domingo, 1 de setembro de 2019
Sultão Maomé II entrando em Constantinopla, pintura de Fausto Zonaro (1854-1929). Saiba mais: A Queda de Constantinopla
1. O Império Otomano foi "um despotismo militar trazido por uma série de sultões competentes da Ásia Menor para Constantinopla, e daí até às portas de Viena." Apesar disso, os otomanos não eram bárbaros, e em certos aspectos foram os "herdeiros conscientes" do Império Bizantino. O sultão Maomé II, após ter conquistado Constantinopla (1453), assumiu também título de Kaisar-i-Rum (imperador romano). O esclarecido sultão sabia grego e preservou os monumentos da sua nova capital, além de ter poupado Atenas.
2. Especiarias, sedas e ouro sudanês eram trazidos de lugares distantes da Ásia e da África até ao porto de Alexandria, para daí ser embarcado para a Europa setentrional e ocidental. A posse de Constantinopla, "uma das grandes encruzilhadas comerciais do mundo conhecido", tornou os turcos uma potência marítima. Além de passarem a controlar os bens equipados estaleiros da antiga capital de Bizâncio, os turcos passaram a utilizar carpinteiros navais gregos e italianos para a construção das suas imponentes galeras. Embora diverso na religião, na raça e na cultura, o Império Otomano era uma parte da Europa.
3. O estado otomano era constituído por duas autoridades, o governo e a instituição moslémica (igreja). Ambas se fundamentavam na Lei sagrada maometana (Xeri) ou Kanuns, do próprio sultão, do adet (costumes estabelecidos) e do urf (vontade soberana do sultão). A instituição governante era formada pelo sultão, pelos altos funcionários (chefiados pelo grão-vizir) e pelo exército permanente
4. Em relação à instituição moslémica, ela era constituída por professores, teólogos e juristas, que tinham como principal função a interpretação da Lei Sagrada. Os murfis incorporavam e fortaleciam aquele conservantismo e imutabilidade basilares da fé islâmica. O sultão era o chefe tanto do governo quanto da instituição moslémica, e, em tese, sua vontade só era limitada pelo Xeri e pelos costumes reconhecidamente aceites do estado. Verdadeiro autocrata, o solo dum território conquistado passava a ser sua propriedade pessoal.
5. O Império Otomano estava dividido em duas partes, a Turquia europeia (ou Rumélia) e Turquia asiática (ou Anatólia). Cada uma dessas partes era constituída por províncias administradas por governadores. Os servidores do sultão recebiam as terras conquistadas num regime de vassalagem com estritas obrigações de serviço militar. Ainda assim, cada membro da instituição governante era kul (escravo pessoal do sultão). Embora a escravidão pessoal significasse absoluta dependência ao sultão, também implicava em certos privilégios judiciais e em isenção de impostos.
6. As mulheres do harém e os filhos do sultão estavam subordinados à vontade imperial. Apesar disso, a valida sultão (princesa-mãe) podia exercer um domínio poderoso sobre um sultão fraco ou menor, como ocorreu durante o século XVII. Segundo um kanun de Maomé II, o filho que sucedesse no trono tinha o direito de mandar executar os irmãos (geralmente por estrangulamento com um cordão de seda). Tal ação era justificada pelos teólogos mediante um versículo do Corão onde se declara que "a revolução é pior que as execuções". Esta "lei do fratricídio" diminuiu a quantidade de lutas internas, evitou o predomínio duma aristocracia de sangue e deu certa estabilidade ao império.
7. Os janízaros constituíam a faceta mais notável e única da instituição governante. Eles eram inicialmente meninos cristãos, recrutadas entre dez e vinte anos, de modo a poderem vir a ser o núcleo do exército turco. O método mais habitual de obtê-los era mediante tributo (devchurmé). Alguns pais detestavam-no, uma vez que implicava em abandono do cristianismo pelos filhos, mas outros aceitavam-no por ele permitir aos filhos a possibilidade de ascensão aos mais altos cargos do império. Isso foi o que ocorreu a Ibrahim, grego cristão de nascimento, aprisionado por piratas e recrutado como janízaro. Ele alcançou o posto de grão-vizir de Solimão I, o Magnífico (1520-1566).
8. Os escravos eram divididos em duas classes. Os que tinham melhor intelecto recebiam uma educação perfeita, a fim de poderem ocupar altos postos administrativos. Os demais recebiam uma educação predominantemente física e ingressavam depois no corpo dos janízaros, ou infantaria. Em ambos os casos as promoções dependiam do mérito e da capacidade. A meritocracia no Império Otomano deslumbrava até mesmo observadores cristãos que deploravam a devchurmé, tais como o bailo veneziano Marcantonio Barbaro e o representante do Sacro Império em Constantinopla, Ogier Ghiselin de Busbecq.
9. Todos os coetâneos reconhecem a disciplina, a coragem e a força dos exércitos turcos, ainda que talvez se tenha exagerado sobre seu talento militar. A instituição governante estava subordinada às necessidades do exército, e era principalmente uma "máquina militar", ainda que não fosse necessariamente uma tirania. Por exemplo, a administração das províncias usufruía de boa dose de liberdade, os camponeses das terras recentemente conquistadas podem até ter achado os seus novos senhores mais generosos e justos e a lei moslémica protegia os súditos cristãos contra as conversões forçadas, enquanto eles pagassem o imposto conhecido como kharaj.
