“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Os Cem Anos de um Genocídio

sexta-feira, 24 de abril de 2015

                Há cem anos, no então Império Turco Otomano, ocorreu um dos primeiros genocídios do século XX. Cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos, e milhões de outros foram expulsos, provocando uma enorme diáspora. Atualmente, armênios do mundo inteiro lutam para que a tragédia do seu povo seja reconhecida.
            Os armênios foram os primeiros a adotarem o cristianismo como religião oficial de Estado, em 301. A partir do século V, o reino armênio foi controlado por diversos impérios, como o Sassânida, o Mongol e o Otomano. Por séculos os armênios viveram no Império Otomano ao lado de turcos, curdos e outros povos.
            No final do século XIX, surgiu uma coalizão no enfraquecido Império Otomano - os Jovens Turcos. Eram adeptos do panturquismo (a união dos povos de origens turcas). Os armênios, povo não turco e cristão, passou a ser um obstáculo ao panturquismo. Vítimas de uma dura discriminação durante o reinado do sultão Abdul-Hamid II (1876-1908), os armênios passaram a reivindicar maiores direitos. Em retaliação, cerca de 300 mil deles foram massacrados.
            Em 1908, o fragilizado sultão foi deposto pelos Jovens Turcos, que organizaram-se no Comitê União e Progresso. Membros da cúpula deste órgão elaboraram um plano secreto que veio a ser implementado no início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A princípio a população armênia seria desarmada; seus líderes e intelectuais seriam destituídos. Depois, os homens seriam exterminados e, os demais, enviados em "caravanas para a morte".
            No dia 24 de abril de 1915 (o "Domingo Vermelho"), intelectuais e líderes da comunidade armênia foram capturados, no contexto do plano acima mencionado. Era o início da série de atrocidades que exterminaram 1,5 milhão de armênios. Portanto, por seu simbolismo, 24 de abril tornou-se o Dia da Memória do Genocídio Armênio.
          O governo turco, que nunca reconheceu o genocídio, encobriu muitos dos vestígios da barbárie. Por exemplo, como muitos armênios foram mortos por inanição, a culpa foi transferida para as circunstâncias difíceis da guerra. Por isso, e também devido ao desinteresse por uma minoria étnica como os armênios, a memória da mortandade sempre foi fraca no Ocidente.
            Por outro lado, os historiadores têm o dever de lembrar aquilo que os outros esquecem, pois "aqueles que não podem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo" (Santayana). A "amnésia" ocidental sobre o genocídio armênio mostrou-se terrível em 1939, uma semana antes da invasão da Polônia pelos alemães. Nessa ocasião, Adolf Hitler ordenou aos seus oficiais "matar sem piedade ou misericórdia todos os homens, mulheres e crianças de raça ou idioma polonês." A fim de animá-los, concluiu com o questionamento: "Quem, hoje em dia, ainda fala sobre o extermínio dos armênios?"
            O drama dos armênios é semelhante ao de muitos outros cristãos que ainda hoje são perseguidos no Oriente. O sofrimento de uns e outros é ignorado pelo mundo, e especialmente pela imprensa ocidental.
            Cumprindo o seu dever, o Vaticano reconhece o genocídio armênio. E o papa Francisco, no último dia 12 de abril, foi o primeiro líder católico a mencionar publicamente o termo "genocídio" ao falar do triste acontecimento. Sem temer os protestos da Turquia - diferentemente do governo dos Estados Unidos - o papa disse que "esconder o mal é como permitir que uma ferida continue a sangrar sem se tratar dela".
          Para que o "mal" não permaneça encoberto, a comunidade armênia no Brasil, composta por cerca de 100 mil pessoas, promove diversos eventos desde o dia 13 de abril. Espera-se que o centenário do genocídio armênio leve o governo brasileiro a finalmente reconhecer um dos genocídios mais desconhecidos do século XX. E que tais crimes contra a humanidade nunca mais se repitam.

Publicado no jornal A Tribuna (24/04/2015).

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