“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos A Revolução Inglesa

domingo, 9 de junho de 2019

Batalha de Naseby, artista desconhecido.

1. Com a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, o mundo de "verdades reveladas" assentado no trinômio particularismo/organicismo/heteronomia deu lugar a outro pautado no trinômio universalidade/individualidade/autonomia. Nesse novo mundo, a descoberta das verdades depende do esforço criativo do homem. 

2. O ponto de partida na história do desenvolvimento dos direitos do cidadão foi a primeira revolução burguesa da história, no século XVII, a Revolução Inglesa. No século XVIII, foram conquistados os direitos civis; no século XIX, os direitos políticos; finalmente, no século XX foram conquistados os direitos sociais. 
  
3. O termo revolução (emprestado da astronomia e relativo à trajetória cíclica recorrente dos astros celestes) foi aplicado no campo da política pela primeira vez no curso da Revolução Inglesa. O processo revolucionário inglês é um modelo de transição ao capitalismo industrial (de forma violenta, em 1640, e, logo depois, de forma conciliatória, em 1688). O novo sistema passou a valorizar o trabalho e a poupança, rompendo com a exaltação aristocrática do ócio e do gozo dos prazeres.   

4. Por trás das ideias puramente teológicas existia um conteúdo social e político fortíssimo. Assim, quem pretendesse derrubar o poder do Estado feudal deveria, necessariamente, atacar o controle da Igreja Anglicana, que defendia a ordem vigente. Para a sr.ª Hutchinson, puritanos eram todos os que se opunham aos cortesãos, sacerdotes orgulhosos, etc. À medida que a ruptura entre a Coroa e a burguesia se acentuava, o ataque dos puritanos à Igreja, às suas formas e cerimônias, aos seus tribunais e disciplina, quase não se diferenciava do ataque dirigido ao Parlamento à Coroa.

5. A Coroa era a maior proprietária de terras, sempre com falta de capital. No século XVI, os que tinham rendimentos fixos empobreceram. Por outro lado, os pequenos proprietários rurais (yeoman) ampliaram sua produção e os que viviam do comércio e da produção para o mercado enriqueceram. O capitalismo produziu uma nova moralidade e o agricultor capitalista tornou-se uma "espécie" emergente em vários condados. 

6. Os reis Stuarts, Jaime I (1603-1625) e Carlos I (1625-1649), adotaram uma primeira política econômica baseada em impostos alfandegários mais pesados, empréstimos forçados e novas taxas. Isso produziu violentas disputas com o Parlamento que, em 1628, votou a Petição de Direito, declarando ilegal a fixação de taxas sem o seu consentimento. Carlos I aceitou a contragosto a Petição, mas dissolveu o Parlamento em 1629. Uma segunda política baseou-se na criação de monopólios, o que levou capitalistas e empregados a se sentirem ultrajados. Finalmente, uma terceira política consistiu na tentativa de restaurar e aumentar os rendimentos oriundos de impostos feudais. A Coroa e a nobreza cada vez mais passaram a depender uma da outra.  

7. Carlos I procurou estender à Igreja escocesa o controle real; uma revolta explodiu quando ameaçou recuperar ali as terras da Igreja. Essa revolta obteve forte simpatia na Inglaterra, que foi invadida pelos escoceses e obrigada a chegar a um acordo (1639). O exército inglês enviado contra os escoceses amotinou-se. Carlos I convocou o Parlamento, mas dissolveu-o três semanas depois (Short Parliament). Apesar disso, em novembro de 1640 reuniu-se o Long Parliament

8. Inglaterra, 1640. O país era dominado pelos senhores de terras com um vasto setor capitalista em expansão. A luta da burguesia era progressiva e representante dos interesses nacionais na medida em que atacava o estado dos proprietários feudais e a oligarquia dos grandes mercadores aliados à Corte. Assim, as classes em conflito eram os proprietários de terras feudais, os parasitas, os especuladores e o governo de Carlos I, de um lado; do outro, a nova classe de comerciantes, os agricultores capitalistas, os pequenos camponeses, os artesãos e os artífices. Na crise econômica de 1640, o rei estava totalmente falido. Tanto essa crise quanto a revolta na Irlanda (1641), quando a burguesia negou ao rei um exército para reconquistar a primeira colônia inglesa, detonaram a liberação explosiva das forças de contestação ao sistema.

