino não apoiou o uso da violência, e a conjura falhou, deixando a impressão de que os huguenotes estavam mesmo envolvidos com a sedição.  

11. O novo rei, Carlos IX, ainda não completara dez anos. Sua mãe. Catarina, tornou-se a regente após conciliar os Bourbons e os Guises. No entanto, ela subestimou os huguenotes e esperava solucionar tudo através dum Concílio Geral da Igreja francesa. A reconvocação do Concílio de Trento, todavia, obrigou-a a modificar suas intenções. Em janeiro de 1562, Catarina autorizou os huguenotes a praticarem livremente o seu culto nos subúrbios das cidades e nas zonas rurais. No dia 1º de março daquele ano, a escolta do duque de Guise matou 30 huguenotes que promoviam uma cerimônia dentro de um celeiro, na cidade de Vassy.

12. Recusando o apelo da rainha para proteger o rei, Condé rompeu as hostilidades assim que a notícia do massacre de Vassy chegou a Paris. Assim, Catarina e Carlos IX foram "empurrados" para os braços do triunvirato de nobres chefiado pelo duque de Guise. Na primeira guerra religiosa, dois dos triúnviros morreram em combate e o duque de Guise foi assassinado por um huguenote. Condé e Montmorency foram presos pelas tropas um do outro. Catarina saiu então fortalecida, e foi celebrada a Pacificação de Ambroise (março de 1563), dando liberdade de consciência aos huguenotes, ainda que seu direito de culto fosse seriamente restringido.

13. Os anos entre 1563 e 1567 foram assolados pela inquietação e crescente violência. A rainha-mãe convencera-se de que a França deveria ser um país fundamentalmente católico, mas sem restabelecer o poderio dos Guises. Os huguenotes ficaram alarmados, e Condé tentou, sem sucesso, apoderar-se do rei durante as festas de S. Miguel em Meaux (1567). A essa frustrada tentativa seguiu-se o recomeço das hostilidades. A segunda guerra terminou em março de 1568, com a confirmação do acordo de Ambroise. A terceira guerra foi marcada pela selvageria de ambos os lados e terminou com a Paz de Saint Germain (agosto de 1570), negociada por Catarina e muito criticada pelos católicos.   

14.  Coligny passou a exercer uma influência crescente sobre o rei, e ele pretendia levar a França a uma guerra contra a Espanha. Decepcionada, a rainha decidiu então aproveitar-se do desejo de vingança dos Guises contra Coligny. Paris estava então repleta de huguenotes por causa do casamento de seu chefe, Henrique de Navarra, com Margarida de Valois. No dia 22 de agosto de 1572, Coligny sofreu um atentado. Tudo apontava para a cumplicidade dos Guises. Persuadindo o rei de que os huguenotes irritados planejavam assassiná-lo, Catarina obteve seu consentimento para a matança geral de todos os huguenotes que estavam em Paris. Assim se deu o Massacre da Noite de São Bartolomeu (24 de agosto de 1572).
  
15. Henrique de Navarra e Condé escaparam após professarem o catolicismo. Coligny e milhares de outros protestantes foram massacrados. As potências católicas, no geral, saudaram Catarina com hinos de alegria. O imperador e alguns dos príncipes católicos alemães, no entanto, desaprovaram o massacre. O moral huguenote permaneceu excepcionalmente elevado; a guerra recomeçou e só terminou com a Paz da Rochela (julho de 1573). Só em 1576, com a Paz de Monsieur, a Coroa rejeitaria a política do dia de S. Bartolomeu.     
  
Bibliografia consultada: GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 279-294.

Conheça o Segundo Triunvirato

sábado, 1 de junho de 2019