“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Revolução Científica

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018


O Renascimento, a Reforma e a revolução científica integraram um movimento geral que consolidou a transição do mundo medieval para o mundo moderno. Com poucas exceções, os eruditos da Idade Média tinham-se interessado muito mais pelos sistemas da filosofia e da lógica do que pela descrição exata de objetos naturais ou por experiências de ordem prática. Completamente indiferentes à estatística, refugiavam-se em generalizações inúteis, e consideravam as ideias de Galeno e de Aristóteles verdadeiras mesmo quando a evidência os contradizia claramente. Contudo, há que se admitir que a escolástica tornou-se um instrumento capaz de abranger todo o conhecimento e de exprimir todas as sutilezas do pensamento; se as mentes perspicazes que a criaram tivessem alargado as suas investigações às ciências da Natureza, poderiam facilmente ter avançado de séculos as descobertas de tempos modernos. 

A pressão constante que a civilização islâmica exerceu sobre o mundo medieval e a atração teológica e até mesmo mística da ciência dos números produziu alguns progressos nos estudos matemáticos. Outros progressos de caráter prático, especialmente em contabilidade, em balística e em arquitetura ajudaram a criar um interesse crescente pela matemática. O primeiro tratado de álgebra foi publicado em 1494 e a primeira tradução latina de Euclides foi feita em 1505. Mais digna de menção foi a obra realizada em álgebra e geometria por Cardan, por Viète e Stevin, aos quais se atribui o primeiro uso de casas decimais. 

No campo da astronomia, Nicolau de Cusa ressuscitou a antiga teoria grega de que o universo é infinito e de que a Terra deve ter movimento, uma ideia em conflito com as opiniões aceites de Aristóteles e Ptolomeu acerca do universo. Copérnico, autor de De Revolutionibus Orbium Coelestium (publicado pouco antes de sua morte, em 1543), questionou os dois sistemas planetários existentes - o de Aristóteles e o de Ptolomeu. Poucos se deram conta na altura, mas sua teoria heliocêntrica tornou possível a obra de Tycho Brahe, Kepler e Galileu. 

Esses três homens foram beneficiados pelo insaciável desejo de saber da época do Renascimento e pelos progressos na observação direta do céu. Por outro lado, seu trabalho foi dificultado pela desconfiança crescente tanto da Igreja Católica quanto das igrejas protestantes, que notavam que as novas ideias ameaçavam derrubar as concepções tradicionais do universo. Os protestantes criticaram a hipótese copernicana como contrária aos ensinamentos bíblicos e o astrônomo protestante Kepler precisou se refugiar junto aos jesuítas, em 1596. Os católicos, inicialmente preocuparam-se menos com essas questões, mas acabaram por colocar o livro de Copérnico no Index em 1616 e condenar as suas ideias como heterodoxas. 

O matemático Johann Kepler baseou o seu trabalho no "caos" das observações deixadas por Tycho Brahe. Ele estabeleceu três leis planetárias de excepcional importância, sendo que "as órbitas dos planetas são elipses de que o Sol ocupa um dos focos" a mais conhecida. De forma ainda mais enérgica que Copérnico, Kepler afirmou a teoria heliocêntrica e reduziu assim a importância da Terra em relação à do Sol. 

Após ouvir falar na invenção do telescópio por Hans Lippershey, Galileu construiu um desses instrumentos para si, com o qual descobriu três das luas de Júpiter. As suas observações contribuíram fortemente para estremecer as velhas ideias aristotélico-ptolomaicas. Sem se deixar intimidar pela Inquisição, Galileu empreendeu uma investigação minuciosa das doutrinas sobre o sistema planetário. Sua conclusão demonstrou, de forma inquestionável, a superioridade intelectual da hipótese copernicana sobre a aristotélica. Convocado pela Inquisição, Galileu recebeu o silêncio como imposição, passando a viver sob vigilância em Florença, onde se concentrou no estudo da física. Apesar da repressão, por toda a parte as pessoas inteligentes já estavam a aceitar a teoria heliocêntrica do universo. 

Paralelamente a essa revolução na compreensão humana do universo, com todas as suas implicações sociais, políticas e teológicas, outros progressos se desenrolavam nos domínios da anatomia. Os estudos anatômicos de Leonardo da Vinci foram quase tão importantes quanto as suas pinturas, mas Vesálio foi o real pioneiro nessa área. Miguel Servet descobriu a circulação pulmonar do sangue, e o sucessor de Vesálio em Pádua, Colombo, descreveu a "pequena circulação", mas a teoria só foi plenamente formulada em 1628, por William Harvey. 

Além disso, os novos trabalhos em botânica, exemplificados nos estudos de Turner de Wells e do médico do papa, Andrea Cisalpino, e o novo interesse pelos relógios e pela sua construção, seguem numa mesma direção. No século XVII, surgiram o microscópio, o termômetro, o relógio de pêndulo e o telescópio. As experiências práticas substituíram a autoridade como fator decisivo da verdade científica. Pouco a pouco, o interesse pela ciência foi-se tornando de bom tom. Essa nova atitude estava destinada a afetar também a atitude do homem para com a vida, e assim começou a se formar a crença no progresso que germinou na mente humana no século XVIII.      

Bibliografia consultada: GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 55-60. 

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