“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos Índia, c. 600-200 a.C.

domingo, 16 de junho de 2019

1. Tanto entre 1000-600 a.C. quanto entre 600-200 a.C., os principais acontecimentos da história indiana ocorreram no plano religioso. No primeiro período citado, o acontecimento principal, no plano da religião, foi a transferência de interesse do ritual para a meditação. Surpreendentemente, tal transferência se deu por iniciativa de membros da casta brâmane, justamente aqueles que tinham nos ritos hindus o seu meio de vida. Nessa mesma época, os brâmanes estavam afirmando contra os xátrias sua reivindicação como casta mais alta. Apesar disso, o poder político e militar permaneceu nas mãos dos xátrias.  

2. No período de 600-200 a.C., o acontecimento religioso notável foi a fundação das ordens monásticas budistas e jainistas, por Sidarta Gautama, o Buda, e Vardama, o Mahavira. Embora fossem xátrias e aristocratas (Buda, inclusive, era herdeiro do pequeno reino de Kapilavastu, dentro do atual Nepal), esses dois inovadores religiosos ignoraram os ritos, os deuses e a própria instituição de casta. 
  
3. Buda e Mahavira ofereceram, cada um, uma forma de se obter a libertação do "círculo doloroso" do renascimento, tido como potencialmente infinito na maior parte das escolas de pensamento da Índia, no século VI a.C. Pitagóricos e órficos, no Mundo Helênico, compartilhavam essa convicção. A origem comum dessa crença pode ter sido a religião dos povos pastores nômades eurasianos. Nos séculos VIII e VII a.C., eles avançaram até regiões próximas da Grécia e, na Índia, invadiram a bacia do Indo.    

4. Tal invasão dividiu o período de 1000-600 a.C. do período de 600-200 a.C. Os colonos nômades do século VII, que se instalaram na bacia do Indo, adotaram a língua e o modo de vida dos habitantes dessa região (falantes do sânscrito). Os recém-chegados também vieram a adotar a religião hindu e a estrutura social a ela associada.    

5. Na geração de Buda e Mahavira, porém, o centro de gravidade da civilização hindu deslocara-se para o sudeste - Gogra e Son. Ciro II anexou a bacia do rio Kabul, tributário do Indo, em alguma data após 539 a.C. Dario I anexou o restante da bacia do Indo, até o delta do rio, em alguma data posterior à eliminação da grande insurreição de 522 a.C., deflagrada nas regiões centrais do Império Persa.      

6. Durante a vida de Buda e de Mahavira, a bacia do Ganges foi politicamente dividida entre diversos estados soberanos locais de tamanho e poderio variados. O mesmo ocorreu à China. A competição entre estados tornou-se mais intensa e, assim como se deu entre os estados beligerantes da China, a luta na bacia do Ganges terminou em unificação política mediante a eliminação de todos os competidores, exceto Magadha. Nesse processo, Kapilavastu, terra natal de Buda, foi um dos reinos destruídos. Buda testemunhou o massacre dos sakya, seus parentes e compatriotas.      

7. Tal luta não rompeu a unidade social e cultural da Índia. As fronteiras políticas eram barreiras para os exércitos e obstáculos para os espiões, mas não impediam a movimentação de pregadores e ascetas religiosos, como os discípulos de Buda. Pregadores e ascetas indianos cruzavam as fronteiras dos estados beligerantes com a mesma liberdade que os sofistas e filósofos chineses contemporâneos.   

8. A unificação de grande parte do Nordeste da Índia ocorreu por volta de 500 e 450 a.C. e não foi seguida de uma colisão com o Império Persa, como seria de se esperar. A razão pode ter sido que, quando Magadha uniu Bihar e Uttar Pradesh, o governo imperial persa já havia perdido o controle sobre seus domínios a leste do rio Indo. Em 327-325 a.C., quando Alexandre fez sua incursão através da bacia do Indo, encontrou essa região dividida entre diversos reinos e repúblicas tribais. 

