“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Um Panorama do Mundo Medieval

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Jardim do Prazer, em cópia do Romance da Rosa, Harley MS 4425 f. 12v., c. 1490 - c. 1500. 
Disponível em The British Library. 

É preciso ter em mente que o mundo medieval se formou a partir da fusão de elementos romanos e elementos bárbaros em transformação. Com o passar do tempo, os germânicos conquistadores tornaram-se católicos (alguns, como os visigodos, já eram cristãos por ocasião da migração para o Império Romano; eram, no entanto, cristãos arianos). Embora não estivesse isento de mudanças, todos os pensamentos e atividades dos homens do Medievo se formavam dentro de uma estrutura de ideias cuja verdade se afigurava absoluta. O dever do homem medieval era permanecer onde Deus o havia colocado.  

"Fossem quais fossem os elementos do pensamento aristotélico, do direito romano e dos costumes pagãos existentes no quadro do mundo medieval, este assentava numa filosofia cristã da vida que todos implicitamente aceitavam." (Green, 1991, p. 16) 

Assim, para o homem medieval, o mundo era um microcosmo do eterno macrocosmo do universo. "Tanto o Imperador [que representava idealmente o poder temporal] como o Papa [que representava o poder moral e espiritual] deviam a sua autoridade diretamente a Deus; e, num certo sentido, o poderio deles eram um espelho do Seu" (Green, 1991, p. 17). O conflito entre essas duas autoridades, desde fins do século XI, exauriu o Sacro Império e provocou a degenerescência moral do Papado. 

O mundo era visto como profundamente marcado pela desobediência de Adão e Eva. O herege era o desobediente contra a Igreja; o rebelde, o desobediente contra o Estado. Apesar disso, entre o ideal e a realidade muitas vezes existia um abismo. Temas permanentes e ordenadores na Idade Média eram a tensão entre a autoridade e a dissensão; entre a noção de comunidade e o individualismo; entre o materialismo e a espiritualidade; entre o erotismo e o ascetismo. 

A vida medieval radicava-se na terra e há muito a Igreja manifestara uma desconfiança profunda dos homens de negócios e, mais particularmente, dos usurários (condenados na Alta Idade Média, sem muitas exceções). O mundo medieval seria um pequeno mundo limitado por mares e continentes inexplorados, que se movia à roda do Mediterrâneo. As cidades eram pouco mais do que grandes aldeias, centros dum mercado local ou feira anual. Por volta do ano 1000, no entanto, tudo mudou. 

Em primeiro lugar, esperava-se que o mundo fosse acabar na passagem do milênio. Houve tempestades violentas e escassez séria de alimentos em 1033; houve sinais e presságios nos céus, além de um movimento maciço de peregrinos em direção a Jerusalém. Além disso, desde o século X o Anticristo era um tema constante dos teólogos e um elemento básico da cultura popular. O apocaliptismo mais generalizado provocou o impulso em direção à penitência, à peregrinação e, em particular, ao ascetismo pessoal. 

Apesar da presença permanente da ideia do apocalipse na mentalité do período, pela primeira vez em séculos, havia paz. A ameaça dos árabes, dos vikings e dos magiares havia retrocedido. Notava-se o crescimento demográfico, a expansão agrícola e a revitalização urbana. As cidades estimularam o desenvolvimento de assembleias representativas, promoveram a ideia de autogestão e promoveram a ideia de recorrer aos tribunais em vez de à violência e à vendeta para resolver disputas. 

A emergência das monarquias nacionais foi o outro grande traço da época (especialmente as monarquias da Inglaterra e da França). O soberano do Sacro Império Romano foi efetivamente reduzido à posição de rei da Alemanha e da Itália setentrional. Algo desse processo foi vivido pelo papado - sem renunciar às suas pretensões de autoridade supranacional, ele se desenvolveu nos séculos XIV e XV como um poder monárquico burocrático e legalista, formando um Estado territorial na Itália central e realizando alianças políticas e militares para implementar sua política externa. 

Continua aqui.  

Bibliografia consultada: 
GREEN, V.H.H. Renascimento e Reforma - A Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, pp. 15-20.
LE GOFF, Jacques (dir.). O Homem Medieval. Tradução de Maria Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1989.
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação - as minorias na Idade Média. Tradução de Marco Antônio Esteves da Rocha e Francisco José Silva Gomes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.

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