“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«História do Século XX», de M. Gilbert

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Baixe a edição brasileira dessa obra aqui.

Esta é a 3ª edição de uma obra esplêndida, publicada em 2014 pela editora lisboeta Dom Quixote. Os leitores do mundo lusófono que se interessam pela História do Século XX contam com poucas opções para além da famigerada Era dos Extremos. Assim, a tradução deste livro do historiador judeu Martin Gilbert foi providencial. Dificilmente outro historiador será mais feliz em fornecer um panorama geral dos acontecimentos do "século das guerras". Para Gilbert, eis como  tal período pode ser dividido:

Introdução
1. A Primeira Década, 1900-1909
2. Os Caminhos Que Levam à Guerra, 1910-1914
3. A Primeira Guerra Mundial, 1914-1918
4. No Rescaldo do Armagedão, 1919-1925
5. Entre duas Tempestades, 1926-1932
6. A Caminho do Abismo, 1933-1939
7. A Segunda Guerra Mundial, 1939-1945
8. Recuperação e Recaída, 1946-1956
9. Esperanças Acalentadas, Esperanças Frustradas, 1957-1967
10. Desafios da Modernidade, 1968-1979
11. Expectativas Renovadas, 1980-1989
12. O Admirável Mundo Novo, 1990-1999
Mapas
Índice Remissivo

Como se trata de uma condensação da obra de três volumes e 2700 páginas, a edição da Dom Quixote traz alguns inconvenientes. O maior deles foi a supressão da bibliografia, disponibilizada nos volumes originais. Contudo, a linguagem acessível, a riqueza de dados, o rigor acadêmico e a notável capacidade de envolver o leitor fazem com que os poucos problemas da edição condensada sejam facilmente superados. 

Diferentemente do marxista Eric Hobsbawm, Gilbert nos fornece uma narrativa bem organizada, ano a ano, de 1900 a 1999 (aqui ele comete um equívoco ao incluir o ano de 1900 no século XX, ao mesmo tempo que exclui o ano 2000, o derradeiro da centúria). Alguns, certamente, rotularão a sua História de "positivista", ignorando que a narrativa deve ser a "espinha dorsal" (Barbara Tuchman) dos escritos do historiador. Numa época em que reina o relativismo, em que se discute e se desconstrói antes sequer de conhecer os fatos, Gilbert parece ser um espécime de historiador em vias de extinção - ainda mais após o seu falecimento, no início deste mês.

Aos olhos de Gilbert o século XX foi um período de grandes feitos, bem como de monstruosos excessos. Enquanto a ciência e a medicina avançaram de forma surpreendente, tiranos e terríveis guerras deixaram um rastro de opressão, destruição e genocídios. Como biógrafo de Churchill, Gilbert destaca uma de suas frases, icônica sobre a centúria passada: "Chamam-lhe o século do homem comum, porque foi o homem comum quem mais sofreu nele." O choque de nações - e o choque de impérios, avassalador na Primeira Guerra Mundial - bem como as alianças, rivalidades e colapso de países (incluindo conflitos de nacionalidades e grupos nacionais) ocuparam um papel central ao longo do século. Por toda a parte, revoluções e revolucionários lutaram pela alteração da velha ordem, "fazendo-o com frequência sem respeitar os direitos que até os piores expoentes da velha ordem tinham outorgado". "O século foi em grande parte dominado pela luta entre o primado da lei e a anarquia; entre os direitos do indivíduo e a destruição desses direitos" (p. 10). Assim, ao longo do seu trabalho, Gilbert se concentra no papel do indivíduo, em prol dos direitos civis e dos direitos humanos, em todos os lugares do globo.

Gilbert ainda se distingue pela sensibilidade ao se lembrar de temas como a "carnificina" anual dos acidentes automobilísticos, que ao longo do século superaram até mesmo as vítimas de guerras; o antissemitismo na Rússia e na União Soviética; as catástrofes naturais que assolaram a humanidade. Normalmente tais assuntos são olvidados pelos historiadores, sobretudo quando se dedicam a narrativas abrangentes, como é o caso.     

Para finalizar - porque quero que leiam o livro - destaco a abundância de citações. Diferentemente do Hobsbawm, que dispensa os documentos, Gilbert utiliza-os do início ao fim. Embora não tenhamos as referências (o que é compreensível, visto que 2 mil páginas precisaram ser eliminadas na condensação), podemos nos regalar com uma série de trechos de discursos, jornais, diários e memórias pessoais, etc. Numa delas, o presidente George Bush (1924-  ), no contexto da Guerra do Golfo, disse que Saddam Hussein agia tão barbaramente contra a população civil como Hitler. Bush pai encontrou tal paralelo após a leitura de outro livro de Martin Gilbert - A Segunda Guerra Mundial

Resenha publicada na Mnemosine revista (p. 228-231).   

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