“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A China e o Enigma do Século

sábado, 31 de dezembro de 2022

 

Shenzhen, China: no gigante asiático, o "enigma do século" foi resolvido com o mercado, e não com ideologias.

Em uma conferência do Fórum Mundial sobre Estudos Chineses ocorrida em Xangai na sequência das Olimpíadas, Zheng Bijian, autor do conceito de "ascensão pacífica", afirmou a um repórter ocidental que a China finalmente superara o legado da Guerra do Ópio e o século de lutas contra a intromissão estrangeira, e que agora estava engajada em um processo histórico de renovação nacional. As reformas iniciadas por Deng Xiaoping, disse Zheng, haviam permitido à China solucionar o "enigma do século", desenvolvendo-se rapidamente e tirando milhões da pobreza. Conforme emergia como uma grande potência, a China contaria com a atração exercida por seu modelo de desenvolvimento, e relações com outros países seriam "abertas, não exclusivas e harmoniosas", visando "abrir mutuamente o caminho para o desenvolvimento mundial".

KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 482.

Renda Familiar Média nos EUA

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

 

Estilos de Cabelo Feminino em Bizâncio

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

 

Mao e a Destruição Mútua Assegurada

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 

Caricatura de Mao Zedong por Herb Block, 1º de abril de 1965, publicada no Washington Post.  

Mao Zedong interpretava a dependência norte-americana da Destruição Mútua Assegurada como um reflexo da falta de confiança em suas próprias forças armadas. Isso foi tema de um diálogo em 1975, em que Mao penetrou no cerne de nosso dilema da Guerra Fria: "Vocês confiam, vocês acreditam nas armas nucleares. Vocês não confiam em seus próprios exércitos."

E quanto à China, exposta a ameaça nuclear sem ter, por algum tempo, meios adequados de retaliação? A resposta de Mao era de que isso criaria uma narrativa baseada na performance histórica e paciência bíblica. Nenhuma outra sociedade podia imaginar que ela seria capaz de conquistar uma política de segurança digna de crédito mediante uma disposição a prevalecer após a morte de centenas de milhões e a devastação ou ocupação da maioria de suas cidades. Só essa disparidade de ponto de vista já definia a brecha existente entre os conceitos ocidental e chinês de segurança. A história chinesa era um testemunho da capacidade de superar destruições inconcebíveis em qualquer outro lugar e, no fim, prevalecer pela imposição de sua cultura ou sua vastidão sobre o pretenso conquistador. Essa fé no próprio povo e na própria cultura era o lado reverso das reflexões por vezes misantrópicas de sua performance cotidiana. Não era apenas o fato de haver tantos chineses; era também a tenacidade de sua cultura e a coesão de seus relacionamentos.

Mas os líderes ocidentais, mais sintonizados e responsáveis para com suas populações, não estavam preparados para ofertá-las de uma maneira tão categórica (embora o fizessem indiretamente, mediante sua doutrina estratégica). Para eles, a guerra nuclear tinha de ser um último recurso demonstrado, não um procedimento operacional padrão.

A China não partilhava da visão estratégica norte-americana das armas nucleares, muito menos de sua doutrina de segurança coletiva; ela aplicava a máxima de "usar bárbaros contra bárbaros" a fim de obter uma periferia dividida. O pesadelo histórico chinês havia sido de que os bárbaros se recusariam a ser "usados" dessa maneira, se uniriam e então usariam a força superior para ou conquistar a China completamente ou dividi-la em feudos separados. Da perspectiva chinesa, esse pesadelo nunca desapareceu plenamente, travada como a China estava em uma relação antagônica com União Soviética e Índia e não sem suas próprias suspeitas quanto aos Estados Unidos.

Adaptado de KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 285-87.

Mao, Khrushchev e Nixon

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

 

Mao Zedong e Nikita Khrushchev, em agosto de 1958.

Em 1958, o ditador soviético Nikita Khrushchev fez uma calamitosa visita a Pequim. Na ocasião, houve um rol aparentemente interminável de queixas de parte a parte entre os mandatários das duas maiores potências socialistas do mundo. Mao Zedong, de forma especial, induziu Khrushchev a dar declarações cada vez mais absurdas e humilhantes a fim de, provavelmente, demonstrar aos quadros chineses a inconfiabilidade do líder que presumivelmente desafiara a imagem de Stalin.

Mao também buscou a oportunidade de comunicar a profundidade da conduta opressiva de Moscou anteriormente. Mao se queixou do comportamento condescendente de Stalin durante sua visita a Mosco no inverno de 1949-50:

Mao: [...] Após a vitória de nossa Revolução, Stalin teve dúvidas sobre o caráter dela. Ele acreditava que a China era outra Iugoslávia.

Khrushchev: Sim, ele considerava isso possível.

Mao: Quando estive em Moscou [dezembro de 1949], ele não quis concluir um tratado de amizade conosco e não quis anular o antigo tratado com o Kuomintang. Lembro que [o intérprete soviético Nikolai] Fedorenko e [o emissário de Stalin para a República Popular, Ivan] Kovalev me transmitiram o conselho [de Stalin] de empreender uma viagem pelo país para dar uma olhada. Mas eu disse a eles, tenho apenas três tarefas: comer, dormir e cagar. Não vim a Moscou apenas para dar os parabéns a Stalin por seu aniversário. Então eu disse, se vocês não estão interessados em concluir um tratado de amizade, que seja. Vou cuidar das minhas três tarefas.

Em fevereiro de 1972, era a vez do representante maior do mundo livre, Richard Nixon, visitar a nação asiática. Na visita histórica, Mao frisou sua boa vontade pessoal em relação ao presidente americano. Ele afirmava que preferia lidar com governantes de direita, alegando que eram mais confiáveis. O autor do Grande Salto Adiante e da Campanha Antidireitista fez, então, o comentário espantoso de que "votara" em Nixon, e que ficava "relativamente feliz quando essas pessoas de direita chegam ao poder" (pelo menos no Ocidente). "Gosto de direitistas", assinalou o Grande Timoneiro, Mao Zedong. 

