domingo, 30 de abril de 2017
Uma procissão dos Flagelantes nos Países Baixos, ca. 1350.
"Mais livre de seus movimentos nas representações, se não na vida cotidiana, o corpo é objeto, no final da Idade Média, de cuidados mais atentos. As diferentes correntes do conhecimento e da sensibilidade convergem para uma moral prática, que visa manter o melhor possível a mecânica corporal. Sem dúvida, as formas novas da devoção, a partir do século XIV, conservam da tradição ascética a preocupação de colocar o corpo em seu lugar; mas, se a extrema santidade passa sempre pelo abandono de nosso despojo, se o movimento penitencial faz dos flagelantes especialistas do ferimento e da humilhação do corpo, a massa dos fiéis é convidada à imitação de Cristo, que não era um eremita, mas um homem no meio do povo. A pregação de santo Antonio, de Geiler von Kaisersberg não brada contra o corpo, mas contra excessos de atenção ao corpo que desviam do essencial, a vida espiritual. Nesse terreno, ela não contradiz a curiosidade naturalista, fortalecida pelo Novo Aristóteles que procura melhor compreender as funções do corpo para ajudar o indivíduo equilibrar seu comportamento: medicina e moral são indissociáveis, já que fazem triunfar juntas a ideia de medida. É a ideia central do grande tratado de Konrad von Megenberg, Das Buch der Natur, datado de 1349, que recomenda um estilo de vida corporal perfeitamente compatível com a interioridade. Dieta, movimento, ar livre, banhos frequentes, mens sana in corpore sano. Mesmo aprovando as proezas físicas dos cavaleiros no torneio, nada deve entrevar as virtualidades espirituais dos atletas de Cristo, que deveriam ser todos os cristãos. Sabe-se do fervor com que foram cercados são Jorge e são Miguel em toda a Europa no final da Idade Média."
BRAUNSTEIN, Philippe. Abordagens da intimidade nos séculos XIV-XV. In: DUBY, Georges (org.). História da Vida Privada, 2: da Europa Feudal à Renascença. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 584.
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