“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Visão do Intelectual Ungido

sexta-feira, 26 de abril de 2024

A visão do intelectual ungido não é somente uma visão de sociedade, mas também se comporta como uma visão autoelogiosa dos próprios intelectuais e uma mentalidade de que eles não estão dispostos a abrir mão. Um "respeito decente pelas opiniões da humanidade" - a frase usada na Declaração de Independência dos EUA - não tem hoje mais lugar num mundo pautado pela visão do intelectual ungido. Pelo contrário, pois desafiar o "clamor público" tornou-se um distintivo de honra e a certificação de ser um membro dos intelectuais ungidos. Os protestos das massas não são tratados como avisos importantes, mas como evidências redobradas da superioridade do insight do sujeito, que é compartilhado por outros "bem pensantes". Essa é uma das muitas maneiras pela qual a visão é blindada, afastando-a dos desafios que vêm das experiências mundanas de milhões de pessoas. Além disso, as impetuosas suposições e aspirações do intelectual ungido são amplamente consideradas, por eles e por outros, como o mais nobre idealismo, em vez de egocêntricas indulgências.

Que o mundo seja obrigado a apresentar um cenário que se encaixe em suas preconcepções - caso contrário existe algo de errado com o mundo - não constitui apenas um adorno da intelligentsia, mas se apresenta como base para o estabelecimento de cotas em corporações e em universidades, as quais procuram criar tais cenários, assim como interferir na condução das leis em casos em que se usa a muleta da discriminação sempre que a realidade não se encaixa com o cenário idealizado.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 456.

Cacoetes dos Intelectuais

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Leandro Karnal, "intelectual público" famoso por comentar sobre tudo e rotular aqueles dos quais discorda.

Certamente que muitos intelectuais públicos, ao comentarem sobre questões e eventos que estão fora do escopo de suas respectivas especialidades, nem sempre alcançam a acuidade exigida pelos padrões intelectuais, e isso nos melhores dos casos. No entanto, as muitas violações desses padrões pelos próprios intelectuais têm demonstrado repetidamente a distinção que buscam embaralhar entre o substantivo e o adjetivo. Isso inclui exemplos gritantes de irracionalismo e de "tendências" baseadas em observações distorcidas, como, por exemplo, que o capitalismo tornou os trabalhadores mais pobres, como se eles tivessem sido mais prósperos antes. Tais elucubrações estão carregadas de comparações desprovidas de critério intelectual, como aquela que o professor Lester Thurow pronunciou ao dizer que os Estados Unidos apresentavam o "pior" desempenho, entre as nações industrializadas, quando se tratava de desemprego, citando problemas de desemprego somente nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que ignorava completamente o problema crônico de desemprego muito pior que sofre a Europa ocidental, para não falar de outras regiões. Uma das violações mais comuns dos padrões intelectuais pelos próprios intelectuais é atribuir uma emoção (racismo, machismo, homofobia, xenofobia, etc.) àqueles que detêm pontos de vista diferentes, em vez de responder a seus argumentos.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 442.

Doutrinação durante a Guerra Fria

quarta-feira, 24 de abril de 2024

"As faculdades devem contratar professores vermelhos?" Capa da revista American Legion, 1951. A partir da Guerra Fria, a educação tornou-se um dos espaços privilegiados da guerra cultural promovida pelo marxismo cultural.

A noção de "corrida armamentista", como caracterização negativa no uso da dissuasão militar, foi apenas uma dentre muitas ideias das décadas de 1920 e de 1930 que foram ressuscitadas durante o período da Guerra Fria. Da mesma forma que os sindicatos dos professores franceses tornaram as escolas francesas centros de doutrinação para promoção das agendas pacifistas durante as décadas de 1920 e de 1930, enfatizando os horrores da guerra, também nos Estados Unidos, durante o período da Guerra Fria, as salas de aula norte-americanas se tornaram lugares para doutrinação sobre os horrores da guerra. Dramatizações dos bombardeios nucleares às cidades japonesas foram, por exemplo, encenadas:

Expostas aos detalhes mais medonhos, essas crianças, em geral de classe média alta, eram obrigadas a observar mulheres e crianças japonesas sendo incineradas pela tempestade de fogo acionada pelo bombardeio atômico. Os jovens colavam na cadeira. Soluços podiam ser ouvidos. O ânimo geral provocado na classe pode ser resumido e bem expresso por uma jovem emotiva que perguntou: "Por que nós fizemos isso?". A professora respondeu dizendo: "Fizemos uma vez, podemos fazer novamente. Se essas armas de destruição serão ou não usadas, depende de vocês." E assim se iniciava uma unidade de estudo sobre as armas nucleares.