Adaptado de KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 175-76 e 260-61.

«A Sociedade de Corte», de N. Elias

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

 

Baixe essa obra gratuitamente aqui.

A Política Externa de Mao Zedong

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

 

Quando o Partido Comunista triunfou na Revolução Chinesa, em 1949, regiões substanciais do Império Chinês histórico haviam sido perdidas. A União Soviética mantinha uma esfera de influência no nordeste, incluindo uma força de ocupação e uma frota no porto de Lushun. Em relação aos territórios que Mao Zedong considerava parte da China histórica, ele foi implacável, buscando impor a autoridade chinesa e em geral foi bem-sucedido. Tais territórios incluíam Taiwan, Tibete, Xinjiang e regiões fronteiriças nos Himalaias ou ao norte.

Assim, tão logo a guerra civil terminou, Mao passou a reocupar regiões separatistas como Xinjiang, Mongólia Interior e, finalmente, o Tibete. Nesse contexto, Taiwan era menos um teste para a ideologia comunista do que uma exigência de respeito à história chinesa. Até o território perdido no Extremo Oriente russo nos acordos de 1860 e 1895 foi reivindicado por Mao.

Quanto ao resto do mundo, Mao introduziu um estilo especial que substituía a força física por militância ideológica e a percepção psicológica. Esse estilo se compunha de uma visão de mundo sinocêntrica, um toque de revolução mundial e uma diplomacia que se valia da tradição chinesa de manipulação dos bárbaros. Zhou Enlai, o primeiro-ministro das Relações Exteriores da República Popular da China, deixou claro que a nova China não iria simplesmente entrar em relações diplomáticas existentes. As relações com o novo regime teriam de ser negociadas caso a caso. A China iria encorajar a revolução no mundo em desenvolvimento.

Mao acreditava no impacto objetivo dos fatores ideológicos e, acima de tudo, psicológicos. Uma das histórias clássicas da tradição estratégica chinesa foi o "Estratagema da Cidade Vazia", de Zhuge Liang, encontrada no Romance dos Três Reinos. Na história, um comandante observa um exército se aproximando muito superior ao seu. Resistir resultaria em destruição; render-se, perda do controle do futuro. Logo, o comandante opta por um estratagema. Ele abre os portões da cidade, fica ali numa postura relaxada, tocando um alaúde, e atrás dele exibe a vida normal sem qualquer sinal de pânico ou preocupação. O general do exército invasor interpreta esse sangue-frio como sinal da existência de reservas ocultas, detém seu avanço e se retira.

A notória indiferença de Mao ante a ameaça de guerra nuclear certamente devia algo a essa tradição. Desde o início, a República Popular da China teve de atuar estrategicamente em uma relação triangular com as duas potências nucleares, Estados Unidos e União Soviética, cada uma delas individualmente capaz de oferecer grande ameaça. Mao lidou com esse estado de coisas fingindo que ele não existia. Chegou mesmo a desenvolver uma postura pública de se mostrar disposto a aceitar centenas de milhões de baixas, até mesmo acolhendo-as como a garantia de uma vitória mais rápida da ideologia comunista.

Adaptado de KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 110-112.

A Democracia dos Consumidores

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

 

Muitas vezes uma intervenção estatal gera benefícios imediatos, ao passo que seus resultados maléficos surgirão apenas com o tempo. Uma visão míope poderá concluir, então, que a intervenção era desejada, sem se dar conta de que as consequências nefastas no futuro tiveram causa atrás, na própria intervenção.

O funcionamento de uma economia de mercado exige complexos cálculos racionais, sempre a partir da especulação, pois o ser humano não tem conhecimento prévio do futuro. Até mesmo a formação de estoques é uma especulação calcada em dados disponíveis no mercado hoje, com o empresário à espera da melhora dos preços para poder vender seus produtos depois. Em uma economia socialista, com planejamento estatal e sem os meios de produção privados, tal cálculo é inviável, ou praticamente impossível. Na União Soviética, o Gosplan tentava administrar os preços de milhares de produtos, e os resultados foram desastrosos.

No capitalismo, a economia funciona livremente, e são os consumidores, e não os empresários, que determinam o que deve ser produzido. Por isso, a economia de mercado é chamada de democracia dos consumidores. Estes determinam, por meio de uma votação diária, quais são as suas preferências. E aquele que atende melhor os consumidores será o empresário bem-sucedido. Atender às demandas da população é a função das empresas. A competição livre entre elas é a garantia do melhor atendimento. Não há como escapar das inexoráveis leis do mercado. A alternativa é depositar em uma pequena cúpula de políticos poderosos as escolhas, jogando todo o resto da população na escravidão.

Por isso, a "função social" de uma empresa é justamente buscar o lucro. Se o indivíduo busca satisfazer seu próprio interesse num contexto de respeito à propriedade privada e às trocas efetuadas no mercado, estará fazendo o que a sociedade espera que ele faça. Produzir o melhor produto possível ao menor preço viável é a "função social" das empresas.

Quando o governo adota medidas restritivas, acaba favorecendo os produtores, enquanto uma política que não interfere no funcionamento do mercado favorece os consumidores. Da mesma forma, medidas de controle de preços provocam uma redução de produção porque impossibilitam o produtor marginal de produzir com lucro. Com o objetivo de limitar a alta de preços, o governo consegue apenas esvaziar as prateleiras, como ocorre em todas as nações socialistas. O salário mínimo é outra intervenção similar, que gera o aumento de desemprego. Taxar mais pesadamente as rendas maiores é muito comum, mas isso apenas impede a formação de capital. Um sistema tributário que servisse aos verdadeiros interesse dos assalariados deveria taxar apenas a parte da renda consumida, e não a que estivesse sendo poupada ou investida.

