“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos Testemunhos sobre Jesus

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Testimonium Flavianum, um dos mais importantes documentos não cristãos sobre Jesus de Nazaré.

1. Ninguém na Antiguidade contestou a existência de Jesus (que é mencionado, inclusive, no Talmude). Por outro lado, é forçoso reconhecer que os dados referentes a ele - além daqueles que constam nos evangelhos - são pobres e escassos. O fato, em si, não causa espanto: muitos escritos dos dois primeiros séculos desapareceram e, para analistas da época, Jesus era um judeu obscuro, um "judeu marginal" (John Paul Meier), que vivia numa província afastada do vasto Império Romano.

2. Quando ocorreu o processo de Jesus, diante do prefeito romano da Judeia, Pôncio Pilatos, o processo pareceu secundário, banal à primeira vista. Jesus não foi o único "agitador" político-religioso a conhecer a morte ignominiosa dos escravos e dos rebeldes. Seu destino, milhares de outros o partilharam antes dele, milhares o conhecerão depois.

3. O nome de Jesus, no entanto, é evocado por Joseph ben Mattias, um historiador judeu romanizado do século I conhecido como Flávio Josefo. Nascido por volta do ano 37, na Palestina, e falecido na virada do século II, esse aristocrata erudito, oriundo de uma família sacerdotal da Judeia, tinha se ligado a uma das tendências religiosas do judaísmo da sua época, muito apreciada pelos fariseus. No ano 64, ele foi a Roma defender a causa dos sacerdotes deportados por ordem do procurador Félix e ganhou seu processo graças a Popeia Sabina, segunda esposa de Nero.

4. Quando voltou para a Palestina, em 66 d.C., ao ver seus compatriotas à beira de uma insurreição, eles os aconselhou à moderação, mas acabou por aderir ao movimento. Nomeado governador da Galileia pelo Sinédrio, assumiu a liderança das tropas revoltadas dessa província. Em julho de 67, caiu nas mãos dos romanos, depois da tomada da fortaleza de Jotapata (antiga Yodfat), e foi conduzido diante de Flávio Vespasiano. Com habilidade, ele lisonjeou esse procônsul, profetizando que ele se elevaria à dignidade imperial.

5. Após sua ascensão ao trono, Vespasiano concedeu a cidadania a Josefo e o empregou como historiógrafo. A partir de então, Josefo passou a ser considerado um traidor por seus correligionários. No ano 70, por ocasião do cerco a Jerusalém, ele assistiu participando as fileiras romanas, e repetidas vezes tentou agir como intermediário junto aos revoltosos, sem sucesso. O fanatismo e a intransigência falaram mais alto, e Jerusalém foi aniquilada. Josefo fixou-se então, em Roma, tornando-se protegido da dinastia dos imperadores descendentes de Vespasiano (Tito e Domiciano).

6. Josefo deixou-nos duas importantes obras: A Guerra dos Judeus (75-79) e Antiguidades Judaicas (93-94). Nessa última obra, ele evoca a figura de João Batista, cita o nome de Tiago, o irmão de Jesus, e finalmente consagra algumas linhas a este último. Tal como se apresenta, esse texto, o testimonium flavianum, foi objeto de muitas controvérsias, de tanto ele parece refletir uma confissão da fé cristã:

7. "Nessa época viveu Jesus, um homem excepcional, se, em todo caso, convém chamá-lo um homem, porque ele realizava coisas extraordinárias. Mestre de pessoas que estavam completamente dispostas a receber bem as doutrinas de boa qualidade, ele ganhou muitos adeptos entre os judeus e até entre os helenos. Ele era o Cristo. Quando, por denúncia de nossos cidadãos importantes, Pilatos o condenou à morte sobre a cruz, aqueles que lhe haviam dado seu afeto no início não cessaram de amá-lo, porque Jesus lhes apareceu no terceiro dia, vivo novamente, como os profetas divinos tinham declarado, assim como há mil outras maravilhas a seu respeito. Em nossos dias ainda não se extinguiu a linhagem daqueles que por causa dele são chamados cristãos."

