“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«Gulag», de Anne Applebaum

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Baixe essa obra gratuitamente aqui.

Aos 15 anos eu buscava os escritos de Marx (conheça essa história AQUI). Mas, aos 18, iniciei a graduação em História e conheci o "outro lado da moeda" - os autores que denunciam os erros do marxismo e as monstruosidades do regimes comunistas.

Dentre os livros recomendados pelos meus professores, jamais me esqueci de Gulag - uma história dos campos de prisioneiros soviéticos (Ediouro, 2004), vencedor do Pulitzer de não-ficção de 2004. Como não era leitura obrigatória, não foi disponibilizado para fotocópia. Também nunca esteve na biblioteca da Ufes (novidade!), impedindo-me, por anos, de lê-lo. Entretanto, quase dez anos depois de ter ouvido falar nele pela primeira vez, comprei-o (via Estante Virtuale o li.

Assim que o recebi, descobri porque é difícil encontrá-lo nas bibliotecas: apenas três mil exemplares foram impressos pela Ediouro. Hoje, quem quiser adquirir um dos poucos exemplares disponíveis no EV, terá que se dispor a fazer um pequeno investimento.

O Gulag compreendia uma série de campos de concentração da antiga União Soviética. Neles, milhões de criminosos e, principalmente, prisioneiros políticos, trabalhavam como escravos. Suas condições de vida eram condições abomináveis, e tanta exploração visava sustentar a débil economia soviética. A história desses campos é quase tão extensa quanto a existência da União Soviética. Juntamente com os exílios forçados, o Gulag era um dos principais instrumentos do terrorismo de Estado do totalitarismo comunista.

Dentre os vários aspetos que poderia destacar do livro, mencionarei dois. O primeiro é a grande semelhança entre o totalitarismo comunista e o totalitarismo nazifascista. Sobre isso, o trecho abaixo é emblemático (p. 221):

Se não estava escuro, se não se encontravam doentes e se demonstravam interesse em olhar, a primeira coisa que os presos viam na chegada era o portão do campo. No mais das vezes, o portão exibia um slogan. Da entrada de um dos lagpunkts, "pendia um arco-íris de compensado com uma faixa por cima, na qual se lia que 'Na URSS, o trabalho é questão de honestidade, honra, bravura e heroísmo!'". Numa colônia de trabalho nos subúrbios de Irkutsk, Barbara Armonas foi acolhida com esta faixa: "Com trabalho honesto, saldarei meu débito para com a pátria." Chegando em 1933 a Slovetsky (...), outro preso viu um aviso que dizia: "Com mão de ferro, conduziremos a humanidade à felicidade!" Yurii Chirkov, detido aos catorze anos, também deparou com um aviso em Slovetsky: "Por meio do trabalho, a liberdade!", slogan que é tão constrangedoramente parecido quanto possível com o Arbeit macht frei ("O trabalho liberta") que se via sobre os portões de Auschwitz.   

Assim, fica evidente que o nazismo e o comunismo são siameses. Quem ainda duvidar, que leia O passado de uma ilusão, de François Furet, uma obra fundamental para a compreensão desses regimes. 
Criança trabalhando num campo. Fonte: Gulag Memories

Anne Applebaum lembra ainda que, se o Gulag era opressivo e desumano, a União Soviética também o era. Mas, obviamente, como um sistema de trabalhos forçados (e, sob Stalin, também de extermínio) o Gulag era um inferno sobre a Terra. Talvez por isso existiram casos de duplas de prisioneiros que, ao planejarem uma fuga, convidavam um terceiro prisioneiro para se unir a eles; a ideia era devorá-lo quando os víveres acabassem. As pessoas enlouqueciam, quebravam qualquer tabu ou princípio moral, simplesmente para se livrarem daquele sistema abjeto. Os que nele permaneciam corriam o risco de cometer atos de loucura inimagináveis, como fica claro no testemunho de Edward Kuznetsov (citado na p. 600): 

Eu vi condenados engolindo enormes quantidades de pregos e arame farpado; vi-os engolindo termômetros de mercúrio, sopeiras de peltre (...), peças de xadrez, dominós, agulhas, vidro moído, colheres, facas e muitos outros objetos semelhantes. Vi condenados costurando a boca e os olhos com linha ou arame, pregando botões no próprio corpo; ou pregando testículos na cama [...] Vi condenados cortando a pele dos braços e das pernas e puxando-a como se fosse uma meia (...); vi condenados cobrindo-se de papel e ateando-se fogo, vi condenados cortando os dedos, o nariz, as orelhas, o pênis [...].

Kuznetsov lembra que tais atos (dos quais alguns tive que omitir) NÃO eram feitos em protesto. Às vezes a automutilação ocorria sem qualquer motivo aparente. Isso ilustra o nível de insanidade provocado pelo aparelho repressor do totalitarismo comunista. Assim, é de se estranhar que, em pleno século XXI, tantos ainda se considerem socialistas...

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