9. A campanha de Alexandre Magno na Índia foi breve e o regime que estabeleceu, efêmero. Desabou assim que a notícia da morte do conquistador chegou à região. Entretanto, privando de sua independência os estados da bacia do Indo, Alexandre abriu o caminho para um construtor de império indiano. Por volta de 322 a.C., Chandragupta Maurya, expulsou as guarnições macedônicas da bacia do Indo e assenhoreou-se desse espólio de Alexandre. Em seguida, conquistou o Império de Magadha e reinou até 298 a.C.          

10. Por volta de 305 a.C., Selêuco I comprou a Chandragupta 500 elefantes de guerra a serem utilizados em seu próximo embate de forças com Antígono I. Este era outro sucessor macedônico de Alexandre, que controlava a Síria e a Ásia Menor, na retaguarda de Selêuco. A contrapartida a Chandragupta foi a cessão de uma margem oriental dos antigos domínios persas, no vale do Helmand. O neto e segundo sucessor de Chandragupta, Asoka, chegou ao poder após uma luta fratricida. Em 260 a.C., anexou Kalinga (atual Orissa) mediante uma guerra devastadora. Após isso, Asoka encheu-se de remorso, converteu-se ao budismo e nunca mais travou outra guerra.  

11. Além de afirmar a seus vizinhos independentes que não tinha quaisquer intenções agressivas, Asoka desviou a atenção da conquista para a propagação do dhamma budista em regiões situadas além das fronteiras de seu império. Enviou missões, entre 258 e 255 a.C., a cinco governantes gregos. Enviou uma missão a Ceilão, por volta de 250 a.C., e também enviou missões aos povos independentes do extremo sul da Índia continental. O imperador chegava a sentir-se na obrigação de resguardar a preservação da unidade da ordem. 

12. Assim como os persas Ciro II, Dario I e Xerxes, Asoka era escrupuloso ao determinar a tolerância de todas as religiões praticadas por seus súditos. Preocupou-se especialmente em assegurar que seus súditos demonstrassem respeito a brâmanes e monges jainistas, que representavam as duas religiões que eram as principais rivais da própria religião de Asoka, o budismo. Não é possível comprovar, contudo, que as medidas de Asoka tenham produzido um efeito marcante na elevação do nível de desempenho ético de seus súditos ou que suas tentativas no sentido de tornar mais humana a administração do império tenham sido eficazes.      

13. A sinceridade do zelo de Asoka em propagar sua concepção do dhamma é demonstrada pela quantidade e pela área geográfica de suas inscrições. A inscrição em Kandahar é escrita em grego (língua dos estados macedônicos, sucessores do Império Persa) e aramaico (língua do extinto Império Persa). As suas duas inscrições mais a noroeste são vazadas em alfabeto Kharosthi, derivado do aramaico. Todas as demais são vazadas na escrita bramin, a utilizada pelos brâmanes para registrarem as suas liturgias.   

14. Asoka instituiu ou reviveu e manteve a prática de enviar inspetores itinerantes, e ele mesmo fez viagens de inspeção. Além disso, criou uma nova classe de funcionários para supervisionar a administração de fundações filantrópicas, seitas religiosas e obras para o bem-estar social (tais como a abertura de hospitais para animais e seres humanos). Apesar desses esforços, o Império Mauryano foi um estado policial burocrático e autoritário, que exerceu controle meticuloso e opressivo sobre as vidas de seus súditos, inclusive na área econômica. Assim, esse regime burocrático podia derrotar em grandes proporções as intenções do imperador Asoka, e realmente o fez.    
  
15. Entre 322 a.C. e a morte de Asoka (232 a.C.), o Império Mauryano foi uma das grandes potências na constelação de estados soberanos locais. Tal constelação ocupava o vazio político criado pelo sucesso de Alexandre em derrubar o Império Persa e seu fracasso em estabelecer o império maior, abrangendo todo o Oikoumenê do Velho Mundo. Esse período de noventa anos de união política e paz doméstica não teve precedentes na Índia, pelo menos desde a destruição da civilização do Indo. Mas, antes mesmo da morte de Asoka, o Império Mauryano já dava sinais de desintegração e, finalmente, extinguiu-se em 183 a.C.    
  
Bibliografia consultada: TOYNBEE, Arnold. A Humanidade e a Mãe-Terra - Uma História Narrativa do Mundo. Tradução de Helena Maria C. M. Pereira e Alzira S. da Rocha. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 283-292.

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