“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«A Classe Dirigente da Judéia», de M. Goodman

quarta-feira, 12 de agosto de 2015


Profundamente familiarizado com os textos judaicos, latinos e gregos, o Dr. Martin David Goodman examinou nesse livro as razões da revolta da província da Judeia contra Roma entre os anos 66 e 70 d.C. (muito embora o último bastião de resistência judaica, em Massada, só foi conquistado em 73 ou 74). O livro foi traduzido por Alexander e Elizabeth Lissovsky e publicada no Rio de Janeiro pela Imago, em 1994.

O objetivo de Goodman é explicar a rebelião em si, bem como o seu sucesso temporário. Sua intenção é demonstrar que o embargo econômico e a ideologia religiosa não constituíam motivos suficientes para a irrupção da revolta, e que o fator crucial foi a decisão de algumas facções da classe dirigente de romper laços com Roma e de buscar o poder isoladamente. A seguir, como tenho feito em minhas indicações bibliográficas, apresentarei um resumo de um trecho da obra (que, no caso, trata-se da introdução).

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No ano 6 o imperador Augusto criou a província da Judeia, submetendo a parte central do domínio outrora governado pelo rei judeu Herodes. Goodman explica que, dessa data até a explosão da revolta, no ano 66, ocorreram muitas crises no relacionamento da população judaica com o governo romano. "As principais queixas eram contra alegadas violações das suscetibilidades religiosas judaicas" (p. 15).

No ano 41 o imperador Cláudio foi bem-sucedido temporariamente ao restaurar a paz ao dar ao rei Agripa I, neto de Herodes, o controle do culto de Jerusalém e da Judeia. Em 44, com a morte de Agripa I, a província retornou ao controle direto de Roma. "Em poucos anos, contudo, as dificuldades na província agravaram-se palpavelmente" (p. 16)"O incidente que finalmente desencadeou a revolta surgiu da hostilidade de longa data entre os judeus e os não judeus locais na cidade litorânea de Cesaréia." Os judeus cesareianos frequentemente clamavam à autoridade romana por mais direitos e no ano de 60, Nero julgou a favor dos não-judeus, o que culminou em um tumulto (p. 17).

O governador romano na Judeia abafou tal distúrbio com forte preconceito antijudaico. Houve derramamento de sangue. Em resposta, alguns sacerdotes do Templo suspenderam os sacrifícios que eram oferecidos ao imperador. Isso era interpretado como rebelião e Céstio Galo marchou com três legiões para contê-la, sofrendo uma desastrosa derrota após sua retirada das proximidades de Jerusalém. Em seguida, Nero enviou à Judeia o general Vespasiano, um dos seus comandantes mais experientes. Era o início da Guerra Judaica, a qual é objetivo do livro as causas (p. 17).

A seguir, Goodman lista as cinco explicações de Josefo para a rebelião da Judeia: 

1ª) A incompetência e a malignidade dos governadores romanos, considerada para o escritor uma causa fundamental da revolta (p. 17);

2ª) A opressão do domínio romano -
O problema era muito anterior aos ruins governadores romanos. Existia uma hostilidade judaica de longa data ao domínio romano e a convicção de muitos judeus de que aquele regime era, em sua essência, opressivo (p. 23).
Em meados do séc. II a.C., o Estado judeu da Judeia, liderado pelos macabeus, se libertou do reino dos selêucidas. Se é que houve um tratado formal entre Roma e esse novato Estado, ele deve ter caducado em 63 a.C. Neste ano, Pompeu conquistou a Síria e instalou um monarca fantoche hasmoneu (dinastia descendente dos macabeus) na Judeia. A seguir, esse general romano conquistou Jerusalém e granjeou o infinito ódio judaico ao massacrar muitos defensores da cidade, escravizar milhares de outros e, pior, profanar o Templo.

"A hostilidade gerada por esse infeliz primeiro contato entre os judeus e o poderio da Roma republicana agravar-se-ia no quarto de século seguinte" (p. 23).

Os judeus se vingaram de Pompeu apoiando César na guerra civil de 49 a.C. Como César saiu vitorioso, eles foram recompensados com um tratamento mais favorável. Após a morte de César, Cássio chegou a vender os habitantes de quatro pequenas cidades para custear a guerra civil contra o segundo triunvirato (formado por Otávio, Marco Antônio e Lépido) (idem).

3ª) Suscetibilidades religiosas judaicas -

"É característico que a maior hostilidade dos judeus a Roma fosse assim direcionado contra ataques à sua herança religiosa." A oposição ao helenismo estava clara na revolta dos macabeus contra os selêucidas (p. 25).

4ª) Tensões de classe -
A oposição aberta ao helenismo escondia hostilidades entre classes. Os judeus mais abastados geralmente eram inclinados a se comprazer com a cultura grega; por outro lado, os mais pobres eram mais conservadores (p. 26).

5ª) Desavenças com os não judeus locais -
A oposição ao helenismo pode também ter sido em parte a causa da hostilidade a gregos em Cesaréia. Os gregos locais apoiavam consistentemente o domínio romano, oferecendo-lhe, inclusive, tropas auxiliares nas lutas contras os judeus. Em troca, esses gentios recebiam um apoio proporcional de Roma (p. 27)

Nas páginas seguintes, Goodman procura matizar cada uma dessas causas apresentadas por Josefo. Por exemplo, ele lembra que existiam muitas provas de respeito romano pelo culto judaico (p. 28); sobre a acusação de o domínio romano ser opressivo, "não há motivo para supor que os impostos na Judéia fossem mais pesados que em outras partes do império romano (...)" (p. 29). Os desacordos entre judeus e não-judeus nas cidades gregas ao redor da Judeia, por sua vez, "poderiam ter continuado ilimitadamente sem ser necessário acabar em uma revolta contra o poder suserano" (p. 32).

Devido à influência de Tucídides, Josefo atribuiu a queda de Jerusalém à stasis (guerra civil). Tal ideia é reforçada pela observação do historiador romano Tácito de que, mesmo sitiados pelo inimigo no ano 70, os judeus de Jerusalém ainda estavam envolvidos em guerras civis (p. 33). Ao longo da sua análise, Goodman se propõe a mostrar que tal guerra civil foi, em parte, uma luta pelo poder no seio da classe dirigente (p. 34).

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