Levar as crianças às lágrimas nas salas de aula, como parte do processo de doutrinação, já havia feito parte também do modus operandi na França entre as duas Guerras Mundiais:

Por exemplo, numa escola para rapazes em Amiens, os professores perguntavam aos meninos cujos pais haviam sido mortos em combate para que falassem sobre o assunto para a classe. "Mais do que uma lágrima era derramada", relatou o diretor. De forma parecida, uma professora de outra escola primária em Amiens notou que em sua escola uma aluna, em cada seis, perdera o pai entre 1914 e 1918: "A lembrança dos mortos era encenada com a mais comovente reverência", a professora relatou, "e tanto professoras quanto alunas eram unidas pela emoção criada". Outra professora, agora de uma escola para garotas em Pont de Metz, relatou o silêncio solene que, gerado durante a lembrança dos mortos, "era quebrado com os soluços de muitas crianças cujos pais morreram na guerra.

É importante observar que nesse caso, assim como em outros contextos, o erro fatal dos professores esteve em conduzir situações que estavam além de sua competência, uma vez que os professores não têm nenhuma qualificação profissional que os habilite compreender os perigos de manipular as emoções das crianças, nem quaisquer qualificações especiais para compreender as complicações políticas no âmbito internacional, ou quais fatores aumentam e quais diminuem a probabilidade das guerras, muito menos que fatores tendem a levar ao colapso e à derrota, como aconteceu com a França em 1940.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 411-412.

Intelectuais vs "Corrida Armamentista"

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Protesto de alemães ocidentais contra a corrida nuclear, durante a Guerra Fria.

A futilidade de uma "corrida armamentista" foi mais uma característica marcante da década de 1930 que voltou a vigorar na década de 1960, mesmo que um desarmamento unilateral - tanto moral quanto militar - , adotado pelas nações democráticas após o término da Primeira Guerra Mundial, tenha tornado muito favorável, para os poderes do Eixo, a perspectiva de vitória em outra guerra, o que desembocou na Segunda Guerra Mundial. A noção de que uma "corrida armamentista" fomentaria a guerra, que fora o tom dominante entre os intelectuais durante o período entre-guerras, o qual acabou influenciando a condução política, principalmente na figura de Neville Chamberlain, foi restaurada a partir da segunda metade do século XX. Seja qual for a plausibilidade dessa noção, o que parece crucial é que poucos intelectuais sentiram qualquer necessidade de ir além da mera plausibilidade em busca de evidências concretas, a fim de aferir suas suposições, colocando-as sob o crivo da verificação empírica, mas, em vez disso, trataram a questão como um axioma inquestionável.

Assim que a Segunda Guerra Mundial demonstrara, de forma trágica, os perigos das insuficientes políticas de desarmamento e de rearmamento, a ideia sobre a alegada futilidade da corrida armamentista foi descartada. Porém, quando o presidente John F. Kennedy invocou essa lição da Segunda Guerra Mundial ao dizer em seu discurso de posse em 1961 que "não ousaremos tentá-los mostrando fraqueza", apesar de sua juventude ele falava em consonância como uma geração que estava passando, defendendo ideias que seriam, em breve, substituídas por ideias opostas, adotadas ironicamente anos mais tarde por seu irmão mais jovem no Senado dos Estados Unidos. A ideia de força militar como fundação para a paz, a partir do poder dissuasivo para conter potenciais inimigos, caiu em desuso rapidamente a partir da década de 1960, ao menos entre os intelectuais. Em vez disso, durante os longos anos de Guerra Fria entre a União Soviética e os Estados Unidos, acordos para limitação de arsenais foram defendidos por muitos, senão pela maioria, da intelligentsia ocidental.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 399-400.

O "Desarmamento Moral" da França

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Livro didático francês de 1948: instrumento de "desarmamento moral".

Um papel central na disseminação do movimento pacifista na França foi desempenhado pelas escolas ou, mais especificamente, pelos sindicatos de professores franceses, que na década de 1920 deram início a uma série de campanhas organizadas que se opunham aos livros escolares do pós-guerra que retratassem favoravelmente os soldados franceses, os quais haviam defendido seu país contra os invasores alemães durante a Primeira Guerra Mundial. Tais textos foram cunhados de "belicosos", uma tática verba ainda comum entre os integrantes da visão do intelectual ungido, tratando as visões divergentes como se fosse meras emoções, como se nesse caso apenas o estado mental de beligerância explicasse a resistência aos invasores ou se associasse àqueles que arriscaram a vida para defender a nação. O líder do sindicato dos professores, o Syndicat National des Instituteurs (SN), lançou uma campanha contra esses livros escolares de "inspiração belicosa", os quais foram caracterizados como "um perigo para a implantação da paz". Já que era dito que o nacionalismo era uma das causas da guerra, o internacionalismo ou a "imparcialidade" entre as nações foi considerado uma característica necessária a ser adotada nos livros escolares.

