“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Os Idiomas e os Nacionalismos

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

      Theodor Herzl (1860-1904), fundador do sionismo moderno

Estamos, hoje em dia, tão habituados à definição étnico-linguística das nações que olvidamos que essencialmente ela foi inventada em fins do século XIX. Sem examinar longamente o assunto, é suficiente recordar que os ideólogos do movimento irlandês só começaram a ligar a causa da nação irlandesa à defesa da língua gaélica algum tempo após a fundação da Liga Gaélica, em 1893; que os bascos não fundamentaram suas reivindicações nacionais em sua língua (de modo distinto de seus fueros históricos, isto é, privilégios constitucionais), até essa mesma época; que os acalorados debates sobre se a língua macedônia é mais semelhante à búlgara que à servo-croata estavam entre os últimos argumentos utilizados para decidir a qual desses dois povos os macedônios deveriam se unir. Com respeito aos judeus sionistas, eles superaram os demais, identificando a nação judaica com o hebraico, língua que judeu nenhum jamais utilizara para fins comuns desde o cativeiro da Babilônia — se é que então o fizeram. Havia acabado de ser inventada (1880) como língua de uso cotidiano diferente de uma língua sagrada e ritual ou de uma erudita língua franca — por um homem que iniciara o processo de provê-la com um vocabulário apropriado, inventando um termo hebraico para "nacionalismo"; o idioma era aprendido mais como um distintivo do compromisso com o sionismo do que como um meio de comunicação.

(...)

As linguagens escritas ligam-se íntima, mas não necessariamente, aos territórios e instituições. O nacionalismo que estabeleceu a si próprio como versão padronizada da ideologia e do programa nacional era essencialmente territorial, uma vez que seu modelo básico era o Estado territorial da Revolução Francesa, ou, de qualquer modo, aquele que mais se aproximasse de efetivar o controle político sobre um território claramente definido e seus habitantes, e que estivesse, na prática, disponível. Mais uma vez, o sionismo oferece o exemplo extremo, precisamente por ser tão claramente um programa emprestado, sem precedentes e sem conexão orgânica com a verdadeira tradição que oferecera permanência, coesão e uma indestrutível identidade ao povo judeu durante milhares de anos. Pedia a eles que adquirissem território (habitado por outro povo) — para Herzl não era sequer necessário que esse território tivesse quaisquer conexões históricas com os judeus — bem como uma linguagem que não falavam há milhares de anos. 

Eric J. Hobsbawm, Era dos Impérios (Cap. 6). 

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