terça-feira, 7 de julho de 2015
Cincinato deixa o arado para tornar-se ditador de Roma, Juan Antonio Ribera, c. 1806.
Para Políbio (200-118 a.C.), os
cônsules, o Senado e as assembleias combinavam os elementos da política antiga
- monarquia, aristocracia e democracia, respectivamente. Assim, a República
romana reunia as virtudes de todos os sistemas políticos da Antiguidade e impedia
a concentração do poder.
Dentre os diversos exemplos de
cidadãos virtuosos da literatura romana, destaca-se Lúcio Quíncio Cincinato
(519-430 a.C.). Cidadão pobre, arava sozinho os seus campos quando, em 458
a.C., foi chamado para assumir temporariamente poderes absolutos e salvar a
República de invasores estrangeiros. Cincinato se distinguiu tanto na sua
missão que muitos queriam que ele permanecesse como único governante.
Contudo, o ideal romano de
considerar o serviço público mais importante do que o sucesso individual
impediu Cincinato de aceitar a oferta. Ele voltou ao seu arado. Sua história é
um exemplo do amor à pátria, da dedicação à coisa pública, a condição de
existência de qualquer Estado.
Os romanos acreditavam que possuíam
um sólido sistema de organização cívica. O objetivo desse sistema era
equilibrar a distribuição de vantagens e de inconvenientes, de encargos e
honrarias. Infelizmente, esse ideal nunca foi plenamente alcançado. A
aristocracia dominava o governo e a sociedade. Consequentemente, entre os
séculos V e III a.C. as Revoltas da
Plebe abalaram a República.
Com a expansão territorial, a
sociedade tornou-se escravista, e os plebeus desempregados encheram as cidades,
onde eram distraídos com a política do "pão e circo". O exército de
cidadãos foi substituído por um exército profissional, e líderes militares
ambiciosos passaram a disputar o poder. No final do século I a.C. a República
estava morta.
Entretanto, o espírito republicano
resistiu. O primeiro imperador, Otávio Augusto, governou de 27 a.C. a 14 d.C. e
preservou as instituições republicanas. A era de paz e prosperidade que ele
estabeleceu ficou conhecida como Pax Romana.
A partir de então, os imperadores viam-se basicamente como preservadores da lei
e da ordem social, ainda que alguns deles fossem verdadeiros tiranos.
Entre o final do século I e o final
do século II, os Antoninos provaram que era possível aos imperadores governar
de forma "republicana". Tudo mudou, contudo, em 284. Neste ano, com o
apoio do exército, Diocleciano tomou o poder e foi reconhecido formalmente como
dominus - um termo usado pelos
escravos para se referirem aos seus donos. O "Dominato" durou até o
fim do Império Romano do Ocidente, em 476.
Muitos séculos após a República
romana, a República brasileira foi marcada por governos autoritários, cujos
exemplos mais recentes são o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar
(1964-1985). Os brasileiros vivem uma experiência realmente democrática e
republicana há apenas trinta anos.
Nossa democracia precisa se
fortalecer. Recentemente, a Câmara dos Deputados deu um importante passo ao
votar em primeiro turno a criação do voto impresso e o fim da reeleição para os
cargos do Executivo. Mas é preciso mais, muito mais.
Assolada
pela corrupção, a desacreditada política brasileira precisa de líderes como o
romano Cincinato - estadistas que se destaquem pelas contribuições ao bem comum,
retornando de imediato à vida privada. Além disso, no exercício das suas
funções, devem fazer tudo para "que os indivíduos que estiverem sob seu
governo sejam os mais felizes do mundo" (Cícero, Carta do Bom Administrador Público, VIII.24).
Publicado no jornal A Tribuna (07/07/2015)
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