“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Justo, o Monge

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Uma ilustração do séc. XII relativa à vida de São Cuteberto (634-687).

Vivia lá [no mosteiro de Gregório, o Grande] um monge chamado Justo, especialista em medicina. Justo caiu doente sem esperança de cura e foi assistido pelo seu irmão carnal Copioso, também ele médico. Justo confessou ao irmão que escondera três moedas de ouro a este mais não pôde fazer do que informar os monges.

Encontraram as moedas de ouro escondidas com os medicamentos. Contaram isto a Gregório que reagiu vivamente, pois a regra do mosteiro estipulava que os monges tivessem tudo em comum. Gregório, perturbado, perguntou-se o que poderia fazer de útil ao mesmo tempo para a "purgação" do moribundo e para edificação dos monges. Proibiu aos monges que respondessem aos apelos do moribundo se este os desejasse junto de si e ordenou a Copioso que dissesse ao irmão que os monges, sabendo do seu ato, sentiam por ele repulsa, até que se arrependesse no momento de morrer. E quando o seu corpo estivesse morto não seria enterrado no cemitério dos monges mas lançado para um buraco do lixo e os monges atirariam para sobre o seu corpo as três moedas de ouro, gritando: "Que o teu dinheiro fique contigo, para tua perdição."

Tudo se passou e foi feito como previsto. Os monges, aterrados, evitaram todos os atos repreensíveis. Trinta dias depois da morte de Justo, Gregório pôs-se a pensar com tristeza nos suplícios que devia estar a sofrer o monge defunto e ordenou que, durante os trinta dias seguintes, fosse celebrada diariamente uma missa em sua intenção. Ao fim de trinta dias, o morto apareceu ao irmão, de noite, e disse-lhe que até àquele dia tinha sofrido, mas que acabava de ser admitido à comunhão (dos eleitos). Foi evidente que o morto escapara aos tormentos graças à hóstia salutar.     

LE GOFF, Jacques. O Nascimento do Purgatório. Tradução de Maria Fernanda Gonçalves de Azevedo. Lisboa: Estampa, 1993, p. 113. 

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