“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Mediterrâneo Ocidental, 600-221 a.C.

sábado, 29 de junho de 2019

Moeda de Siracusa de 344-317 a.C., época de Timoleonte. No reverso, a figura mitológica do Pégaso.

1. Entre os séculos VIII e VII a.C. os gregos haviam se estabelecido ao longo do litoral da Itália, desde Tarento e até pontos tão setentrionais quanto Ísquia e Cumas (à exceção de Marselha). Os gregos também haviam ocupado o litoral leste e sul da Sicília. Por volta de 600 a.C., estabeleceram uma colônia em Massília (Marselha). Acragante (Agrigento), estabelecida no litoral meridional da Sicília em 580 a.C., foi o último estabelecimento colonial grego importante no Ocidente.   

2. Os cartagineses, por sua vez, haviam adquirido o Estreito de Gibraltar, o qual bloquearam à navegação grega. Além disso, os cartagineses e demais fenícios das colônias haviam cooperado com sucesso com os etruscos para impedir que os gregos unissem suas colônias sicilianas e italianas a Marselha. Isso foi possível porque os cartagineses adquiriram o controle da Sardenha e da Córsega. 
  
3. Os sírios-fenícios foram atacados pela retaguarda pelo Império Assírio e, depois, pelo Império Neobabilônico. Desde cerca de 600 a.C., os gregos asiáticos foram progressivamente atacados e conquistados, primeiro pelos lídios e, depois, pelos persas. Os cartagineses estavam separados de seus aliados etruscos pelo controle mantido pelos gregos sobre os litorais da Sicília e Itália meridional. Não obstante, os gregos ocidentais estavam na defensiva por volta de 500 a.C. - uma das razões de sua fraqueza era sua luta fratricida. Os gregos continuaram a ser os inimigos mais destruidores uns dos outros até que sua sujeição a Roma forçou-os finalmente a coexistirem em paz.    

4. Entre 505 e 491 a.C., surgiu um principado grego siciliota no sudeste da Sicília, com capital em Siracusa. Ele foi construído mediante métodos brutais. Entre 488 e 483 a.C., um segundo principado grego siciliota expandiu-se através da Sicília, do litoral sul ao norte, mediante a anexação, de Hímera a Agrigento. Tais estruturas políticas dos gregos siciliotas impediram que a aliança etrusco-cartaginesa subjugasse os gregos ocidentais, dois séculos antes que os romanos o fizessem.    

5. Em 480 a.C., os cartagineses responderam a esse segundo passo greco-siciliota, invadindo a Sicília em massa. Nesse mesmo ano ocorreu a invasão persa da Grécia europeia continental. É improvável que as duas invasões não tenham sido combinadas. Os fenícios das colônias estavam em estrito contato com os sírios-fenícios, e estes, além de serem súditos dos persas, também eram rivais comerciais dos gregos e, portanto, beneficiar-se-iam caso os gregos fossem esmagados. No entanto, em 480 a.C., a aliança Siracusa-Agrigento e a aliança Esparta-Atenas venceram de forma arrasadora os cartagineses e os persas, respectivamente.     

6. Nos dois séculos seguintes, os estados gregos ocidentais continuaram em guerra entre si - Siracusa contra Reggio e Crotona, e esses dois contra o Lócris Epizefiriano, que ficava encravado entre ambos. Os estados gregos ocidentais eram sócios dos gregos orientais, e uns se envolviam nas disputas políticas dos outros, dos dois lados do Estreito de Otranto. Assim, os gregos ocidentais envolveram-se na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), o que culminou no ataque ateniense a Siracusa, em 415-413 a.C. A aventura terminou de forma desastrosa para Atenas, mas também para os siciliotas vitoriosos. A exaustão destes estimulou os cartagineses a retornarem à ofensiva na Sicília, em 409 a.C. Dessa data até 275 a.C., Cartago e Siracusa repetidamente lutaram entre si, sem chegar a um resultado conclusivo.     

7. Os gregos siciliotas aceitavam déspotas sempre que se encontravam em risco de serem conquistados pelos cartagineses. Assim que a ameaça cartaginesa era afastada, eles derrubavam seus déspotas. Ainda que a Sicília constituísse uma boa base para um domínio naval das águas das duas bacias do Mediterrâneo, uma Sicília unida, por si só, não teria sido forte o bastante para dominar todo o Mediterrâneo e seu perímetro. Isso só seria factível por uma potência que combinasse o ativo estratégico de controlar a Sicília a um controle dos recursos demográficos e econômicos da Itália ou do noroeste da África.   

8. Os colonizadores gregos da Sicília helenizaram-na completamente. Antes do fim do século V a.C., toda a população siciliota adotara a língua grega e a instituição grega de cidades-estado. Por outro lado, na Itália, a língua grega jamais conquistou a região interior das colônias gregas. Essas próprias colônias, por sua vez, foram dominadas pelos nativos.   

