“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«Divisões perigosas», de Peter Fry et. al.

quarta-feira, 13 de maio de 2015


Apesar de ter sido publicado em 2007, pela editora carioca Civilização Brasileira, só na semana passada conheci este livro (que, na verdade, é uma coletânea de artigos). Eminentes estudiosos do assunto juntaram-se para criticar a racialização em curso na sociedade brasileira, assumindo a mais radical posição anti-racista - "solapar os pressupostos que embasam a ideia de raça" (p. 18).

A propósito de divulgar esta obra, lembro que hoje é o Dia da Abolição da Escravatura. Como bem lembrou um dos autores, Demétrio Magnoli ("A Abolição da Abolição", pp. 65-66):

O 13 de maio devia ser comemorado nas ruas, como uma festa popular em homenagem aos personagens públicos e aos milhares de heróis anônimos que conduziram a primeira grande luta social de âmbito nacional no Brasil e derrotaram a dinastia e a elite escravistas. (...) A Abolição foi uma luta popular moderna, compartilhada por brasileiros de todos os tons de pele. (...) 

Zumbi não viveu no Brasil, mas na formação social de um enclave colonial-mercantil português. Na luta gloriosa e desesperada que liderou não existia a alternativa de mudar o mundo, mas apenas a de segregar os seus num outro mundo, que foi Palmares. Os revisionistas que fingem celebrar a memória de Zumbi praticam um sequestro intelectual, despindo a narrativa do seu programa atual de separação política e jurídica das 'raças'. Esse é o motivo pelo qual decidiram abolir a Abolição.  

Dentre os vários abolicionistas brasileiros de diferentes "tons de pele", vale a pena destacar Joaquim Nabuco, José do Patrocínio (filho de pai branco e mãe negra escrava), Antônio Bento, Silva Jardim, o ex-escravo Luís Gama, dentre outros. Todos esquecidos pelo atual movimento negro, que elegeu Zumbi e Palmares como os seus ícones. 

Contudo, como frisa José de Souza Martins no artigo "O branco da consciência negra" (p. 99):

Como o branco, o negro nunca foi, no Brasil, um paladino da liberdade [Conheça a História dos Escravos que prosperavam comprando negros]. Nem podia. Havia escravidão em Palmares. Escravos que se recusavam a fugir das fazendas e a ir para os quilombos eram capturados e convertidos em cativos dos quilombolas. A luta de palmares não era contra a iniquidade desumanizadora da escravidão. Era apenas recusa da escravidão própria, mas não da escravidão alheia. As etnias de que procederam os escravos negros do Brasil praticavam e praticam a escravidão ainda hoje, na África. Não raro capturavam seus iguais para vendê-los aos traficantes. Ainda o fazem.

Para finalizar, Ronaldo Vainfas, no artigo "Racismo à moda americana" (pp. 85-87) estabelece um contraste entre a escravidão norte-americana e a escravidão brasileira, destacando que esta última 

... não passava rigorosamente pela linha de cor. Joaquim Nabuco, ainda no século XIX, apontou com olho clínico este fato. No Brasil escravista, negros chegaram a ser senhores de escravos ou mesmo traficantes, em geral libertos (...), chegando alguns a enriquecer com o tráfico atlântico. O mesmo em relação a mulheres, como indicou Sheila de Castro Faria (...). Este é fenômeno de sociologia histórica que dificilmente se encontraria no caso dos Estados Unidos.

A chave para entender o preconceito mais velado contra o negro no Brasil em contraste com a violência da discriminação nos Estados Unidos encontra-se no processo de abolição. Muitos historiadores tratam disso, mas vale a pena repetir. Entre nós, uma abolição lenta, negociada, tecida na esfera das elites políticas. Nos Estados Unidos, uma abolição traumática, resultado de uma guerra civil, no fim da qual foram suspensos, no tempo da Reconstrução Radical, os direitos políticos dos brancos sulistas.

Foi nesse tempo, ainda em 1865, que surgiu a Ku Klux Klan, dedicada a matar negros, depois a impedi-los de obter direitos políticos e civis. A Klan surgiu no sul, mas não tardou a se espalhar pelo país inteiro, no início do século XX. A Klan se tornou organização poderosíssima, tolerada ou apadrinhada por diversos governos estaduais (...) Com a crise de 1929, sua popularidade cresceu (...). Nutria forte simpatia pelo nazismo, tornou-se antissemita com devoção. Só não avançou mais nessa época pela entrada dos Estados Unidos na guerra.
(...)

Poder-se-ia dizer que as mazelas da Ku Klux Klan nada tem que ver com a História do Brasil. É verdade em parte, porque ao menos não tivemos experiência histórica familiar similar, felizmente. 

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