A economia de mercado recompensa aquele capaz de servir bem aos consumidores, é verdade. Mas isso não causa nenhum dano a estes; só os beneficia. Apenas uma minoria faz uso da liberdade de criação artística e científica, mas todos ganham com ela. Quem tem luz elétrica, carro, computador, etc., sabe bem disso. Infelizmente, como alerta Mises, "o fanatismo impede que os ensinamentos da teoria econômica sejam escutados." E assim ficamos sem todas as vantagens potenciais da mão invisível do mercado, prejudicada pelo peso da mão visível do Estado.

Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 119-121.

O Objetivismo de Ayn Rand (1905-1982)

domingo, 18 de dezembro de 2022

 

A essência da filosofia de Ayn Rand é que o homem é um ser heroico, com sua própria felicidade como o propósito moral de sua vida, suas conquistas produtivas como sua atividade mais nobre, e com a razão como seu único absoluto. A metafísica do objetivismo é a realidade objetiva. Sua epistemologia é a razão. Sua ética é o interesse próprio. Por fim, sua política é o capitalismo. O homem, portanto, é um fim em si mesmo; "dá-me a liberdade ou dá-me a morte."

O objetivismo sustenta que:

1. A realidade existe como um absoluto objetivo, ou seja, fatos são fatos, independentemente dos sentimentos dos homens, de seus desejos, esperanças ou medos.

2. A razão, faculdade que identifica o material provido pelos sentidos humanos, é o único meio humano de perceber a realidade, sua única fonte de conhecimento, seu único guia para a ação, seu meio básico de sobrevivência.

3. Todo homem é um fim em si mesmo, não um meio para os fins de outros. Ele deve existir para seu próprio bem e por conta própria, sem sacrificar-se pelos outros ou sacrificar os outros para seu benefício. A busca do interesse próprio racional e da própria felicidade é seu maior propósito moral na vida.

4. O sistema político-econômico ideal é o capitalismo laissez-faire. Trata-se de um sistema no qual os homens lidam uns com os outros, não como vítimas e algozes, mas como negociantes, em trocas livres e voluntárias para benefício mútuo. É um sistema onde nenhum homem pode obter qualquer valor de outro pelo uso da força física, e nenhum homem pode iniciar o uso da força física contra os demais. O governo age apenas como um policial que protege os direitos dos homens; ele usa a força física somente para retaliação e somente contra aqueles que iniciaram o uso da força física (criminosos ou invasores externos). Num sistema de capitalismo completo, deveria haver uma total separação entre o Estado e a economia, da mesma maneira e pelos mesmos motivos que foram separados o Estado e a Igreja.

Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 193-194.

Doc. «Varig: A Caixa-Preta do Brasil»

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

 

Como as Democracias Morrem

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

 

Jean-François Revel publicou, em 1985, um livro intitulado How Democracies Perish ["Como as democracias perecem"]. Trata-se de um contundente alerta às democracias ocidentais - o comunismo pode destruí-las.

Em tom pessimista, o autor inicia sua análise lembrando que a democracia pode, talvez, mostrar-se um acidente histórico, um breve parêntese que está se fechando diante de nossos olhos. As democracias não estariam estruturadas para se defender de inimigos externos que buscavam sua aniquilação, especialmente o comunismo. Essas democracias só reagem frente ao perigo quando ele se mostra fatal, iminente e evidente. Mas aí resta pouco tempo para salvá-las, ou então o custo desse resgate se mostra elevado demais.

Essa fraqueza da democracia vem de uma de suas qualidades: ela permite aos inimigos totalitários uma oportunidade única de agir contra ela na legalidade. Às vezes chegam até a receber apoio declarado sem que tal relação seja vista como um rompimento do contrato social. Podemos pensar em partidos comunistas recebendo verbas públicas, espaço de propaganda na tv, etc., tudo isso para conspirar contra a própria democracia, que consideram uma "farsa burguesa".

O totalitarismo é, por definição, um inimigo subversivo. Entretanto, a democracia trata subversivos como meros oponentes por medo de trair seus princípios. E, para piorar, aqueles que visam destruir a democracia são vistos como pessoas e grupos que lutam por metas legítimas, enquanto seus defensores acabam rotulados de reacionários opressores. É quase um plano de ataque perfeito.

No mais, a democracia convida naturalmente à crítica, enquanto a combinação de forças dos inimigos totalitários no intento de extinguir a democracia pode ser mais poderosa do que as forças de quem luta para mantê-la viva. A democracia não costuma receber crédito por suas conquistas e benefícios, enquanto paga um enorme preço por todas as suas falhas e seus fracassos, suas imperfeições e seus erros.

Pela primeira vez na história, as democracias chegam a se culpar por conta de outras forças externas trabalhando para arruiná-las. Isso é um erro - as democracias não deveriam se culpar por pecados que não cometeram - e pode levar a uma perda de autoconfiança. Os defensores da democracia para de acreditar que podem sobreviver, porque a crise interna seria tanto insolúvel quanto intolerável. Ou, então, a ameaça externa seria tão poderosa que a civilização só poderia escolher entre servidão ou suicídio.

Revel temia que os democratas acabassem por tentar comprar o apoio dos totalitários em vez de enfrentá-los. Ajuda financeira, uma espécie de resgate pago ao sequestrador, seria o caminho para levar tais países sob o regime comunista rumo à liberdade.

Pequenos fatores de desconforto já podem perturbar democracias, mais rápido do que uma forme horrenda ou constante pobreza podem abalar regimes comunistas. Não é a estagnação que alimenta a revolução, segundo Revel, mas o progresso, pois cria a riqueza que torna a revolução viável. Quando defrontados com a ameaça da subversão, muitos democratas preferem ignorá-la. Repetem que é fobia ou histeria esse tipo de alerta feito pela direita, e chamam  de conspiração aquilo que, em uma observação fria e ponderada, é um plano metódico, paciente e incansável de avanço e domínio por parte dos regimes totalitários.