9. No período de cerca de 600 a.C. a 221 a.C., a Itália continuou a ser bem mais diversificada que a Sicília em todos os planos de vida. Todavia, entre c. 340 a.C. a 264 a.C., toda a península itálica foi unida politicamente por Roma. O sucesso romano em unir a Itália permitiu-lhe prosseguir até unificar toda a bacia mediterrânica. Roma não foi a primeira potência a tentar unir politicamente a Itália, mas foi a primeira bem-sucedida, ainda que com grandes dificuldades.

10. A primeira tentativa no sentido de unir politicamente a Itália partiu dos etruscos, por volta de 550 a.C. a 423 a.C. No século VI a.C., eles tomaram Fidenae e Roma, e em seguida ocuparam as terras baixas até Cumas. Avançaram pelo passo que leva de Faesulae a Felsina (Bolonha) e desenvolveram o potencial de riqueza agrícola da bacia do Pó. Por volta de 525 a.C., parecia que os etruscos iriam unir, sob seu governo, não apenas a península itálica, mas também a bacia do Pó. Todavia, fracassaram quando tentaram tomar Cumas (524 a.C.) e perderam o controle sobre o Lácio e Roma entre c. 509 e 474 a.C. Foram derrotados para os siracusanos (474 a.C.); tiveram a maioria de suas colônias na bacia do Pó devastada pelos celtas (gauleses), entre c. 450 a.C. e 350 a.C.; em 423 a.C., perderam Cápua para os montanheses oscos do interior da Campânia (esses mesmos tomaram Cumas aos gregos, em 421 a.C.).  

11. Os etruscos fracassaram politicamente pelas mesmas razões que os gregos (pelo menos os estados etruscos não se destruíram mutuamente, como fizeram os estados greco-italiotas). Ao contrário dos fenícios das colônias, os etruscos não estavam dispostos a se colocar sob um comando unitário. Sua expansão foi obra de cidades-estado isoladas ou mesmo líderes isolados de bandos de aventureiros militares. Finalmente, os estados etruscos deixaram-se subjugar, um a um, por Roma. 

12. Por volta de 344 a.C., a situação dos gregos era tão desesperadora que eles começaram a pedir socorro a seus compatriotas do lado leste do Estreito de Otranto. O primeiro dos seis "salvadores" gregos orientais que responderam aos apelos dos gregos do Ocidente, entre 344 a.C. e 280 a.C., foi Timoleonte, cidadão de Corinto. Foi o mais bem-sucedido, chegando a estabelecer regimes democráticos moderados em Siracusa e nos outros estados greco-siciliotas. Entretanto, sua obra na Sicília não sobreviveu ao período em que atuou (344 a.C. a 337 a.C.).

13. O último e menos eficiente dos "salvadores" foi o rei Pirro do Epiro, que fez campanhas na Itália contra os romanos, a convite dos tarentinos, e na Sicília, contra os cartagineses. Ele se beneficiou do fracasso de romanos e cartagineses em se auxiliarem mutuamente no campo militar e naval, contra o inimigo comum. Mas Pirro afinal fracassou devido à inadequação de seus recursos e à sua própria volubilidade pessoal. Em 272 a.C., não apenas Taras, mas também as confederações samnita, lucaniana e brutiana capitularam diante de Roma. Em 264 a.C., Roma completou a unificação política da península itálica.    

14. O sucesso de Roma deveu-se à habilidade política de seus nobres e à educação helênica, que amadureceu tal habilidade. Inicialmente, os romanos se helenizaram indiretamente, através dos governantes e dos residentes etruscos. Aliás, os etruscos transformaram Roma, por volta de 550 a.C., até então um agrupamento de aldeias pastoris, numa cidade-estado de tipo etrusca. Tal transformação política, associada à cultura romana, atraíam a Roma povos que ainda se encontravam no estágio de pré-cidade-estado. A sujeição de Roma a déspotas etruscos de c. 550 a.C. a 509 a.C. (ou, talvez, até c. 474 a.C.) fez de Roma uma cidade-estado e deu-lhe um império em miniatura sobre suas companheiras latinas. 

A seguir à influência etrusca, os romanos helenizaram-se diretamente, mediante um relacionamento com Cumas, o qual se estendeu progressivamente ao resto do Mundo Helênico.  
  
15. Em 264 a.C., Roma havia unido toda a Itália peninsular. Porém, na Primeira Guerra Púnica (264-241 a.C.), houve baixas numa escala sem precedentes na história bélica da bacia mediterrânica. Aníbal já estava, portanto, decidido a vingar a derrota de Cartago nesse conflito. Em 221 a.C., portanto, a situação da bacia mediterrânica ocidental era tão inconclusiva quanto a bacia oriental do Mediterrâneo.    
  
Bibliografia consultada: TOYNBEE, Arnold. A Humanidade e a Mãe-Terra - Uma História Narrativa do Mundo. Tradução de Helena Maria C. M. Pereira e Alzira S. da Rocha. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 293-306.

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