9. Todos os coetâneos reconhecem a disciplina, a coragem e a força dos exércitos turcos, ainda que talvez se tenha exagerado sobre seu talento militar. A instituição governante estava subordinada às necessidades do exército, e era principalmente uma "máquina militar", ainda que não fosse necessariamente uma tirania. Por exemplo, a administração das províncias usufruía de boa dose de liberdade, os camponeses das terras recentemente conquistadas podem até ter achado os seus novos senhores mais generosos e justos e a lei moslémica protegia os súditos cristãos contra as conversões forçadas, enquanto eles pagassem o imposto conhecido como kharaj.
10. O sultão era investido de tamanha autoridade autocrática que ele ou não confiava nos seus ministros, ou se tornava um mero instrumento deles. Até Solimão I foi vítima dessa fraqueza. Ele permitiu que sua esposa russa, Roxelana, o malquistasse com o competente grão-vizir Ibrahim, e ordenou que o matassem. O poder absoluto era mais perigoso quando a degenerescência e a incapacidade se juntavam à desconfiança. Selim II, o Ébrio (1566-1574), era um incapaz que só foi salvo da ruína pelo competentíssimo grão-vizir Maomé Sokoli. Após ele, vários sultões foram destronados e um deles foi assassinado.
11. Em 1595, assim que chegou ao poder, Maomé III mandou executar seus dezenove irmãos. No entanto, após a sua morte, em 1603, a "lei do fratricídio" foi suspensa. Em geral, de 1617 a 1924, o filho mais velho foi quem sucedeu no trono. Em meio às turbulências, um grão-vizir competente podia manter a unidade do império. Contudo, seus poderes eram grandes mas também os riscos de sua posição, uma vez que era o centro de todas as invejas da corte. Uns vinte dos cerca de duzentos vizires que atuaram como primeiros-ministros ao longo da história do império foram executados, e muitos mais caíram em desgraça.
11. Em 1595, assim que chegou ao poder, Maomé III mandou executar seus dezenove irmãos. No entanto, após a sua morte, em 1603, a "lei do fratricídio" foi suspensa. Em geral, de 1617 a 1924, o filho mais velho foi quem sucedeu no trono. Em meio às turbulências, um grão-vizir competente podia manter a unidade do império. Contudo, seus poderes eram grandes mas também os riscos de sua posição, uma vez que era o centro de todas as invejas da corte. Uns vinte dos cerca de duzentos vizires que atuaram como primeiros-ministros ao longo da história do império foram executados, e muitos mais caíram em desgraça.
12. As galeras turcas adequaram-se apenas a uma estratégia restrita e a servirem no Mediterrâneo. Além disso, como o exército era o governo, as vicissitudes da guerra afetaram, mais do que qualquer outra coisa, o futuro do país. Os janízaros podiam decidir uma sucessão disputada ao trono, e destronar e nomear sultões. Outras fraquezas que condenaram o Império Otomano a um lento declínio foi a ausência de um funcionalismo civil eficiente, um tesouro recheado e o desenvolvimento cultural e econômico necessários à manutenção dum grande império.
13. A política turca sempre se fundamentou mais nas conveniências do momento do que numa diplomacia prudente. Com frequência, as guerras eram extraordinariamente indecisas. Quatro temas dominaram a política externa da Turquia:
1º) A hostilidade dos persas (muçulmanos xiitas, ao contrário dos turcos, sunitas);
2º) A aliança com a França contra o imperador Habsburgo ("Francisco I ter-se-ia sem dúvida aliado com o demónio se este combatesse contra Carlos V...");
3º) O comércio e a guerra com Veneza (esta mudou sua política em relação ao Império Otomano em diversas vezes; sozinha, pouco poderia fazer para derrotar os turcos);
4º) A oposição aos Habsburgos na Europa oriental e no Mediterrâneo.
14. O momento mais crítico da Europa face à ameaça turca se deu sob o reinado do já citado Solimão I, o mais competente de todos os sultões. No verão de 1521, tomou Szabacs e Belgrado, abrindo assim o caminho para se apoderar das ricas planícies da Hungria. Um ano depois, forçou os Cavaleiros Hospitalários a lhe entregarem Rodes. Aproveitando-se da divisão das potências ocidentais, os exércitos turcos atravessaram o Danúbio (1526) e derrotaram decisivamente o exército do rei Luís II da Hungria e Boêmia. Três anos depois, em 1521, o exército de Solimão chegou a cercar Viena, por 24 dias.
15. Solimão veio a sustar o cerco. Nos trinta anos imediatos, ocorreram três outras expedições. Quando Solimão morreu (1566), seu império era vasto e poderoso. No entanto, faltava-lhe um sucessor à altura. Em 7 de outubro de 1571, D. João de Áustria comandou uma grande esquadra da Liga Santa que praticamente aniquilou a frota turca de Ali Paxá em Lepanto. Tal derrota anunciou uma lenta decadência geral que os governos dos débeis sultões da primeira metade do século XVII patenteariam ao mundo. Em 1660, o Império Otomano já não representava ameaça à Cristandade ocidental.
Bibliografia consultada: GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 401-415.
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