“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Uma Visão do Inferno - II

quarta-feira, 15 de maio de 2024

     Inferno, c. 1510-1520, pintura a óleo sobre madeira. Artista desconhecido.

Na prática, pois, os teólogos haviam insistido na ideia de Inferno e se empenhado ao máximo para deixá-la bem clara para os cristãos, retratando-o nos termos mais vividos possíveis. Os escritores pastorais eram muito mais específicos a respeito do Inferno que do Céu; escreviam como se tivessem estado lá. Os três grandes doutrinadores medievais - Agostinho, Pedro Lombardo e Aquino - insistiam em que as penas infernais eram tanto físicas quanto mentais e espirituais, e fogo de verdade tomava parte dos tormentos. Segundo a teoria geral, o Inferno incluía toda e qualquer dor horrível que a imaginação humana fosse capaz de conceber, além de uma infinita variedade de outras. Para Jerônimo, o Inferno era como uma imensa prensa de lagar. Para Agostinho, era habitado por ferozes animais comedores de carne, que despedaçavam os humanos lenta e dolorosamente, sendo eles mesmos imunes às chamas. Sto. Stephanus Grandinotensis furtou-se ao problema da imaginação dizendo que as dores do Inferno eram tão indizíveis que, se um humano chegasse a figurá-las, cairia instantaneamente morto de terror. Eadmer enumerou catorze dores específicas sofridas no Inferno. Adam Scotus ameaçou os praticantes da usura de serem fervidos em ouro derretido. Muitos escritores referem-se a um espancamento contínuo com martelos de bronze em brasa. Richard Rolle, em Stimulus Conscientiae, afirmou que os danados rasgavam e comiam sua própria carne, bebiam o fel de dragões e o veneno de vespas e sugavam cabeças de víboras; suas camas e roupas consistiam em "horríveis vermes venenosos". Segundo outro especialista, os condenados seriam alimentados com pão embolorado, acompanhado de uns poucos goles de água malcheirosa. Os escritores (e pintores) germânicos eram os mais enérgicos na descrição dos tormentos físicos. Diziam que cem milhões de almas danadas seriam espremidas em cada milha quadrada do Inferno, sendo tratados, pois "como uvas em uma prensa, tijolos no forno, sedimento de sal em um barril de peixes em salmoura, ovelhas em um matadouro". Os franceses preferiam dores psicológicas mais sutis. Segundo Bridaine, quando os condenados indagavam as horas, uma voz respondia: "eternidade". Não havia "relógios no Inferno, nada além de um tique-taque interminável".     

JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 412-413. 

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