“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Pérola de Nelson Rodrigues

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

 

Assistência aos pobres hoje

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

 

A Culpa das Pestes

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Ratos devoram corpos de vítimas da peste. Le Miroir Historial, séc. XV, Museu Condé, França.

Entre o Medievo e a Idade Moderna, era comum circularem três explicações para as pestes que assolavam o Velho continente:

1ª) Eruditos

Eles atribuíam a epidemia a uma corrupção do ar, ela própria provocada por fenômenos celestes (aparição de cometas, conjunção de planetas, etc.), por diferentes emanações pútridos, ou então por ambos.

2ª) Multidão

Semeadores de contágio espalhavam voluntariamente a doença; era preciso procurá-los e puni-los.

3ª) Igreja

Assegurava que Deus, irritado com os pecados de uma população inteira, decidira vingar-se; portanto, convinha apaziguá-Lo fazendo penitência.

De origens diferentes, esses três esquemas explicativos não deixavam de interferir nos espíritos. Deus podia anunciar sua vingança próxima por meio de sinais nos céus. Segundo os teólogos, na ocasião os demônios e feiticeiros se tornavam os "carrascos" do Altíssimo e os agentes de Sua justiça.

A opinião corrente, portanto, procurava encontrar o máximo de causas possíveis para tão grande desgraça. No século XVI, Fracastoro e Bassiano Landi lançaram a noção de contágio, rejeitada obstinadamente pelos eruditos. Estes insistiam nas explicações "naturais" pelos astros e pelo ar viciado.

Assim, ainda em 1721, o médico do rei da Prússia dizia que a peste era provocada "por máculas morbíficas, concebidas e procriadas por exalações pútridas da terra ou pela maligna influência dos astros." Espíritos críticos, contudo, preferiam deixar aos técnicos a responsabilidade dessas qualificações, sem se pronunciar sobre elas. Boccaccio, sempre prudente, lembrou que fosse qual fosse a causa da Peste Negra, ela se manifestara, alguns anos antes, nos países do Oriente.

A outra explicação "natural" (não contraditória com a precedente) fazia derivar a peste de exalações malignas emanadas de cadáveres não enterrados, de depósitos de lixo, até das profundezas do solo.

Se a epidemia era uma punição, era preciso procurar bodes expiatórios que seriam acusados inconscientemente dos pecados da coletividade. Na Europa dos séculos XIV-XVIII, as populações repetiram por várias vezes, involuntariamente, a sangrenta liturgia das civilizações antigas de procurar apaziguar a divindade encolerizada. Essa necessidade de aplacar a cólera das potências supra-humanas conjugava-se com o desrecalque de uma agressividade que a angústia fazia nascer em todo grupo humano acometido pela epidemia. Não existe um relato de peste que não evoque essas violentas descargas coletivas.

A agressividade coletiva era descarregada em primeiro lugar sobre os estrangeiros, os viajantes, os marginais e todos aqueles que não se integraram bem a uma comunidade (judeus, leprosos, indivíduos provenientes de outros lugares).

A Peste Negra surgiu numa atmosfera já carregada de antissemitismo. De início suspeitos de querer dizimar os cristãos pelo veneno, em seguida os judeus foram bem rapidamente acusados de ter semeado o contágio por meio desses envenenamentos. 

Ocorreram diversos pogroms na Espanha e em outras partes da Europa, onde os judeus eram cada vez mais vistos como os maiores responsáveis pela "morte negra".

Adaptado de DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente 1300-1800. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 201-220.