A democracia, na defensiva contra a ofensiva totalitária, não ousa admitir que já está na batalha. E o medo de conhecer a verdade leva ao medo de chamar as coisas por seus nomes. Daí a falta de clareza moral, os eufemismos, as ironias contra quem enxerga com clareza o que está em jogo. "Comunistas vão te pegar", brincam. "Islamofobia", repetem aqueles que acreditam que os inimigos vão se tornar amigos se as democracias cessarem as críticas aos fanáticos.

A esperança é que as democracias consigam evitar tanto a guerra como a escravidão, o que de fato aconteceu, até aqui. O Império Soviético ruiu, em boa parte graças ao trio Reagan, Thatcher e João Paulo II, que exibiram clareza moral e firmeza no combate ao inimigo, enquanto muitos democratas, horrorizados, achavam que essa postura levaria ao caos. Por outro lado, a ameaça sino-comunista permanece, e os mesmos que acusam a direita de representar um perigo mortal à democracia defendem que, por pragmatismo, não se critique o regime chinês. Afinal, a China seria um grande parceiro comercial. Como se vê, as democracias ocidentais correm perigo, de fato; porém, uma vez mais, ele vem da esquerda, e não da direita.

Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 333-337.

O Mecanismo de Incentivos

domingo, 11 de dezembro de 2022

 

A licitação do STF, de 26 de abril de 2019, incluía a exigência de que o vinho deveria ser da safra de 2010 ou anterior; precisaria ter ganhado pelo menos "quatro premiações internacionais" e ser "envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses".


O ponto principal quando discutimos os problemas da gestão pública é que o mecanismo de incentivos nesse caso é totalmente inadequado. Segundo Milton Friedman, existem quatro formas de gastos:

1. Quando gastamos o nosso próprio dinheiro para nós mesmos. Nesse caso, fazemo-lo sempre com o máximo de esforço, afinal, é fruto do nosso trabalho, dos nossos esforços. Por isso sempre procuramos a melhor relação custo-benefício na hora de comprar qualquer produto ou serviço e evitamos o desperdício.

2. Quando gastamos o nosso dinheiro com outra pessoa. Isso ocorre, por exemplo, quando compramos presentes para amigos ou parentes. Nesse caso, calculamos o valor do presente em função da importância e do merecimento da pessoa e principalmente se temos ou não condições para isso. Damos muito mais importância ao custo do que o benefício; o outro sempre pode trocar o presente.

3. Quando gastamos o dinheiro de uns com outros. Por exemplo, se alguém nos desse um dinheiro para comprar um presente para uma terceira pessoa ou nos mandasse fazer um serviço utilizando material que não foi comprado por nós. Nesse caso, não haveria razão para nos preocuparmos com o bom uso desse dinheiro. Essa forma envolve basicamente todos os gastos públicos, por meio do governo.

4. Por fim, quando gastamos o dinheiro de outra pessoa conosco. Um bom exemplo é imaginar que alguém nos ofereça um almoço no restaurante que escolhermos. Com toda a certeza, escolheremos um restaurante melhor e mais caro do que aquele que optaríamos num dia qualquer, afinal, não seríamos nós que pagaríamos a conta. Assim acontece com as autoridades. Os pagadores de impostos pagam a festa, enquanto os consumidores escolhem o destino e se aproveitam de seu luxo, com seus privilégios. Falta o escrutínio do dono do recurso, sinônimo de desperdício.

Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 275-277.

Filme «Lawrence da Arábia»

domingo, 27 de novembro de 2022

 

Filme disponível na plataforma Brasil Paralelo. 


Thomas Edward Lawrence (1888-1935), o Lawrence da Arábia, foi um piloto-mecânico reformado da Royal Air Force. Antes de sua carreira militar, ele atuou como arqueólogo na Síria e na Palestina (1909), então territórios do Império Otomano. Em 1911, ganhou uma bolsa de estudos, e então partiu para as margens do Eufrates, a fim de desenvolver uma pesquisa arqueológica num antigo povoado hitita. Na ocasião, Lawrence aproveitou para, em seu tempo livre, viajar e aprender o árabe. Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, os mapas que ele e seus colegas elaboraram foram cruciais para o conflito entre o Reino Unido e o Império Otomano.

Devido à sua perícia em assuntos árabes, Lawrence foi enviado ao Cairo, onde atuou como oficial de inteligência. Em 1916, acompanhou um diplomara inglês à Arábia, onde Hussein ibn Ali, o emir de Meca, havia proclamado uma revolta contra o governo turco. Lawrence convenceu seus superiores a apoiar a rebelião de Hussein, juntando-se ao exército árabe comandado por Faiçal, filho de Hussein.

Sob a orientação de Lawrence, os árabes promoveram guerrilhas contra as linhas turcas. Ele se revelou como um talentoso estrategista militar e passou a ser admirado pelos beduínos. Em julho de 1917, as forças árabes capturaram Aqaba, perto da península do Sinai, unindo-se às tropas britânicas em marcha contra Jerusalém. Em novembro, enquanto estava numa missão de reconhecimento, foi capturado pelos turcos, sendo torturado e abusado sexualmente, antes de fugir. A seguir, voltou a juntar-se ao seu exército, que avançava em direção a Damasco. A capital síria capitulou em outubro de 1918.

A Arábia foi libertada, mas o sonho de Lawrence de que os árabes de unissem numa só nação foi por água abaixo. Decepcionado, Lawrence retornou ao Reino Unido e recusou as medalhas que o rei Jorge V lhes ofereceu.

Adaptado de Opera Mundi.  

Copa do Mundo - Catar 2022

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

 


«A Revolta da Vacina»

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

 

Baixe essa obra gratuitamente aqui.

Sobre a Liberdade e os Tiranos

terça-feira, 15 de novembro de 2022

 

"Nos nossos dias, os tiranos são os mais perigosos pregadores da liberdade." L. Börne (1786-1837)

Mapa Mental: Adam Smith

domingo, 13 de novembro de 2022

 

Clique no mapa mental para ampliá-lo.

Um "Grande Rei" e um "Santo Papa"

sábado, 5 de novembro de 2022

 

Basílica de São Pedro, Cidade do Vaticano.

