“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Reconquista da Península Ibérica

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Com o declínio do Império Romano do Ocidente, os visigodos se instalaram na Hispânia (Península Ibérica), onde fundaram seu reino. Como uma minoria de conquistadores arianos, dominando uma população majoritariamente católica, seus desafios eram grandes, até que o rei Recaredo converteu-se ao catolicismo (c. 586). Pouco depois, foi celebrado o III Concílio de Toledo. Com isso, o cristianismo trinitário enraizou-se entre os hispanos.

O mundo medieval é normalmente visto como o resultado da fusão de elementos germânicos e romanos em transformação. Isso é particularmente verdade no caso da Espanha visigótica, onde o legado do direito escrito romano foi unido ao direito consuetudinário hispânico e germânico em meados do século VII. No início do século VIII, no entanto, a conquista muçulmana varreria o Reino Visigodo do mapa. Em apenas dez anos, apenas as partes setentrionais da Península Ibérica não estariam sob domínio mouro.

A conversão generalizada e a arabização cultural da península ganharam ritmo no século X. As relações intercomunitárias na região baseavam-se nas três religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo). Apesar dos atritos, ocorreram grandes avanços culturais a partir do diálogo que então se estabeleceu, sobretudo na região da Andaluzia.

A conquista muçulmana foi acompanhada, desde o início, pela resistência cristã. O cristianismo, de fato, tornou-se o mais importante vínculo de resistência contra o domínio muçulmano. Os novos reinos cristãos que lentamente foram surgindo no contexto da reconquista adotaram a lex gothica. Em 801, foi criado o condado de Barcelona para controlar os territórios de ambos os lados da cordilheira até a Provença. Em finais do século X, a fragmentação do Império Carolíngio tornou esse condado autônomo. Em consequência, houve a emergência da língua catalã.

A Reconquista cristã da Península Ibérica produziu novas formas de identidade coletiva ao longo do eixo norte-sul da expansão a partir das Astúrias (o refúgio dos visigodos). A Galícia veio a se integrar a Leão, que se associou a Castela em 1037; em 1230 houve a união formal entre ambos. A Catalunha associou-se ao reino de Aragão em 1150. Portugal (condado Portucalense) tornou-se independente em 1139. Navarra, separada de Leão em 1134, perdeu o território ao sul dos Pireneus, conquistado em 1512 por Fernando, rei de Castela e de Aragão.

A Reconquista cristã foi legitimada pelo papa como Cruzada nos séculos XII-XIII. Muitos francos, borgonheses ou ingleses se tornaram governantes e bispos da região. O ritual visigodo foi substituído pelo romano e a colonização dos territórios reconquistados foi reforçada pelos recém-chegados. Esses novos imigrantes envolveram-se na conquista de cidades importantes e, no geral, integraram-se prontamente às entidades políticas cristãs.

À reconquista seguiu-se a recristianização. O status dos muçulmanos após a conquista cristã variou de comunidade para comunidade - de pilhagem, massacre e escravidão, a rendição e um pacto (o que, em geral, ocorreu). Leis de segregação e uma pressão religiosa irresistível provocaram um declínio acentuado, ao longo de dois séculos, das comunidades muçulmanas na Península Ibérica ocidental e central. Com a queda de Granada, em 1492, teve fim a presença muçulmana na Península Ibérica enquanto potência política. Como comunidade religiosa distinta, os muçulmanos persistiram até 1502 (em Granada) e 1526 (em Aragão).    

Adaptado de BETHENCOURT, Francisco. Racismos - das Cruzadas ao Século XX. Tradução de Luís Oliveira Santos e João Quina Edições. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 53-56.

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