“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Um Duelo Medieval

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Em Nablus, ele [o cronista árabe Osama] conta, tive a ocasião de assistir a um curioso espetáculo. Dois homens deviam se enfrentar em combate singular. O motivo era o seguinte: bandidos muçulmanos tinham invadido uma aldeia vizinha e se suspeitava que um cultivador lhes servira de guia. Ele fugira, mas logo precisara voltar, pois o rei Fulque mandara prender seus filhos. "Trate-me com equidade", pedira o cultivador, "e permita que eu enfrente aquele que me acusou." O rei dissera então ao senhor que recebera a aldeia como feudo: "Traga o adversário". O senhor escolhera um ferreiro que trabalhava na aldeia, dizendo-lhe: "É você que lutará em duelo". O possuidor do feudo não queria que um de seus camponeses fosse morto, com medo de que seus cultivos fossem prejudicados. Vi então esse ferreiro. Era um jovem forte, mas que, ao caminhar ou se sentar, sempre sentia necessidade de pedir algo para beber. O acusado, por sua vez, era um velho corajoso que estalava dedos em sinal de desafio. O visconde, governador de Nablus, se aproximou e deu a cada um uma lança e um escudo, fazendo com que os espectadores ficassem em círculo em volta deles.

A luta começou, continua Osama. O velho empurra o ferreiro para trás, na direção da multidão, depois voltava para o meio da arena. Houve uma troca de golpes, tão violenta que os rivais pareciam formar uma única coluna de sangue. O combate se prolongou, apesar das exortações do visconde, que queria apressar seu desfecho. "Mais rápido!", ele gritava. Por fim, o velho ficou exausto, e o ferreiro, tirando proveito de sua experiência em manejar o martelo, acertou-o com um golpe que o derrubou e o fez soltar a lança. Depois, ele se agachou sobre ele para enfiar os dedos em seus olhos, mas não conseguiu por causa do sangue que jorrava. O ferreiro se levantou e matou o adversário com um golpe de lança. Imediatamente, amarram ao pescoço do cadáver uma corda com a qual o arrastaram até o cadafalso, onde o enforcaram. Veja, através deste exemplo, como é a justiça dos franj [cruzados]!

MAALOUF, Amin. As Cruzadas vistas pelos árabes. Tradução de Julia da Rosa Simões. São Paulo: Vestígio, 2024, p. 148-150.

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