O desejo por um "Grande Rei" alinhado com um "Santo Papa", que juntos estabeleçam a justiça, é compreensível nessa época sem lei, quando burocratas, batedores de cartões venais, trapaceiros e charlatães dominam a política e as igrejas.

PENN, Lee. Falsa Aurora: a Iniciativa das Religiões Unidas, o globalismo e a busca por uma religião mundial. Tradução de Márcio Stockler e Elton Mesquita. Campinas, SP: Vide Editorial, 2020, p. 658.

Como os armênios foram dizimados

terça-feira, 25 de outubro de 2022

 

Em 1915, no então Império Otomano, a população armênia, cristã, foi vítima de um genocídio. No mapa acima, é possível verificar como os armênios foram dizimados, limitando-se praticamente ao território da atual Armênia.

Edifício do Parlamento Húngaro

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

 

O edifício foi construído entre 1885 e 1904, em estilo neogótico. Também é conhecido como Parlamento de Budapeste.

A Beleza importa. 

Filme «Khartoum»

domingo, 23 de outubro de 2022

Filme disponível na plataforma Brasil Paralelo. 


A Inglaterra vitoriana viu no martírio de Charles George Gordon (1883-1885) um gesto a mais de grandeza legitimando o fardo do império. O diretor Basil Dearden, de Khartoum (1966), viu no sacrifício de Gordon (interpretado por Charlton Heston) uma mensagem reconfortante para o mundo europeu do final dos anos 1960: a civilização, tal como a conhecemos, dependia profundamente dos valores europeus emblemáticos e correlatos. Mas, em última análise, a verdade histórica subjacente deste filme subverte a premissa eurocêntrica, pois a saga cinematográfica de Khartoum, assim como a saga histórica em que se baseou, recorreu, ao nível de mediação, às crenças dogmáticas e à força carismática de dois homens notáveis.

Gordon era segundo-tenente durante a Guerra da Crimeia (1853-1856) e distinguiu-se por sua coragem inexcedível, tornando-se herói nacional na Grã-Bretanha e ganhando o apelido de Gordon chinês por seu papel na repressão à rebeião de 1864 em Taiping. O Gordon da vida real, se aceitarmos como fiel o famoso retrato pintado por Lytton Strachey, era um pedófilo reprimido sujeito a crises de depressão profunda e paralisante, seguida de transes de inspiração misteriosa e realizações de rara concentração, durante as quais o conhaque com soda e a Bíblia eram consumidos em quantidades mais ou menos iguais.

O produtor de Khartoum, Julian Blaustein, era um fanático pela autenticidade, e muita coisa no filme, desde as armas até as roupas, é exata. Nas areias do deserto, a contrapartida de Gordon chamava-se Muhammad Ahmad (Laurence Olivier), um árabe Dunqulawi de 37 anos de idade. Ahmad conclamara uma guerra santa a fim de expulsar do Sudão os britânicos e seus aliados egípcios. Em novembro de 1881, os egípcios enviaram uma guarnição de infantaria para prender Ahmad na ilha em que se escondia no Nilo, mas as forças de Ahmad massacraram os atacantes, abatendo os egípcios e intrigando os paladinos do Império Britânico. Um asceta que se tornou cada vez mais exaltado pelo seu baraka (poder sobrenatural), Ahmad audaciosamente se proclamou o mádi, o Guia Aguardado, alegando ter sido enviado pelo Profeta, para devolver aos ansar (os fiéis) os verdadeiros mandamentos de Alá - e, acima de tudo, para livrar o Sudão da exploração voraz dos egípcios e, em última análise, dos britânicos. Nos dois anos seguintes, o mádi e suas hordas varreram todo o Sudão conquistando, uma após outra, vitórias impressionantes contra os infiéis, e obrigando os egípcios a cederem territórios aos sudaneses.

Em 1884, quando Cartum, a capital administrativa do Sudão dominado pelo Egito, é ameaçada pelas forças do mádi, o governo de Sua Majestade despacha Gordon para evacuar as populações europeias e egípcias da cidade. O general Gordon jamais pretendeu obedecer àquelas ordens. Ao contrário, Gordon apostou a sua vida e a vida de milhares de cidadãos de Cartum num jogo de lances altos para preservar a influência britânica no Sudão. Decidiu manter a cidade em vez de evacuá-la. A queda de Cartum em 26 de janeiro de 1885 levou a uma reversão sem precedentes do imperialismo britânico - dois dias depois chegaram dois canhoneiros enviados à frente do vasto exército que se aproximava sob o comando do general Garnet Wolseley.

No final de Khartoum, Gordon está sozinho no alto da escadaria do seu palácio. Com seu sabre desembainhado, o governador-geral do Sudão observa impassível os invasores fiéis ao mádi sudanês escalarem as muralhas do forte e passarem pelos defensores egípcios para atacá-lo pessoalmente. Eles hesitam por um instante. Este confronto de alta tensão entre o eminente vitoriano e os dervixes sudaneses torna-se então o clímax esplêndido de um clichê do cinema ocidental: o homem branco solitário que tenta apaziguar, com sua simples presença os perigosos tumultos provocados pelos povos de pele escura. Os dervixes atravessam o peito do comandante branco com uma lança. Arrancam-lhe a cabeça, fincam-na numa estaca de dois metros. Ouve-se uma voz sepulcral que adverte: "Um mundo sem Gordons seria um retorno às areias", enquanto o sol poente perpassa uma estátua equestre de bronze do general e os créditos se desenrolam na tela que escurece.

Bibliografia consultada: CARNES, Mark C. (org.). Passado Imperfeito - a história no cinema. Tradução de José Guilherme Correa. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 162-165.

Dia pela Erradicação da Pobreza

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

 

Neste dia, recomendo o artigo Para erradicar a pobreza, mais capitalismo.

Pérola de George Washington

domingo, 16 de outubro de 2022

Filme «Doutor Gama»

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

 

Acesse gratuitamente aqui.

