“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos As Guerras da Religião

domingo, 2 de junho de 2019

Massacre de Vassy, impressão de Hogenbergo, final do século XVI.

1. Na segunda metade do século XVI, os conflitos dominaram a história da frança. A monarquia era fraca, o calvinismo despontava no país, sendo a mola que desencadeava o mecanismo da revolta, e os tempos eram propícios a agitações e mudanças. Só no fim do reinado de Francisco I (1515-1547) o protestantismo foi reprimido com mais rigor, o que foi seguido por seu filho Henrique II, mas este faleceu em 1559. Francisco II, um moço débil, era dominado por seus tios da Casa de Guise. Seu irmão, Carlos IX, assumiu o trono aos dez anos. 

2. Carlos IX morreu em 1574, no mesmo ano em que seu irmão Francisco tornou-se duque de Anjou. O irmão mais velho, Henrique III, era o menos dependente de Catarina de Médicis, sua mãe, do que qualquer dos seus irmãos. Desde o extravagante Francisco I, as finanças reais eram suportadas de forma crescente por empréstimos de curto prazo, e Henrique II praticamente declarara a bancarrota. As guerras religiosas só aumentavam as despesas. 
  
3. Uma monarquia enfraquecida e insolvente era presa fácil das facções da corte. Dentre as principais famílias, destacavam-se a católica casa Lorena de Guise, chefiada por Francisco, duque de Guise, e Carlos, cardeal de Lorena; os Bourbons, ainda mais ligados à casa real, tinha huguenotes como seus príncipes mais importantes e eram liderados por Luís, príncipe de Condé; finalmente, a família Montmorency estava dividida quanto à religião - o chefe, o condestável Anne de Montmorency, era um fervoroso católico; Gaspar de Coligny, odet e Francisco d'Andelot, no entanto, seus sobrinhos, eram sinceros huguenotes.   

4. Todos os grupos da sociedade estavam impregnados dum descontentamento crescente. A alta nobreza, dividida em facções, tornara-se ingovernável. A pequena nobreza sofria os efeitos da subida dos preços, da divisão das suas terras entre numerosos filhos e, após as guerras da Itália, da ausência de ocupação. Esses nobres estavam dispostos a tirar proveitos da guerra civil. Esperavam tomar as terras da Igreja.    

5. Devido à Revolução dos preços do século XVI, muitos nobres tiveram que vender suas terras a burgueses ricos. Estes valeram-se da mudança de proprietário para extorquirem rendas mais elevadas aos seus rendeiros. Exceto em momentos de desespero, os camponeses limitavam-se a ser "vítimas apáticas" da soberba carga fiscal que lhes era imposta. Portanto, na França do século XVI faltava estabilidade financeira, política e social.     

6. A Concordata de Bolonha de 1516 colocou praticamente todos os altos cargos eclesiásticos sob o padroado do rei francês, habilitando-o a utilizá-los como recompensas ou subornos. Assim, o galicanismo foi reforçado. Apesar disso, o movimento reformista francês avançou inicialmente com grande lentidão. Seu primeiro líder foi Jacques Lefévre, convertido à ideia luterana da justificação após ler as epístolas de Paulo.       

7.  A Reforma francesa foi principalmente erasmiana e luterana, mas faltou-lhe intensidade emotiva e apelo social. Além de alguns eruditos, durante algum tempo, até Margarida, irmã de Francisco I, aderiram a ela. O Estado francês, aliado da Igreja Católica, não podia ignorar o lento desenvolvimento do protestantismo. Inicialmente, a perseguição foi mais esporádica que persistente. Jean Leclerc e Luís Berquim foram executados em 1525 e 1529, respectivamente. O protestantismo carecia de um chefe, uma mensagem enérgica e uma organização eficaz, justamente o que o calvinismo veio a lhe proporcionar.

8. O "lar espiritual" de Calvino era a França, e ele originalmente dedicou a sua Instituição da religião Cristã ao rei Francisco I. Sem obter o apoio do rei, o calvinismo voltou-se para os adversários hereditários da Coroa - os nobres. Estes então obtiveram a justificação doutrinária para a rebelião que acalentavam.  

