terça-feira, 10 de setembro de 2013
Ontem o Programa Roda Viva (TV Cultura) entrevistou o jornalista metido a historiador Laurentino Gomes (detalhe: na bancada só haviam jornalistas!). A 1ª parte da entrevista pode ser vista AQUI.
Talvez motivado por essa entrevista, alguém me perguntou o que achava sobre o fato de jornalistas escreverem livros supostamente históricos. Resolvi transformar a resposta no meu 40º post.
Há vantagens e desvantagens na publicização do passado levada a cabo pelos jornalistas. É notório que a divulgação dos fatos históricos aguça a curiosidade do grande público e dissipa parte de sua ignorância. Mas jornalistas como Eduardo Bueno e Laurentino Gomes não escrevem História. Eles próprios reconhecem-no. Como afirmou Jacques Le Goff, no prefácio de Apologia da História (de Marc Bloch): "... mesmo os melhores jornalistas permanecem 'colados' ao acontecimento." Note esse "vício" jornalístico em trecho do livro 1822, de Laurentino Gomes:
O destino cruzou o caminho de D. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância. Ao se aproximar do riacho Ipiranga, às 16h30 de Sete de setembro de 1822, o príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor de barriga. A causa dos distúrbios intestinais é desconhecida. Acredita-se que tenha sido algum alimento mal conservado ingerido no dia anterior em Santos, no litoral paulista, ou a água contaminada das bicas e chafarizes que abasteciam as tropas de mula na Serra do Mar. Testemunha dos acontecimentos, o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, subcomandante da guarda de honra e futuro Barão de Pindamonhangaba, usou em suas memórias um eufemismo para descrever a situação do príncipe. Segundo ele, a intervalos regulares, D. Pedro se via obrigado a apear do animal que o transportava para 'prover-se' no denso matagal que cobria as margens da estrada.
Outro livro do Laurentino, escrito antes mesmo de 1822, foi 1808.
Seu colega, Eduardo Bueno, certa vez disse descaradamente que o seu trabalho era "encantar o cliente" (note a semelhança com os antigos logógrafos gregos). Já o trabalho do historiador, como estabelecido na Antiguidade, é ser fiel à verdade histórica. O jornalista é um pragmático, "refém do cliente; como precisa de retorno financeiro imediato, seu tom é necessariamente sensacionalista e factual. O historiador é um cientista da História, daí ter que carregar o "peso" da erudição.
Por outro lado, parte do sucesso desses jornalistas "contadores de histórias" deve-se ao vácuo deixado por nós, historiadores. No mesmo livro supracitado, Marc Bloch falou do dever que o historiador tem de "saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos estudantes." Temos que divulgar os nossos conhecimentos! Particularmente, tenho esse projeto, e pretendo levá-lo a cabo não só através da escrita, mas também através do lúdico, razão pela qual formei uma coleção de soldados de chumbo da Antiguidade.
Sócrates estabeleceu o princípio da educação ocidental na fórmula "Só sei que nada sei.' Mas os nossos "jornalistas-cronistas" parecem ignorá-lo (aliás, esse parece ser o "pecado" mais recorrente dos jornalistas em geral - achar que sabem de tudo!). Em entrevista ao Correio Braziliense (28/10/2010), Laurentino Gomes disse que já não precisava de consultoria de historiadores. Genial! Mesmo os historiadores mais renomados, antes de publicarem os seus trabalhos, não dispensam leituras e críticas, das mais diversas origens.
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