sexta-feira, 5 de abril de 2019
1. A ideia de democracia, de participação popular nos destinos da coletividade, de soberania do povo, de liberdade do indivíduo, teve origem na Antiguidade greco-romana e inspirou os primeiros pensadores que se ocuparam do tema da cidadania Esses pensadores, no entanto, construíram uma imagem idealizada e falsa da cidadania antiga.
2. No que diz respeito à cidadania, não houve um desenvolvimento progressivo que uniu o mundo contemporâneo ao antigo. A cidadania nos Estados-nacionais contemporâneos é um fenômeno singular na história. O mundo greco-romano se estruturava como cidades-estado, e não como os Estados-nacionais de nossa época. As cidades-estado diferiam-se muito entre si. A maioria delas abrigou apenas alguns milhares de habitantes, quase todos envolvidos com o meio rural.
3. A história das cidades-estado circunscreve-se às margens do Mar Mediterrâneo. Nesse mar, entre os séculos IX e VIII a.C., desenvolveu-se um intenso intercâmbio de pessoas, bens e ideias. Os impérios guerreiros do oriente Médio buscavam o ferro, que então difundiu-se pelo Mediterrâneo, juntamente com a arquitetura em pedra, as construções monumentais, a fabricação de artigos de bronze, o uso de metais preciosos, a escrita alfabética e o cavalo de guerra.
4. O crescimento demográfico foi visível em todo o Mediterrâneo, e gregos e fenícios fundaram colônias por toda a parte, levando consigo a cidade-estado, uma forma de organização social peculiar. As cidades-estado difundiram-se pela bacia mediterrânica a partir de seus núcleos originais (Grécia continental, Ásia Menor e Fenícia). Nos séculos seguintes, o Império Romano representou um modelo vitorioso, em contínua expansão, de um modo de organização da coletividade humana.
5. O que era, precisamente, a "cidade-estado"? O termo referia-se, em primeiro lugar, a um território agrícola composto por uma ou mais planícies de variada extensão. Um fator primordial na história das cidades-estado foi o desenvolvimento da propriedade privada da terra. Os principais produtos eram o trigo, o azeite e o vinho. A apropriação da terra não era mediada nem por relações de linhagem e nem por palácios ou templos, como no Oriente Próximo.
6. Em suma, as cidades-estado formavam "associações de proprietários privados de terra." Mas só membros da comunidade tinham acesso à terra. Os conflitos internos das cidades-estado foram intensos e crescentes, sendo resolvidos comunitariamente, por mecanismos públicos. Aí está a origem mais remota da política e do Estado (aqui entendido como a expressão da comunidade).
7. O espaço público e o Estado primeiramente foram um espaço de poder, de decisão coletiva. Os conselhos de anciãos ou simplesmente de "cidadãos", assembleias com atribuições variadas, magistraturas e, posteriormente, tribunais. Foi o espaço de uma lei comum (norma escrita, fixa, publicizada e coletiva). O culto comum a divindades de cada cidade-estado, festividades coletivas, matrimônio geralmente endogâmico, direito de comerciar bens imóveis e móveis também eram abarcados pelo espaço público.
8. Um exército comum garantia a defesa do território e sua expansão. O núcleo urbano da cidade-estado congregava o que era comum por excelência: os templos, a praça do mercado (também lugar de assembleia comunitária), o porto, as oficinas, as lojas e uma acrópole.
9. A unidade das cidades-estado foi construída ao longo do tempo, a partir de populações sem unidade étnica ou racial. Assim, a identidade comunitária foi criada e recriada - cultos comuns, moeda cívica, língua, leis e costumes coletivos foram fundamentais nesse processo. Seus habitantes tendiam a apresentar-se como derivados de um ancestral comum, de uma divindade, herói ou grupo de famílias originárias.
9. A unidade das cidades-estado foi construída ao longo do tempo, a partir de populações sem unidade étnica ou racial. Assim, a identidade comunitária foi criada e recriada - cultos comuns, moeda cívica, língua, leis e costumes coletivos foram fundamentais nesse processo. Seus habitantes tendiam a apresentar-se como derivados de um ancestral comum, de uma divindade, herói ou grupo de famílias originárias.
10. A cidadania antiga transmitia-se, idealmente, por vínculos de sangue. Entre os séculos VIII e V a.C., no entanto, muitas comunidades mostraram-se permeáveis à incorporação de estrangeiros. A cidadania podia ser conferida individualmente, em todas as épocas, como homenagem a um personagem importante ou retribuição a um favor prestado à coletividade.
11. No século V a.C., Atenas fechou-se quase completamente - só eram cidadãos os filhos de pai e mãe atenienses. Roma, por outro lado, permaneceu mais aberta durante toda a sua história. Por exemplo, as cidades submetidas na Itália foram unidas a um amplo sistema de alianças e, depois (89 a.C.), receberam a plena cidadania. Internamente, os escravos libertos eram integrados ao corpo de cidadãos.
11. No século V a.C., Atenas fechou-se quase completamente - só eram cidadãos os filhos de pai e mãe atenienses. Roma, por outro lado, permaneceu mais aberta durante toda a sua história. Por exemplo, as cidades submetidas na Itália foram unidas a um amplo sistema de alianças e, depois (89 a.C.), receberam a plena cidadania. Internamente, os escravos libertos eram integrados ao corpo de cidadãos.
12. Muitos habitantes do próprio território das cidades-estado participavam da sociedade com seu trabalho e recursos, mas não se integravam ao conjunto dos cidadãos. Cidades como Esparta, Atenas ou Roma abrigavam vasta população não-cidadã, tais como:
1º) Estrangeiros domiciliados;
2º) Grupos submetidos em bloco ao domínio e controle da comunidade cidadã (por exemplo, hilotas e periecos de Esparta). Ao contrário dos estrangeiros domiciliados, essas comunidades estavam em permanente conflito com a cidade-estado;
3º) Escravos. Eram regidos por regras privadas. Nas cidades mais ricas, formavam um terço ou mais da população.
13. As disputas internas marcaram a história das cidades-estado. Os fatores que controlaram, nas cidades-estado antigas, o ritmo e a evolução de seus conflitos internos foram a concentração de riquezas e a participação no exército comunitário. As cidades-estado eram comunidades guerreiras, em luta permanente e, em sua maioria, controladas pela classe guerreira. A guerra era um fato cotidiano até a imposição da "paz romana".
14. O desenvolvimento do comércio na bacia mediterrânica, sobretudo a partir do século VII a.C., o aparecimento da moeda e o consequente desenvolvimento dos núcleos urbanos rompeu o exclusivismo aristocrático e possibilitou a abertura do espaço político para camadas mais amplas da população. Além disso, a liberdade individual foi garantida aos membros da comunidade, leis escritas foram publicadas, o exército citadino foi reorganizado e a guerra passou a se basear no confronto entre formações cerradas de combatentes.
15. Assim, essas cidades entraram no seu período clássico. Algumas transformaram-se em oligarquias, ao passo que outras desenvolveram, progressivamente, formas mais abertas de participação no poder - a democracia. A mais famosa de todas as democracias antigas, a ateniense, em grande parte deveu seu sucesso ao império formado após as guerras contra os persas. Foi em Roma, que deixou de ser uma cidade-estado ao unificar todas as cidades-estado e toda a bacia do Mediterrâneo, que a cidadania era mais aberta do que a regra geral.
Bibliografia consultada: GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-Estado na Antiguidade Clássica. In: PINSKY, Carla B. & PINSKY, Jaime (orgs.). História da Cidadania. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005, p. 29-47.
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