9. A difusão do calvinismo coincidiu com a adoção de uma política mais repressiva pelo Estado francês. Apesar disso, o calvinismo expandiu-se rapidamente em toda a França. Espalhando-se das cidades universitárias ao longo dos vales dos rios, ele contava com protetores de alto escalão (por exemplo, os já citados Gaspar de Coligny e Francisco d'Andelot). Antônio, rei de Navarra, e Condé, também se converteram. O calvinismo expandiu-se por pequenos grupos na França, tornando-se um imperium in imperio, o que nenhum governo poderia tolerar por muito tempo.

10. Com alguns intervalos, as Guerras da Religião na França duraram de 1562 a 1598. O calvinismo ameaçava tanto o poder do rei como a supremacia religiosa da Igreja. A ascensão de Francisco II, em 1559, detonou o início da luta civil. O novo rei apoiava-se na facção de Guise. Em reação, os protestantes liderados por Luís, príncipe de Comdé, La Renaudie e outros nobres de menor status planejaram apoderar-se do rei e dos Guises e convocar os Estados Gerais (março de 1560). Calvino não apoiou o uso da violência, e a conjura falhou, deixando a impressão de que os huguenotes estavam mesmo envolvidos com a sedição.  

11. O novo rei, Carlos IX, ainda não completara dez anos. Sua mãe. Catarina, tornou-se a regente após conciliar os Bourbons e os Guises. No entanto, ela subestimou os huguenotes e esperava solucionar tudo através dum Concílio Geral da Igreja francesa. A reconvocação do Concílio de Trento, todavia, obrigou-a a modificar suas intenções. Em janeiro de 1562, Catarina autorizou os huguenotes a praticarem livremente o seu culto nos subúrbios das cidades e nas zonas rurais. No dia 1º de março daquele ano, a escolta do duque de Guise matou 30 huguenotes que promoviam uma cerimônia dentro de um celeiro, na cidade de Vassy.

12. Recusando o apelo da rainha para proteger o rei, Condé rompeu as hostilidades assim que a notícia do massacre de Vassy chegou a Paris. Assim, Catarina e Carlos IX foram "empurrados" para os braços do triunvirato de nobres chefiado pelo duque de Guise. Na primeira guerra religiosa, dois dos triúnviros morreram em combate e o duque de Guise foi assassinado por um huguenote. Condé e Montmorency foram presos pelas tropas um do outro. Catarina saiu então fortalecida, e foi celebrada a Pacificação de Ambroise (março de 1563), dando liberdade de consciência aos huguenotes, ainda que seu direito de culto fosse seriamente restringido.

13. Os anos entre 1563 e 1567 foram assolados pela inquietação e crescente violência. A rainha-mãe convencera-se de que a França deveria ser um país fundamentalmente católico, mas sem restabelecer o poderio dos Guises. Os huguenotes ficaram alarmados, e Condé tentou, sem sucesso, apoderar-se do rei durante as festas de S. Miguel em Meaux (1567). A essa frustrada tentativa seguiu-se o recomeço das hostilidades. A segunda guerra terminou em março de 1568, com a confirmação do acordo de Ambroise. A terceira guerra foi marcada pela selvageria de ambos os lados e terminou com a Paz de Saint Germain (agosto de 1570), negociada por Catarina e muito criticada pelos católicos.   

14.  Coligny passou a exercer uma influência crescente sobre o rei, e ele pretendia levar a França a uma guerra contra a Espanha. Decepcionada, a rainha decidiu então aproveitar-se do desejo de vingança dos Guises contra Coligny. Paris estava então repleta de huguenotes por causa do casamento de seu chefe, Henrique de Navarra, com Margarida de Valois. No dia 22 de agosto de 1572, Coligny sofreu um atentado. Tudo apontava para a cumplicidade dos Guises. Persuadindo o rei de que os huguenotes irritados planejavam assassiná-lo, Catarina obteve seu consentimento para a matança geral de todos os huguenotes que estavam em Paris. Assim se deu o Massacre da Noite de São Bartolomeu (24 de agosto de 1572).
  
15. Henrique de Navarra e Condé escaparam após professarem o catolicismo. Coligny e milhares de outros protestantes foram massacrados. As potências católicas, no geral, saudaram Catarina com hinos de alegria. O imperador e alguns dos príncipes católicos alemães, no entanto, desaprovaram o massacre. O moral huguenote permaneceu excepcionalmente elevado; a guerra recomeçou e só terminou com a Paz da Rochela (julho de 1573). Só em 1576, com a Paz de Monsieur, a Coroa rejeitaria a política do dia de S. Bartolomeu.     
  
Bibliografia consultada: GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 279-294.

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