“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Conceitos da Religião Egípcia Antiga

segunda-feira, 21 de maio de 2018

A partir do Império Novo, o ba passou a ser representado por uma ave com cabeça humana que poderia ter tanto o corpo de um jabiru como de um falcão. Acima, um ba do Período Ptolomaico (332-30 a.C.). Créditos do Metmuseum.

Em primeiro lugar, uma investigação da antiga religião egípcia precisa considerar o termo egípcio netjer. Embora, via de regra seja traduzido por "deus", não necessariamente se enquadra no nosso conceito de "deus". Isso é uma amostra de quão desafiador é compreender os conceitos fundamentais da antiga religião egípcia. Portanto, sistematizar os conceitos de timbre antropológico e ideológico que os antigos egípcios designavam por maet, kaba akh é uma tarefa complexa. Felizmente, nem os escribas do Egito faraônico se preocupavam com isso. Em todo caso, vamos a uma tentativa de esclarecer os termos maet, kaba akh

1. Maet é a noção de base do pensamento egípcio, uma noção avançada que comporta um elevado grau de abstração e de sentido. Entre outras altas virtualidades, permitiu a redação de muitos textos sapienciais e guindou a cultura do Egito faraônico a um elevado plano. Os antigos egípcios usavam o conceito de maet, personificado na bela deusa Maet, para referir a ordem cósmica que surgiu no momento da criação, quando o caos foi repelido. A existência perene da maet deve-se ao fato de que o caos não foi definitivamente afastado. 

A palavra maet, entretanto, abrange outras noções, como a justiça e a verdade. Significa, por consequência, a oposição à maldade (isefet), à mentira e ao caos. Maet era considerado como o mais importante princípio do mundo, aquele que garantia a justiça e a ordem; fazia parte dos deveres do rei sempre essa ordem maética. Assim, o soberano devia fazer ofertas aos deuses para que estes impedissem o regresso do caos (tanto cósmico quanto social) ao Egito e ao mundo. A maet era afinal uma maneira de conceber o mundo que não separava claramente a teologia da ciência, o cosmos da sociedade, a religião da administração. 

2. ka concorria para a manutenção da ordem cósmica maética (maet), que pretendia manter o mudo como os deuses o haviam criado, para deter o avanço sempre ameaçador do caos.

ka era um elemento componente do ser humano - a força vital e sexual do indivíduo, capaz de se manter atuante e dinâmico pela eternidade. Quando alguém morria, dizia-se que tinha passado ao seu ka, e a sua estátua funerária era a estátua do ka. Era enfim o ka que permitia aos defuntos que se compraziam no Além, trabalhando nos campos de Osíris, uma vida sexual intensa, com o concurso do ba

3. O ba é do domínio psíquico e, para alguns, o conceito que mais poderia aproximar-se da ideia corrente de "alma". Como "alma" exterior, poderia agir pela sua força particular no mundo material. Outros contestam essa interpretação, e apontam que o ba era a totalidade, e não uma parte da força espiritual do indivíduo. Embora fosse da esfera psíquica, o ba comportava todos os aspectos do indivíduo no domínio da personalidade e do desejo sexual. 

Inicialmente o ba seria apenas um dom dos deuses, permitindo que eles livremente se movessem e tomassem diferentes formas. Em geral, é representado por uma ave pernalta, o jabiru, conferindo ao defunto a capacidade de movimento. A partir do Primeiro Período Intermediário, além dos deuses e do faraó, todos passaram a ter o direito ao ba. O ba representa a consciência do indivíduo, que inculcava uma vida de acordo com as normas da maet, praticando o bem e a solidariedade, sendo justo, tolerante e sensato, para que o Além ficasse garantido. 

4. O akh é um elemento psíquico componente do ser humano que, uma vez passado pelo julgamento de Osíris, atingiu o Além, transformando-se ele próprio num ser luminoso e osirificado. O corpo humano, transformado e glorificado para poder fruir a vida eterna no outro mundo na ditosa companhia dos deuses, torna-se um akh, e o defunto passa a ser um deus - um fenômeno desconhecido nas outras religiões universais. 

Tanto os deuses quanto os defuntos osirificados são designados como akh chepesu, fórmula traduzível por "espíritos gloriosos". A palavra akh transmite as ideias de glória, claridade, magnificência e também eficácia.  

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 121-126.

0 comentários:

Enviar um comentário