“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos Capitalismo x Socialismo

terça-feira, 16 de julho de 2019

1. A nossa civilização é dependente, não apenas na sua origem mas também na sua preservação, do que só pode ser definido precisamente como a ordem ampliada da cooperação humana. Esta ordem é conhecida por capitalismo. 

2. Não há nenhum meio conhecido, além da distribuição de produtos em um mercado competitivo, de informar aos indivíduos a que direção seus vários esforços devem se dirigir de modo a contribuir o máximo possível para o produto final. 
  
3. O ponto central do debate econômico é o conflito entre os defensores da ordem humana ampliada espontânea criada por um mercado competitivo, de um lado, e aqueles que exigem uma organização deliberada de interação humana pela autoridade central, baseada no controle coletivo dos recursos disponíveis, de outro. Estes últimos partem de um erro factual de como o conhecimento desses recursos é e pode ser gerado e utilizado.    

4. "As reivindicações do socialismo não são conclusões morais derivadas das tradições que constituíram a ordem ampliada e tornaram a civilização possível. Antes, elas se empenham em derrubar essas tradições e trocá-las por um sistema moral planejado racionalmente, cuja atração depende do apelo instintivo das consequências que promete. (...) Seguir a moralidade socialista destruiria grande parte da humanidade e empobreceria o resto." (p. 15)   

5. A ideia amplamente aceita de "justiça social" não descreve um estado de coisas possível, e nem tem qualquer significado. O socialismo baseia-se em premissas demonstravelmente falsas e, embora inspirado por boas intenções e desenvolvido por alguns dos mais inteligentes cérebros de nosso tempo, ameaça o padrão de vida e a vida mesma de uma vasta parcela da população existente.     

6. Muitas regras abstratas, tais como aquelas que se referem à responsabilidade individual e à propriedade privada, têm relação com a economia. "Desde a sua origem, a economia preocupa-se com o modo pelo qual uma ordem ampliada de interação humana passa a existir através de um processo de variação, distinção e separação que ultrapassa de longe a nossa visão e capacidade de planejamento." (p. 23).      

7. Nos inserimos numa grande conjuntura de instituições e tradições - econômicas, legais e morais - às quais nos adaptamos obedecendo a certas regras de conduta que jamais fizemos e que jamais entendemos no sentido em que compreendemos como funcionam as coisas que produzimos. Isso nos possibilita a servir a pessoas que não conhecemos e cuja existência frequentemente até ignoramos; e, por nossa vez, vivemos constantemente à base do serviço de outras pessoas das quais nada sabemos.   

8. A ordem ampliada surgiu de forma lenta e produziu uma variedade maior de formas do que poderia sugerir o fato de ter desembocado numa civilização global; e a ordem de mercado surgiu comparativamente tarde, criando a possibilidade do emprego. A região do Mediterrâneo foi a primeira a ver a aceitação do direito de uma pessoa de dispor de um domínio privado reconhecido.   

9. Da época dos gregos até hoje, o pré-requisito para a existência da propriedade, liberdade e ordem é o mesmo: a lei. Contudo, a ampliação e o refinamento do conceito de propriedade foram processos graduais. O desenvolvimento da propriedade separada (ou privada) foi indispensável para o desenvolvimento do comércio e, por consequência, para a formação de estruturas maiores e cooperativas e para o aparecimento dos preços.       

10. A expansão do capitalismo, que ocorreu com o reflorescimento da civilização na Europa durante a Baixa Idade Média, deve sua origem e raison d'être à anarquia política. Não foi nos governos mais poderosos, mas nas cidades da Renascença italiana, do Sul da Alemanha e dos Países Baixos e, finalmente, na Inglaterra governada com mão leve - isto é, sob governo da burguesia, não dos guerreiros - que o industrialismo moderno se desenvolveu.

11. Com certeza o comércio surgiu bem cedo, e o comércio a grandes distâncias, e de artigos cuja fonte os comerciantes nele envolvidos provavelmente não conheciam, é bem mais antigo do que qualquer outro contato entre grupos remotos que possa ser traçado hoje. A arqueologia confirma que o comércio é mais antigo que a agricultura ou qualquer outro tipo de produção regular. Na Europa, evidências apontam para o comércio a enormes distâncias já no Paleolítico, há pelo menos 30 mil anos. 

12. O papel dos governos nos relatos históricos costuma ser exagerado; sabemos que os governos têm se prestado mais em impedir que em iniciar o desenvolvimento do comércio a longa distância. Alguns governos primitivos, por exemplo, depois de descobrir a partir do comércio individual a existência mesmo de recursos desejáveis, tentaram obter esses recursos organizando expedições militares ou colonizadoras. 

13. Reiteradas vezes, governos poderosos prejudicaram tanto a melhoria espontânea que o processo de evolução cultural encerrou-se prematuramente. Tal foi o caso da civilização bizantina. A história da China, por sua vez, fornece muitos exemplos de tentativas governamentais de impor uma ordem tão perfeita, que a inovação se tornou impossível. No século XII, dez poços de petróleo operavam na China; a estagnação posterior deve-se aos poderes de manipulação do governo.     

14. Para o filósofo Aristóteles, só as necessidades conhecidas de uma população existente forneciam justificativa natural ou legítima para o esforço econômico. Ao homem, e mesmo à natureza, ele tratava como se sempre tivessem existido em sua forma atual. Tivessem os atenienses seguido o parecer do filósofo, sua cidade teria encolhido bem rápido às dimensões de uma aldeia, pois a concepção que ele tinha da ordem humana o levou a uma ética adequada apenas, na melhor das hipóteses, a um estado estacionário.  
  
15. As repercussões da sistematização da moralidade da micro-ordem por Aristóteles forma ampliadas quando Tomás de Aquino adotou a doutrina aristotélica no século XIII. A atitude anticomercial da Igreja na Idade Média e nos primórdios da Modernidade, a condenação dos juros, a doutrina do preço justo e o desdém pelo lucro são completamente aristotélicos. Por volta do século XVIII, finalmente, a influência de Aristóteles nessas e em outras questões estava em declínio. Não obstante, uma perspectiva ainda permeada pelo pensamento aristotélico, uma visão de mundo ingênua, passou a dominar a teoria social e é o fundamento do pensamento socialista.    
  
Extraído de: HAYEK, Friedrich A. von. Os erros fatais do socialismo. Tradução de Eduardo Levy. Barueri: Faro Editorial, 2017, p. 13-66. 

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