Isso não era tido como contrário ao espírito patriótico, mas no mínimo acabou esvaziando o senso de dever perante os que tinham morrido para proteger a nação, com sua obrigação implícita sobre as gerações seguintes para que fizessem o mesmo se e quando isso tornasse novamente necessário.

Os líderes com inclinação para reescrever os livros escolares de história chamaram seu objetivo de "desarmamento moral", o que abriria o caminho para o desarmamento militar, o qual muitos consideravam outro ponto central para a conquista da paz. As listas dos livros censurados nas escolas foram organizados por Georges Lapierre, um dos líderes do SN. Por volta de 1929 ele se gabava de ter removido todos os livros "belicosos", os quais a campanha encabeçada pelo SN tinha retirado das escolas. Esses livros haviam sido reescritos ou substituídos. Diante da ameaça de perder uma boa parte do mercado editorial escolar, os editores franceses submeteram-se às exigências dos sindicatos, determinando que os livros sobre a Primeira Guerra Mundial deveriam ser revisados a fim de refletir a "imparcialidade" entre as nações e promover o pacifismo.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 344-345.

EUA, Guerra e Intervencionismo

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Durante o período relativamente breve do envolvimento militar norte-americano na Primeira Guerra Mundial - um pouco mais de um ano e meio -, um pacote singularmente expressivo de regulamentações federais sobre a condução da vida interna dos Estados Unidos entrou em vigência, confirmando a visão intelectual dos progressistas que viam a guerra como uma oportunidade valiosa para substituição dos processos tradicionais de tomada de decisões, baseados em mecanismos socioeconômicos individuais para a implantação de formas coletivistas de controle e de doutrinação. Assembleias, comissões e comitês foram rapidamente criados e colocados sob a direção do Conselho da Indústria de Guerra, o qual passou a governar boa parte da economia, estabelecendo racionamentos e fixando preços. Enquanto isso, o Comitê de Informação Pública, descrito de forma correta como o "primeiro ministério moderno de propaganda do Ocidente", era criado e administrado pelo progressista George Creel, que tomou como missão tornar a opinião pública uma única e compacta "massa quente" de apoio aos esforços de guerra em nome de "100% de americanismo", rotulando todo aquele que "se recusasse a apoiar o presidente durante essa crise" como "pior que um traidor".     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 332.

A Falácia do Separatismo

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Europa, 1921. Destaque para os novos países (cor amarela).

A ideia de fazer com que cada "povo" tenha sua própria terra ignora tanto a história quanto a demografia, para não falar de economia e segurança militar. As localizações dos povos e das fronteiras nacionais já haviam mudado repetida e drasticamente por toda a história. Boa parte dos territórios no mundo, assim como a maior parte dos territórios desmembrados impérios Habsburgo e Otomano, pertenceram a diferentes soberanias, em diferentes períodos da história. Nesses impérios, o número de cidades com múltiplos nomes provindos de línguas distintas deveria ter funcionado como indicação clara sobre a realidade histórica, assim como as mesquitas convertidas em igrejas convertidas em mesquitas.

A ideia de resgatar minorias oprimidas ignorava o prospecto - até se tornar realidade - de que as minorias oprimidas, ao se tornarem grupo governante de suas próprias nações, iniciariam imediatamente o processo de opressão de outras minorias agora sob seu controle. A solução encontrada por Wilson e aplaudida pelos outros intelectuais se fazia tão ilusória quanto perigosa. Estados pequenos e vulneráveis criados a partir do desmembramento do Império Habsburgo foram posteriormente arrebanhados, um por um, por Hitler durante a década de 1930; uma operação que teria sido muito mais difícil e temerosa caso ele tivesse que enfrentar um Império Habsburgo unido. O dano causado estendeu-se para além dos pequenos estados, pois mesmo um estado maior como a França ficou muito mais vulnerável depois que Hitler tomou controle dos recursos militares e materiais da Tchecoslováquia e da Áustria. Hoje em dia, a Otan é, de fato, uma tentativa de proteger Estados individualmente vulneráveis, agora que os impérios dos quais alguns deles faziam parte foram dissolvidos.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 329-330.