“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Origem da Revolução Industrial

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Manchester e Salford ainda na fase pré-industrial. Em algumas décadas, essa paisagem iria se alterar profundamente. Ilustração de John Harris, c. 1734. 

1. Em primeiro lugar, a Revolução Industrial não foi uma mera aceleração do crescimento econômico, mas uma aceleração de crescimento em virtude da transformação econômica e social - e através dela. Depois, a revolução britânica foi a primeira na história. Sendo a primeira, ela também foi, em aspectos cruciais, diferente de todas as subsequentes revoluções industriais. As revoluções posteriores puderam utilizar a experiência, o exemplo e os recursos britânicos. Só em grau muito limitado e secundário a Grã-Bretanha pôde utilizar os de outros países.     

2. Apesar disso, a Revolução Industrial não pode ser explicada em termos puramente britânicos, uma vez que esse país fazia parte de uma economia mais ampla, a "economia europeia" ou "economia mundial dos Estados marítimos europeus". O mundo "adiantado" estava ligado ao mundo dependente por uma certa divisão da atividade econômica: de um lado, uma área relativamente urbanizada, e de outro zonas produzindo e em grande parte exportando produtos agrícolas ou matérias-primas.    

3. Fatores climáticos, geografia e distribuição de recursos naturais não atuam por si sós, mas apenas dentro de um dado quadro econômico, social e institucional. Isto é verdade até em relação ao mais forte desses fatores, facilidade de acesso ao mar ou a bons rios. É quase inconcebível que uma região inteiramente sem acesso ao mar pudesse ter sido a pioneira da Revolução Industrial, por exemplo. Todavia, ainda aqui os fatores não-geográficos não devem ser desprezados. As explicações para a Revolução Industrial em termos de "acidentes históricos", a partir da Reforma Protestante ou a partir dos fatores puramente políticos também devem ser rejeitados.  

4. As principais condições para a industrialização já existiam na Grã-Bretanha setecentista ou podiam ser criadas facilmente. O país não era subdesenvolvido, pelos padrões geralmente aplicados aos países "subdesenvolvidos" atualmente, embora o fossem em partes da Escócia e do País de Gales e sem dúvida a Irlanda. É muito duvidoso, por exemplo, que em 1750 existisse na Inglaterra um campesinato dono de terras em grande parte do país, e certamente não existia mais uma agricultura de subsistência. O país acumulara capitais e tinha dimensões suficientes para permitir-se investimentos nos equipamentos necessários à transformação econômica.    

5. Não havia escassez de capital, relativa ou absoluta, e a Grã-Bretanha não era simplesmente uma economia de mercado, mas em muitos sentidos formava um único mercado nacional. E possuía um setor manufatureiro extensivo e bastante desenvolvido, bem como uma estrutura comercial ainda mais desenvolvida. 

6. Os transportes e as comunicações eram baratos, uma vez que nenhuma parte da Grã-Bretanha achava-se a mais de 112 Km do mar e menos ainda de algum curso de água navegável. Os problemas tecnológicos do começo da Revolução Industrial eram bem simples, e a maioria das inovações técnicas exigiam pouco investimento inicial e sua expansão podia ser financiada com a acumulação dos lucros.      

7. O desenvolvimento industrial, portanto, achava-se dentro das possibilidades de grande número de pequenos empresários e artesãos tradicionais hábeis. Nenhum país do século XX que se disponha à industrialização tem, ou pode ter, qualquer uma dessas vantagens. Não significa que não tenha havido obstáculos no caminho da industrialização britânica, mas esses obstáculos eram de fácil superação.      

8. Como surgiram na Grã-Bretanha do século XVIII as condições que levaram os homens de negócios a revolucionarem a produção? Há duas correntes de opinião com relação a este ponto. A primeira salienta principalmente o mercado interno, que era, de longe, o maior escoadouro para os produtos do país; a segunda realça o mercado de exportação, muito mais dinâmico e seguro. Ambos, na verdade, eram essenciais, cada um a seu modo, como também era essencial o governo.   

9. A questão da população também é importante. Ela duplicou em 50 ou 60 anos depois de 1780, voltando a duplicar nos 60 anos entre 1841 e 1901. Na primeira metade do século XVIII, e mesmo até 1780, a área de Londres poderia ter-se despovoado, se não fosse a imigração do interior. Por outro lado, a população do futuro centro de industrialização, o noroeste do país e a porção leste das Midlands, aumentou muito rapidamente. Mais gente significa mão de obra em maior quantidade e mais barata, e isto pode retardar a industrialização (a população crescia em toda a Europa setentrional, mas a industrialização não ocorria em toda parte). Na Inglaterra do século XVIII, no entanto, uma força de trabalho em crescimento ajudou a industrialização porque a economia já era dinâmica, e não porque alguma multiplicação populacional a tenha dinamizado.  

10. É provável que a renda inglesa média tenha crescido substancialmente na primeira metade do século XVIII, época em que também ocorreram melhorias muito substanciais e dispendiosas em transportes - por rios, canais e mesmo estradas de rodagem - o que diminuiu o custo proibitivo de movimentar cargas terrestres.   

11. A base pré-industrial da indústria de carvão era muito mais sólida que a da indústria de ferro, de modo que a verdadeira Revolução Industrial para o ferro e o carvão precisou esperar até que a era das estradas de ferro abrisse um mercado de massa, não só para bens de consumo como também para bens de capital.   

12. Enquanto o mercado interno proporcionou amplos fundamentos para uma economia industrial generalizada, a produção de algodão, a primeira a se industrializar, estava vinculada essencialmente ao comércio ultramarino. 

13. Ao contrário de alguns de seus concorrentes em potencial, como a França, a Grã-Bretanha estava disposta a subordinar toda a política externa a objetivos econômicos. Na guerra, suas metas eram comerciais e navais. Ao contrário de outros (como a Holanda), seus objetivos econômicos não eram dominados exclusivamente por interesses comerciais e financeiros; eram influenciados também, e cada vez mais, pelo grupo de pressão formado pelos produtores manufatureiros. Por fim, também ao contrário de todos seus rivais, a política britânica no século XVIII era de agressividade sistemática     

14. O resultado desse século de guerras intermitentes foi o maior triunfo jamais obtido por qualquer Estado: o virtual monopólio, entre todas as potências europeias, de colônias externas e o virtual monopólio de poder naval em escala mundial. Além disso, a própria guerra fazia expandir as exportações e contribuía, ainda mais diretamente, para a inovação tecnológica e para a industrialização. 

15. A grande depressão econômica do século XVII encerrou o padrão tradicional da expansão europeia - mediterrânea e baseada nos mercadores italianos, seus associados, conquistadores ibéricos, ou báltica e baseada nas cidade-Estado alemãs. Assim, houve um deslocamento geográfico e estrutural para os Estados marítimos à margem do Mar do Norte e do Atlântico Norte. O novo relacionamento entre as áreas "avançadas" e o resto do mundo passou a tender constantemente a intensificar e alargar os fluxos de comércio. A economia industrial britânica desenvolveu-se a partir de seu comércio, e sobretudo seu comércio com o mundo subdesenvolvido. 

Bibliografia consultada: HOBSBAWM, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Tradução de Donaldson Magalhães Garschagen. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1986, p. 33-52.

0 comentários:

Enviar um comentário