O Ensino nos Colégios dos Jesuítas

domingo, 9 de outubro de 2022

 

Palácio Anchieta, em 1909. O prédio foi construído em 1551, por Afonso Brás, para ser o Colégio dos Meninos de Jesus e a Igreja de São Tiago.

Um colégio jesuíta compreendia cinco classes: três classes de gramática, uma classe de humanidades (correspondente à Quarta) e uma classe de retórica (correspondente à Quinta). Os alunos tinham quase sete horas de aula por dia: duas horas e meia de manhã, duas horas e media à tarde, uma hora e três quartos após o jantar. Nos grandes colégios, como o de Paris, fundado por volta de 1560 e que tomou, sob Luís XIV, o nome de Colégio Luís o Grande, as classes estavam superlotadas: frequentemente 200 alunos. O professor era ajudado por alguns alunos nos quais ele tinha confiança e que se chamavam os decuriões. Cada um tinha autoridade sobre nove de seus colegas: sentavam os dez no mesmo banco. "Os decuriões, diz o Regulamento, serão encarregados pelo mestre de fazer recitar as lições, de recolher as cópias, anotar num caderno os erros de recitação, apontar os que não entregaram o dever e todas as outras coisas que o mestre lhes ordenar."

Os jesuítas desenvolviam em seus alunos o sentimento de emulação. No Colégio da Flecha, os alunos mais bem classificados em composição recebiam respectivamente os títulos de: Imperador, Ditador, Cônsul, Tribuno, Senador, Cavaleiro, Decurião, Edil. "Os primeiros nas composições", diz o Regulamento, "ocuparão as magistraturas mais elevadas... a fim de excitar a emulação pode-se dividir a classe em dois campos; cada um terá seus magistrados que serão reciprocamente opostos uns aos outros, e cada aluno terá um adversário que lhe será designado. Os primeiros magistrados dos dois campos sentarão nos primeiros lugares."

O latim era a única língua empregada no colégio e, mesmo entre si, os alunos deviam falar em latim.

ALBA, André. Tempos Modernos. Tradução de Elzon Lenardon. São Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 52-53. 

Grandes Cientistas

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

 

#InMemorian Missionários no Equador

terça-feira, 27 de setembro de 2022

 

Em 1956, os missionários Jim Elliot, Pete Fleming, Ed McCully, Nate Saint e Roger Youderian foram violentamente assassinados por membros da tribo Waodani, no Equador.

Jamais nos esqueceremos do seu martírio.

Créditos: @VOM_USA (Twitter)

Europa Regina

domingo, 18 de setembro de 2022

 

Este mapa, criado em 1537 por Johannes Putsch (1516-1542), foi o primeiro a representar a Europa como uma rainha (regina, em latim). Putsch também o denominava de "a Europa como a Virgem".  

«Os Intelectuais e a Sociedade»

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Baixe essa obra gratuitamente aqui.

R.I.P. Mikhail Gorbachev

domingo, 11 de setembro de 2022

 

Faleceu no dia 30 de agosto, em Moscou, o último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, aos 91 anos. Suas reformas, a Glasnost e a Perestroika, visavam modernizar o país e dar novo fôlego ao socialismo, mas acabaram libertando as forças nacionalistas e pró-democracia que varreram os partidos comunistas do Leste Europeu e liquidaram a própria União Soviética. 

Gorbachev, portanto, ficou mundialmente conhecido por encerrar a Guerra Fria, eliminando a "cortina de ferro" que se abatera sobre a Europa logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em seu próprio país, contudo, ele foi rotulado como fraco e indeciso. O comercial que ele gravou para a Pizza Hut, em 1998, ilustra bem como ele dividia as opiniões do público.

Chama a atenção que, justamente neste ano da morte de Gorbachev, o atual presidente russo, Vladimir Putin, um nostálgico do Império Soviético, esteja empenhado em restaurar a "Grande Rússia", mediante uma famigerada invasão na Ucrânia. O próprio Gorbachev se ressentia da destruição do seu legado por Vladimir Putin. Que a história julgue a herança desses dois estadistas.

Seminário "Igualdade e Liberdade"

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

 

No último bimestre do ano letivo, os alunos do 2º ano EM apresentarão o seminário interdisciplinar Igualdade e Liberdade. O objetivo é promover a reflexão sobre as principais ideias e correntes teóricas e políticas marxistas, anarquistas, liberais e conservadoras. Cada apresentação deverá se concentrar na bibliografia previamente indicada, que segue abaixo, à frente de cada tema.

Devido à natureza teórica deste seminário, slides não precisarão ser elaborados. Porém, exige-se ainda, o fichamento, manuscrito e individual, que deverá ser produzido em folha de papel almaço. Tal fichamento deverá ser redigido a caneta esferográfica azul ou preta, ter uma folha para a capa, e contemplar todo o verbete ou capítulo indicado. A avaliação da apresentação oral também poderá ser individualizada. Cada trio ou dupla terá entre 12 e 15 minutos para a exposição. 

1. Igualdade - Dicionário de Política

2. John Locke - Pensadores da Liberdade

3. Anarquismo - Dicionário de Política

4. Adam Smith - Pensadores da Liberdade

5. Sindicalismo - Dicionário de Política

6. Edmund Burke - Pensadores da Liberdade

7. Karl Marx - Os Intelectuais

8. Escola da Frankfurt - Dicionário do Pensamento Marxista

9. Frédéric Bastiat - Pensadores da Liberdade

10. Marxismo e o Terceiro Mundo - Dicionário do Pensamento Marxista

11. Social-democracia - Dicionário de Política

12. Alexis de Tocqueville - Pensadores da Liberdade 

R.I.P. Elizabeth II do Reino Unido

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 

Faleceu hoje, aos 96 anos, a rainha Elizabeth II. Ela ocupou o trono britânico por 70 anos e 214 dias, sendo o segundo reinado mais longevo da história, perdendo apenas para o francês Luís XIV (r. 1643-1715).

