“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Inglaterra nos tempos de Jane Austen

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Único retrato original de Jane Austen. Aquarela de Cassandra Austen, 1810.


A notável escritora britânica Jane Austen viveu entre 1775 e 1817. Durante esse período, a Inglaterra atravessava as profundas transformações oriundas da Revolução Industrial, da qual foi pioneira. Essa primeira fase da industrialização chama a atenção dos historiadores pelo fato de ter ocorrido espontaneamente, sem a assistência governamental. Os ingleses foram os primeiros a fazer a transição da manufatura para a maquinofatura, no século XVIII. Esse pioneirismo se deveu, dentre outros fatores, ao fato de a Inglaterra ter realizado a sua revolução burguesa precocemente, no século anterior. Essa revolução limitou os poderes do rei, fortaleceu a classe mercantil e possibilitou o desenvolvimento do capitalismo no país.

Uma burguesia dinâmica tinha ao seu favor o capital acumulado através da pirataria, do corso, do comércio com outros países e com as colônias inglesas na América do Norte. Segundo Jacques Barzun, "Londres, ao contrário de outras capitais europeias, dirige o olhar para o ocidente tanto quanto para o sul e o oriente, ou mesmo mais; no século XVIII, doses iguais de preocupação e curiosidade atraíam o olhar da cidade para o ocidente longínquo, onde prosperavam as colónias estabelecidas um século antes" (Barzun, 2003: p. 315).

Segundo fontes da época, a Inglaterra do século XVIII era um dos países mais ricos do mundo, ao lado da Holanda e da França. Aproximadamente na época em que Jane Austen nasceu os padrões de vida dos ingleses e dos holandeses pouco se diferenciavam, mas não resta dúvida de que o inglês médio se encontrava em situação consideravelmente melhor do que o seu homólogo francês. Talvez por isso um historiador daqueles tempos encontrou poucas provas de que "o membro típico dos pobres da classe trabalhadora estivesse possuído de ressentimento amargo ou desespero econômico" (Deane, 1969: p. 21).

Contudo, embora as cidades já começassem a se expandir, é evidente que a economia ainda era majoritariamente agrícola, a população predominantemente rural, e a família constituía a unidade típica de produção (Idem, p. 25).

Ao passo em que o vapor substituía a força humana, e inovações tecnológicas aplicadas sobretudo à indústria têxtil modificariam as relações humanas, "o conflito entre o campo e a cidade era mediado pelo preço do pão." De fato, enquanto a agricultura inglesa atingia um patamar de excelência, motins (ou "levantes dos pobres", como os coetâneos chamavam) marcaram os país, sobretudo em 1709, 1740, 1756-1757, 1766-1767, 1773, 1782 e, sobretudo, em 1795 e 1800-1801 (Thompson, 1998: p. 153).

É importante observar que a Revolução Inglesa do século XVII e a Revolução Industrial do século seguinte não desenraizaram por completo a sociedade aristocrática dos grandes proprietários, que perdurou até fins do século XIX, e mesmo além. Os aristocratas residiam em suas terras ou as entregavam aos cuidados de administradores ou intendentes. Essa classe social tinha a seu favor o nascimento, o esplendor dos títulos e o prestígio dos nomes. Os nobres controlavam toda a espécie de instituições sociais, bem como as altas patentes militares e as embaixadas. Dominavam também a sociedade mundana, monopolizando os clubes. Na Grã-Bretanha, o país onde esse modelo de sociedade foi mais bem preservado, os aristocratas eram o establishment. De fato, frequentemente eles eram os detentores do poder político, num sistema que de democrático só tinha a aparência (Rémond, 1976: p. 76).

Paralelamente às transformações econômicas, tecnológicas e sociais da Revolução Industrial, a Europa conhecia um movimento intelectual burguês conhecido como Iluminismo. Esse movimento, que pregava a razão em contraposição ao obscurantismo e à ignorância, influenciou a cultura e os governos dessa época, certamente contribuindo na Inglaterra para a conscientização contra a escravatura, para a reforma das prisões e para a defesa de medidas de bem-estar social. É importante destacar que tais ideias se relacionam, em algum grau, à filosofia liberal de John Locke (1632-1704), o principal representante do empirismo britânico. 

Os últimos anos de Jane Austen coincidiram com as Guerras Napoleônicas (1804-1815), a derrota de Napoleão e a tentativa de restauração empreendida no Congresso de Viena (1814-1815). Uma vez abatido o Império Francês, a supremacia industrial e marítima da Grã-Bretanha levou a nação a experimentar uma prosperidade sem precedentes durante o longo reinado da rainha Vitória (1819-1901).



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Referências:

BARZUN, J. Da Alvorada à Decadência - 500 anos de vida cultural no Ocidente. Lisboa: Gradiva, 2003.
DEANE, P. A Revolução Industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
RÉMOND, R. O Século XIX - 1815-1914. São Paulo: Cultrix, 1976.
THOMPSON, E. P. Costumes em comum - estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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