“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Um Perfil do Conservadorismo

terça-feira, 2 de novembro de 2021

 

Somos conservadores pelo menos em relação ao que estimamos. Conservar e desfrutar são dois verbos caros aos homens que ainda estimam alguma coisa. Michael Oakeshott apresentou o conservadorismo como uma disposição - uma forma de ser e agir que tenderá a valorizar primeiro os confortos do presente.

O conservador, portanto, prefere o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à felicidade utópica.

O conservadorismo apresenta uma dimensão existencial que é anterior, ou até superior, a qualquer ideologia política. Mais ainda: o conservadorismo não é uma ideologia, preferindo encontrar refúgio identitário em "forças interiores", "temperamentos", "fés", "espíritos" e, claro, "disposições".

Embora uma disposição conservadora nem sempre implique uma preferência pelo conservadorismo político, a verdade é que uma política conservadora tenderá a partilhar os traços característicos da disposição conservadora tout court. Tal como os homens de disposição conservadora, o conservadorismo político também transportará para a esfera da governança esse gosto pelo próximo, pelo suficiente, pelo conveniente - recusando a "felicidade utópica" que é típica da atitude revolucionária. 

Existem radicais utópicos nos dois extremos do horizonte político. O pensamento utópico sempre projetou no passado ou no futuro a "solução final" para as iniquidades que afligem o presente. O utópico do passado é o reacionário, a caricatura do conservador e um "revolucionário do avesso" (A. Quinton). O revolucionário ou "progressista", por sua vez, é o utópico do futuro.

Berlin desmontou uma dupla falácia: de que os homens possuem uma natureza fria e inalterável; e, por outro lado, de que os valores mais caros à existência humana podem ser vivenciados na sua expressão máxima sem possibilidade de conflito entre eles.

Além de recusar os apelos do pensamento utópico, o conservadorismo político também irá reagir defensivamente aos apelos do potencial de violência e desumanidade que a política utópica transporta. Nesse sentido, Samuel Huntington apresentou essa natureza reativa do conservadorismo como ideologia. Ocorre que o conservadorismo é uma ideologia que, ao contrário das rivais, tende apenas a emergir quando "os fundamentos da sociedade são ameaçados".

O conservadorismo poderá ser assim apresentado como uma "ideologia da emergência" - e no duplo sentido da expressão: porque emerge em face de uma ameaça específica de caráter radical; e porque o faz quando essa ameaça põe em risco os fundamentos institucionais da sociedade. Portanto, o conservadorismo pode ser encarado como uma ideologia, mas antes uma ideologia posicional e reativa, e não ideacional e ativa, como as restantes.

Adaptado de COUTINHO, João Pereira. As Ideias Conservadoras explicadas a revolucionários e a reacionários. São Paulo: Três Estrelas, 2018, p. 21-31.

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