“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Administração Colonial Espanhola

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

1. O vasto império que os espanhóis conquistaram em menos de meio século durou mais de 300 anos. Os resultados de sua administração se comparam com vantagem aos de outras nações europeias. Os administradores, juristas e eclesiásticos espanhóis preocuparam-se com os fundamentos morais do poder imperial.

2. Em parte, isso pode ter sido uma "racionalização do desejo de adquirir novas terras e riquezas. Nesse sentido, os reis católicos apelaram para o papa Alexandre VI, que definiu o primeiro limite entre as terras espanholas e portuguesas do Novo Mundo na Bula Inter Coetera (1493). Tal divisão nunca foi aceita pelos franceses e pelos ingleses, e foi questionada pelos portugueses. Assim, os dois povos ibéricos firmaram o Tratado de Tordesilhas (1494). A demarcação definitiva das terras de Portugal e Espanha só se estabeleceu no Tratado de Saragoça (1529).  
  
3. Nem mesmo os espanhóis aceitaram que a aprovação pontifícia, por si só, bastava para justificar a anexação de territórios nativos. Assim, o dominicano John Major, influenciado por Aristóteles, concluiu em 1511 que os espanhóis tinham o direito de governar os índios porque estes lhes eram naturalmente inferiores. Sepúlveda chegou a uma conclusão análoga. Entretanto, suas opiniões tinham pouco peso junto do governo central. O bispo Las Casas (ver adiante), ardoroso advogado dos direitos dos índios, considerou a encomienda colonial "onerosa, injusta, tirânica e abominável". O jurista Francisco de Vitória defendeu que os índios estariam tão sujeitos à lei internacional como os espanhóis. Os nativos deviam escutar o Evangelho, ainda que não desejassem aceitá-lo.   

4. Na prática, a política da autoridade local se sobrepunha frequentemente aos decretos do rei da Espanha e do Conselho das Índias. O idealismo do governo espanhol e a sua falta de senso prático são exemplificados pelo Requerimento, um documento que os conquistadores deviam ler aos indígenas antes de começarem a fazer-lhes guerra. Tal documento pedia aos nativos que reconhecessem a supremacia do papa e a soberania do rei de Castela. As bulas do papa Paulo III de 1537, especial a Sublimis Deus, declaravam que os índios eram seres racionais, plenamente capazes de se tornarem bons cristãos. Estes mesmo princípios surgiram nas "Leis Novas" (1542), de Carlos V.      

5. O governo dos novos territórios moldou-se no de Castela. Cada parcela do império formava uma entidade legal independente, sobre a qual o rei espanhol reinava. O Conselho das Índias, formado a partir de 1524, veio a ter completa autoridade sobre todos os aspectos da administração colonial. Só a Inquisição espanhola escapava, de certo modo, da sua jurisdição.   

6. O Conselho das Índias emitia leis e decretos, fazia as nomeações importantes para os cargos da Igreja e do Estado, censurava todas as publicações coloniais e funcionava como tribunal de apelação de última instância. O sistema de inspeções que o Conselho criou para proteger a autoridade real acabava por sufocar todas as iniciativas. Dois vice-reis representavam o rei da Espanha nas Américas - o da Nova Espanha, que governava da Cidade do México, e o da Nova Castela, que governava de Lima. Este tinha precedência sobre o primeiro.  

7. A seguir, vinham distritos, governados por um governador, orientado por uma audiencia (tribunal administrativo e judicial). A audiencia constituía o primeiro nível de fiscalização da autoridade do vice-rei; normalmente as relações entre um e outro eram tensas. Outra fiscalização era a residencia, uma revisão judicial da conduta dum funcionário no termo do exercício do seu cargo. A visita não era muito diferente; tratava-se de uma inspeção específica às atividades de qualquer dos agentes da Coroa empreendida por determinação do Conselho das Índias. Existiam ainda corregidores e alcaldes.  

8. O espanhol médio considerava degradante o trabalho manual. Assim, o colono espanhol, desde o início, recorreu ao trabalho indígena. A questão que se colocava era: esse trabalho seria assalariado ou escravo? Os Reis Católicos relutaram inicialmente, mas acabaram por permitir o trabalho obrigatório. Contudo, ordenaram que os trabalhadores nativos fossem bem tratados, recebessem um bom salário e fossem em tudo o mais como "pessoas livres". 

9. Consequentemente, surgiram duas instituições: encomienda e repartimiento. No primeiro caso, um grupo de aldeias indígenas era "encomendado" a um colono espanhol. Este então se comprometia a fornecer-lhes padres e professores e a proteger os índios. Estes, em troca, deviam-lhe um tributo (normalmente o trabalho forçado). Tal sistema foi duramente criticado desde o início, especialmente pelos frades dominicanos. 

10. O repartimiento, por sua vez, referia-se às aldeias "encomendadas" à Coroa. Cada pueblo fornecia semanalmente um certo número de trabalhadores que eram empregados, mediante um salário fixo, pelos colonos espanhóis, sob a fiscalização dum magistrado local. A escravidão era ilegal, mas o trabalho compulsório era um seu equivalente. 

11. O campeão da defesa dos índios foi Bartolomeu de las Casas. Em Hispaniola, em 1502, ele recebeu uma encomienda de índios. Foi o suficiente para se indignar contra esse sistema. Em 1521, devido a ataques de índios, fracassou ao tentar estabelecer uma colônia modelo em Cumana, Venezuela. Depois disso, tornou-se frade dominicano e passou a defender os índios junto à Coroa. Sua influência apareceu nas "Leis Novas" (1542), mas protestos de colonos e uma guerra civil no Peru fez com que algumas de suas medidas mais importantes fossem revogadas.     

12. A partir de meados do século XVII, o governo central espanhol se tornou cada vez mais ineficaz, embora sempre continuasse vigilante e cioso da sua autoridade. Embora inspecionasse tudo, não possuía meios para obrigar que as suas instruções fossem fielmente executadas. Desconfiados de ideias originais, os seus funcionários tendiam a tornar-se meros burocratas, frequentemente incapazes e corruptos. 
  
13. As fronteiras das colônias eram extremamente difíceis de serem guardadas, razão pela qual desde cedo começaram a se fixar estrangeiros nas colônias. Até o comércio colonial, que o governo também procurou limitar aos seus nacionais, foi passando cada vez mais para as mãos de estrangeiros.

14. A cultura e a sociedade do Império colonial espanhol eram estáticas, o que se refletiu numa hierarquia social impregnada de distinções de classes. No topo, espanhóis europeus (os chapetones) detinham todos os principais cargos seculares e eclesiásticos; a seguir, vinha a nobreza colonial e também os comerciantes; os criollos, descendentes de espanhóis nascidos na América, eram abastados mas não tinham acesso aos cargos mais elevados; na base da sociedade estavam os mestizos, os índios, os negros e os zambos (mestiços de índio e negro). 

15. Apesar de suas belas igrejas, seus nobres palácios e suas universidades ilustres, a sociedade colonial espanhola não estava à altura de forjar uma civilização realmente progressista. Bem antes da morte de Filipe IV, em 1665, o império espanhol já estava em declínio.  
  
Bibliografia consultada: GREEN, V. H. H. Renascimento e Reforma - a Europa entre 1450 e 1660. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 249-255.

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