9. No verão de 1642, teve início a guerra civil (ou Revolução Puritana). Oliver Cromwell, chefe da oposição ao despotismo real, estruturou um Exército de Novo Tipo. Paralelamente, o aparelho burocrático real começou a ser substituído em várias localidades por comitês revolucionários submetidos às forças parlamentares. O rei foi derrotado em Naseby (1645); em maio de 1648, ele fugiu e a guerra civil recomeçou. O exército puritano venceu novamente e o rei decapitado em 30 de janeiro de 1649. Desta data até a restauração da Monarquia, em 1660, houve a conquista da Irlanda e da Escócia, o Ato de Navegação (1651), o confisco das terras da Igreja, da Coroa e dos principais realistas, etc.

10. A república foi proclamada em 19 de maio de 1649, e o Governo do Parlamento estendeu-se de 1649 a 1653. Em 1653, disputas entre os parlamentares e o exército levaram Cromwell a dissolver o Parlamento; ele então foi proclamado Protetor. Se não fosse uma dura repressão entre 1645 e 1653, as contestações radiciais poderiam ter fugido ao controle do próprio Oliver Cromwell. Alguns eram guiados por uma ideologia secular (levellers), e outros eram orientados por valores religiosos (diggersseekersranters, etc.). Os diggers, em especial, constituíram um movimento que pretendeu executar um comunismo agrário através de ação direta.

11. Em 1657, Cromwell foi derrotado pelas "insatisfeitas posições parlamentares", e veio a aceitar uma nova constituição que assemelhava-se muito a uma monarquia. Faleceu em 1658 e Richard, seu filho e sucessor, logo foi deposto. Carlos II assumiu o trono em maio de 1660, sem qualquer autoridade executiva independente - a Restauração, portanto, não significou uma restauração do Antigo Regime. O período entre 1640 e 1660 marcou a destruição de um tipo de Estado e a introdução de uma nova estrutura política dentro da qual o capitalismo pôde desenvolver-se livremente. Já os anos 1660-1688 constituíram um período de austeridade, no qual a riqueza acumulada serviria para financiar políticas imperialistas grandiosas. 

12. Um "terror branco" buscou afastar da vida política aqueles que não aceitavam o regime restaurado. Assim, chama atenção que os mesmos religiosos e leigos que pregavam a obediência passiva em 1660 tenham se unido contra Jaime II (1685-1688) em 1688, quando ele ameaçou restaurar a velha monarquia absolutista. Por essa intenção, ele foi afastado por um golpe liderado Guilherme de Orange, na Revolução Gloriosa. Tal revolução foi sui generis por transcorrer sem derramamento de sangue ou desordens sociais.

13. O estímulo dado pela Revolução Inglesa ao livre pensamento e à experimentação possibilitaram as revoluções agrária e industrial do século XVIII, além de influenciar as ideias da Revolução Francesa (1789-1799). Assim, apresentaremos dois dos autores mais proeminentes do período da Revolução Inglesa.          

14. Thomas Hobbes (1588-1679) publicou O Leviatã em 1651. O Estado absolutista é encarado como resultante do estabelecimento de um "contrato social". Nessa concepção, o indivíduo vem antes do Estado, uma invenção artificial do homem. "Estavam abertas as portas para a ofensiva de uma tradição que se pautasse pela defesa da liberdade do indivíduo, limitando politicamente os poderes estatais" (Mondaini, 2005: p. 129). Foi Hobbes também quem observou que a classe mercantil de Londres foi o primeiro centro de sedição republicana.   
  
15. Foi nesse contexto também que floresceram as ideias de John Locke (1632-1704). Para Locke, o poder é limitado, divisível e resistível. Assim, uma nova era descortinava-se, uma Era dos Direitos. O poder político não teria outra função que não a de fazer leis "para regular e preservar a propriedade" (Mondaini, 2005: p. 130). A defesa da "tolerância talvez seja a maior contribuição de Locke para a luta por uma sociedade fundada nos ideias de civilidade.   
  
Bibliografia consultada: 
HILL, Christopher. A Revolução Inglesa de 1640. Lisboa: Presença, s/d.
MONDAINI, Marco. Revolução Inglesa - o respeito aos direitos dos indivíduos. In: PINSKY, Carla B. & PINSKY, Jaime (orgs.). História da Cidadania. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005, p. 115-133.

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