8. Flávio Josefo, um rico e importante fariseu, jamais convertido ao cristianismo, seria mesmo o autor dessa passagem? Alguns historiadores defendem que sim. Para Étienne Nodet, o autor não teria dado a sua opinião pessoal, mas repetido a "confissão batismal dos cristãos de Roma". Outros, porém, consideram o Testimonium como obra de um falsário. Outros, mais numerosos, acham que ele é autêntico, mas que um interpolador cristão, provavelmente do final do século III, acrescentou à obra pelo menos duas menções marginais (as expressões da citação que estão em itálico).

9. O historiador israelense Shlomo Pinès encontrou, na História Universal de Agapios de Menbidj (ou Agapios de Hierápolis), historiador árabe cristão do século X, uma versão truncada do Testimonium. Nele, não aparecem as passagens contestadas do testimonium flavianum. Essa versão resumida e levemente remanejada, proveniente de um texto muito mais antigo, parece autêntica. Com efeito, deve ter sido difícil que um cristão como Agapios tenha podido eliminar do original as considerações que valorizavam Cristo.

10.  Alguns pagãos falam igualmente de Jesus. Plínio, o Jovem, procônsul de Bitínia e Ponto na Ásia Menor, que perseguia os sectários dessa religio illicita, escreveu a respeito deles ao imperador Trajano entre 111 e 113 da nossa era. Esse documento também indica que, fora das fontes cristãs, desde o início do século II que seus discípulos consideravam Cristo como um "deus". Consequentemente, Jesus seria um rival daqueles inumeráveis que figuravam no panteão romano.

11. Mais ou menos na mesma época, o historiador Tácito (56-118), antigo governador da província da Ásia, evocava os cristãos em seus Anais. Ele os citou no contexto das represálias sangrentas organizadas por Nero contra os cristãos, após o incêndio que devastou a cidade de Roma a partir da noite de 18 para 19 de julho do ano 64. A feroz repressão contra aquilo que o imperador considerava uma seita dissidente e perigosa começou na primavera do ano 65. Alguns judeus, membros da corte imperial, talvez a própria imperatriz Popeia, teriam sugerido essa decisão.

12. O historiador Suetônio (69-125), chefe do serviço de correspondências de Adriano, observou, em sua obra A Vida dos Doze Césares, a propósito do imperador Cláudio: "Como os judeus se revoltavam continuamente, instigados por Cresto, ele os expulsou de Roma." Embora não seja clara, a frase tem o mérito de mostrar que, nos anos 49-50 na época do decreto de expulsão, já havia numerosos cristãos na capital imperial diferenciando-os das comunidades judaicas tradicionais.

13. Por volta do ano 170, na sua obra A morte de Peregrino, o satírico Luciano de Samósata também denunciava os cristãos que veneravam, dizia ele, "o homem que foi empalado na Palestina por ter introduzido no mundo um novo culto". Eles "adoravam esse sofista crucificado e seguiam suas leis".

14. Há um outro testemunho, uma carta escrita entre os séculos I e II por um estoico sírio chamado Mara Bar Serapião: "Que vantagem os atenienses tiveram em matar Sócrates, visto que eles foram atingidos pela fome e pela peste? Ou aqueles da ilha de Samos em queimar Pitágoras, pois o seu país foi num só instante inteiramente soterrado sob as areias? Ou os judeus em crucificar o seu sábio rei, visto que, a partir dessa época, o reino lhes foi retirado? Foi com equidade que Deus vingou esses três sábios." Contrariamente a Josefo e a Tácito, Mara Bar Serapião atribuía aos judeus a responsabilidade pela execução de Jesus.

15. No mesmo sentido, um baraita do século III (um comentário rabínico, inserido no Talmude da Babilônia) indicava que as altas autoridades de Jerusalém tinham decidido de modo legal enviar Jesus para a morte, por ter enganado o povo. Outro documento rabínico atribui as culpas a um Yeshu ben Pantera, filho de uma judia que tivera relações ilegítimas com um soldado romano chamado Pantheras: pantera seria, na realidade, uma deformação da palavra grega parthenos, virgem. Trata-se de um ataque contra a crença cristã do nascimento virginal de Cristo.

PETITFILS, Jean-Christian. Jesus - a Biografia. Tradução de Lea P. Zylberlicht e Gian Bruno Grosso. São Paulo: Benvirá, 2015, p. 343-348.

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