«O Homem Que Não Vendeu Sua Alma»

domingo, 4 de setembro de 2022

 

Assista aqui.

A peça A Man for All Seasons, de Robert Bolt, estreou em Londres em 1960 e, por várias razões, repetiu o sucesso em Nova York, no ano seguinte. Na época, a combinação de tolerância, indiferença religiosa e a generosa personalidade do papa João XXIII colocaram o catolicismo no centro das atenções. As plateias estavam prontas para a história de um mártir heroico consciencioso lutando contra o poder de um tirano, e Bolt lhes deu isso. De Paul Scofield, no papel de Thomas More, transpirava uma veemente integridade e uma presença impressionante - para não falar de sua voz irresistível.

Em 1966, a versão cinematográfica da peça, admiravelmente dirigida por Fred Zinnemann, correu o mundo, ganhou vários prêmios da Academia de Hollywood e popularizou o nome de More (outra vez interpretado por Paul Scofield). O filme dava ao espectador a confortável sensação de ficar sabendo tudo sobre More. Ele tornou-se um Abraão Lincoln católico, um ícone de pureza e de princípios capaz de provocar reverência e afeição. Porém, Bolt nos deu um More que a sua própria época mal reconheceria, um More escandaloso demais talvez para o próprio More.

Alguns erros e distorções do filme são concessões inofensivas ao seu conteúdo teatral, outros inferências plausíveis do Life of More escrita por seu genro, William Roper, cerca de vinte anos após a decapitação do prelado. Aquele que eventualmente traiu More, Richard Riche (John Hurt), compõe um vilão incrivelmente asqueroso (é verdade que, de fato, ele morreu rico, como barão, em 1567). Não há dúvidas de que Riche foi um carreirista e sem dúvida conquistou favores reais com o seu depoimento, mas o exame dos fragmentados registros históricos da época mostra que o papel verdadeiro de Riche foi muito mais ambíguo: o seu testemunho no julgamento de More foi muito menos malicioso.

O filme, da mesma forma, avilta Cromwell, cujo papel em toda a questão fica contudo menos claro. Outros erros históricos, embora abundantes, constituem uma aceitável licença dramática. Menos fácil é desculpar a idolatria de Bolt à personalidade de More. O filme adere ao argumento de Roper de que More se opunha ao então ministro da Justiça, o cardeal Thomas Wolsey (Orson Welles), inclusive dentro do Parlamento. Porém, evidências da época mostram que More não passava de um dócil servo de Wolsey. Ele contava com Wolsey para progredir, e nunca fez nada que ofendesse o cardeal, até que Wolsey caiu em desgraça por não conseguir a aceitação do papa para o divórcio do rei. O filme também silencia sobre o primeiro discurso de More no Parlamento como titular da Justiça, quando atacou o cardeal de forma cruel e vingativa.

O More de Bolt recusa-se a deixar que a filha Margaret se case com Roper até mesmo depois de o noivo renegar seu ligeiro flerte com o luteranismo (embora isso, quase com certeza, aconteceu após o seu casamento). De resto, o filme pinta um retrato açucarado da religião de More e do seu ódio insano contra os protestantes. O More histórico chegou a produzir centenas de páginas clamando de maneira ofensiva e polêmica pelo sangue dos protestantes. Quando algum herege era queimado, More exultava.

Em nenhum momento do filme aparece o More que continuou produzindo obras contra a heresia até mesmo quando o rei tentava negociar uma aliança com os protestantes. Os conselheiros do rei tiveram que fazer More desistir à força de suas ominosas exigências para que Henrique VIII exercesse o seu dever contra os hereges.

Em nenhum momento do filme aparece o More que queria ver o ódio que tinha aos hereges inscrito em seu próprio túmulo. E, a propósito, More não era um papista como o filme mostra. Ele achava que os papas haviam errado, que melhor que o papa seria um conselho geral de bispos, que esse conselho devia ter autoridade para depor o papa pelas razões que bem entendesse e que a Igreja podia até, talvez, passar sem papa.

Henrique VIII, monarca inglês de 1509 a 1547, era, sem dúvida, extremamente egoísta. Contudo, nem de longe foi o maníaco esbravejante retratado na obra de Zinnemann. Nos seus últimos anos de vida, incapaz de curar uma ferida na perna, ele perdia às vezes o autocontrole, e gritava com os outros. Quando frustrado, às vezes chorava. Mas, em público, especialmente na juventude, sabia ser viperino na sua astúcia. Henrique permaneceu amigo pessoal, até quase a morte, de muitos daqueles que destruiu - entre eles, Cromwell e o cardeal Thomas Wolsey. 

O homem que não vendeu sua alma nos mostra um More que morreu heroicamente em nome da sua consciência. O filme extrai dessa consciência o conteúdo mais duvidoso e nos priva assim da tragédia - e da catarse - representada pelo verdadeiro Thomas More. Deixa-nos não purificados e pensativos, mas sim radiantes e confiantes de que qualquer um de nós teria votado a favor do herói. Na verdade, a maioria de nós teria seguido a família de More e prestado o juramento que ele se recusou a prestar. Também teríamos votado - talvez forçosamente - em favor da morte dele, para que a Inglaterra continuasse a prosperar sem ameaça de invasões estrangeiras ou de guerra civil.  

Bibliografia consultada: CARNES, Mark C. (org.). Passado Imperfeito - a história no cinema. Tradução de José Guilherme Correa. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 70-73.   

Duque de Caxias (1803-1880)

domingo, 28 de agosto de 2022

Luís Alves de Lima e Silva 
Porto de Estrela, 1803 - Desengano, 1880. 

Nascido em 25 de agosto (atualmente, o Dia do Soldado) de 1803, na Fazenda São Paulo (hoje, município de Duque de Caxias), Rio de Janeiro, foi militar e político. Era o segundo filho do marechal-de-campo Francisco de Lima e Silva e Mariana Cândida de Oliveira Bello.

