sexta-feira, 28 de junho de 2019
"Num dos entendimentos cristãos, o matrimônio é um sacramento, o que significa uma união forjada na presença de Deus. E o propósito do sacramento é incorporar eros ao mundo de ágape, a fim de garantir que o rosto do amante ainda pode estar voltado para o mundo dos outros. As sociedades humanas diferem quanto à maneira como lidam com esse fenômeno, e algumas nem sequer tentam fazê-lo. Mas o propósito, onde existe, é por toda parte o mesmo: garantir que o rosto privado do amante possa também ser o rosto público do cidadão, ou o rosto extrovertido do amigo. Assim, onde o casamento não é considerado sacramento, mas apenas um contrato entre o marido e os pais da noiva, o rosto da noiva muitas vezes permanece oculto após o casamento; o casamento nada faz para transferi-la das formas privadas de amor para suas formas públicas. Essa é a explicação profunda da burca: ela é um modo de ressaltar a exclusão das mulheres da esfera pública. Elas podem aparecer nela na forma de um monte de roupas, mas nunca como um rosto; para ser plenamente uma pessoa, a mulher tem de retirar-se para a esfera privada, onde eros, e não ágape, é soberano."
SCRUTON, Roger. O Rosto de Deus. Tradução de Pedro Sette-Câmara. 1. ed. São Paulo: É Realizações, 2015, p. 142-143.
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