Sentou praça como cadete aos cinco anos de idade, como era costume dos filhos de militares. Isso ocorreu no regimento do avô, o brigadeiro (depois marechal) José Joaquim de Lima e Silva. Aos 15 anos, matriculou-se na Real Academia Militar, na Praia Vermelha. Foi promovido a tenente em 1820. Participou da campanha da Bahia em 1823, servindo no Batalhão do Imperador, que combateu as forças do brigadeiro Madeira de Melo, tendo recebido a medalha da Guerra da Independência na Bahia.

Em 1825, foi promovido a capitão. No mesmo ano, seguiu para a campanha da Cisplatina, de onde retornou em 1829. Promovido a major, foi-lhe entregue o segundo comando do Batalhão do Imperador.

Com a abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, participou do esforço pela manutenção da ordem. Dissolveu os sublevados no Campo de Santana, permitindo que o major Miguel de Frias e Vasconcelos se refugiasse nos Estados Unidos. Assim que as circunstâncias permitiram, ele retornou e foi reincorporado à tropa sob o comando do próprio Caxias.

Casou-se com Anna Luiza de Loreto Carneiro Viana em 6 de janeiro de 1833, com quem três filhos. Um deles, Luiz, faleceu com 15 anos.

Em 1837, dois anos após a eclosão da Farroupilha, Sebastião do Rego Barros, ministro da guerra, decidiu partir para o teatro de operações, no Sul do Brasil. Levou consigo Luís Alves de Lima e Silva, para acompanhar-lhe na qualidade de auxiliar e consultor. Seus corretos conselhos ao ministro, por vezes contrários aos de oficiais superiores, trouxe-lhe prestígio junto à cúpula do governo, que viu nele a pessoa certa para combater a Balaiada, revolta popular ocorrida no interior do Maranhão, iniciada em 1838.

Caxias foi promovido a coronel, presidente (governador) e comandante geral das forças no Maranhão, em 1839. Tomou posse em 7 de fevereiro de 1840. O contingente dos rebeldes era maior do que o número de soldados imperiais. Eles também não tinham acampamento fixo, e lutavam seguindo estratégias de guerrilhas.

O comandante e presidente promoveu profundas reformas administrativas na província e comandou pessoalmente suas tropas nos embates com os rebeldes. Decidiu anistiá-los, assim que se renderam. A seu próprio pedido, em maio de 1841, deixou o governo provincial, regressando à corte. Em julho de 1841, foi promovido a brigadeiro e recebeu o título de barão de Caxias. Foi eleito representante do Maranhão à Câmara dos Deputados (5ª legislatura, 1842-1844).

Demonstrou grande capacidade ao combater a Revolta Liberal, comandada pelo brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, em São Paulo, em 1842. Os revoltosos então migraram para Minas Gerais, onde venceram o combate de Lagoa Santa, liderados por Teófilo Otoni. Em Santa Luzia, contudo, Caxias terminou por derrotá-los, graças ao reforço da coluna liderada pelo seu irmão, José Joaquim de Lima e Silva.

A seguir, Caxias foi promovido a marechal-de-campo graduado, e enviado para o Rio Grande do Sul, onde atuou como comandante em chefe do Exército em operação contra os rebeldes farrapos. Finalmente, em 1º de março de 1845, terminou a conflagração que já durava quase uma década e havia dizimado quase 50 mil vidas. Os militares rebeldes foram anistiados.

Recebeu o título de conde, foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul, província da qual se exonerou da presidência em março de 1846. Liderou as tropas na intervenção no Uruguai, onde forçou Oribe a se render sem luta, em 19 de outubro de 1851. Rosas, governador de Buenos Aires, Argentina, apoiava Oribe e também foi derrotado, pelas tropas brasileiras de Manuel M. de Sousa e Manuel Luís Osório, e pelas tropas de Justo José Urquiza, governador de Entre Rios, Argentina.

Entre 14 de julho de 1855 a 4 de maio de 1857, o agora Marquês de Caxias foi ministro da Guerra. Dirigiu o gabinete conservador em dois períodos, entre 1856-57 e 1861-62. Em 1864, eclodiu a Guerra do Paraguai, e em princípio o já sexagenário Caxias atuou apenas como conselheiro. Após a derrota fragorosa em Curupaiti, em 22 de setembro de 1866, contudo, o governo imperial voltou a lançar mão de seu militar mais bem-sucedido para liderar as forças brasileiras.

Chegando em Tuiuti, a primeira missão de Caxias foi a de reestruturar o Exército. Manteve o confronto em nível mínimo e organizou um Corpo de Saúde. Com a retomada da ofensiva pelos aliados, sucederam-se as vitórias. Uma das heroicas passagens de Caxias se deu na tomada da ponte de Itororó, quando montado a cavalo com a espada em punho conclamou os soldados com a oração "sigam-me os que forem brasileiros", partindo em seguida em direção ao inimigo, expondo-se perigosamente.

Os sucessivos triunfos permitiu a tomada de Asunción em 1º de janeiro de 1869 pelo coronel Hermes Ernesto da Fonseca. Em 19 de janeiro, Caxias retornou ao Brasil. Em março, recebeu o único título de duque concedido no Império. Retomou seu assento no Senado, no Conselho Supremo Militar de Justiça e assumiu a nova função de conselheiro extraordinário de Estado.

Novamente, assumiu o gabinete de 25 de junho de 1875 a 5 de janeiro de 1878, acumulando o cargo de ministro da Guerra. Nessa gestão, lidou com a Questão Religiosa, com o afastamento do imperador e a segunda regência da princesa Isabel. Recolheu-se à Fazenda Santa Mônica, em Desengano (atual município de Juparanã), Rio de Janeiro, onde faleceu em 7 de maio de 1880. Por decreto federal de 1962, Caxias passou a ser o patrono do Exército Brasileiro.    


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Fonte: ERMAKOFF, George (org.). Dicionário Biográfico Ilustrado de Personalidades da História do Brasil. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2012, p. 443-445.