“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Lotou ou Ainda Cabe Mais?

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Dois destinos: judeus chegam à Inglaterra pouco antes da Segunda Guerra Mundial e africanos em balsa improvisada, na atualidade.

A quem pertence um país e quem tem o direito de morar nele? Com um passado incomparável e camadas históricas extraordinariamente variadas, inclusive em seus momentos de fluxo e refluxo populacional, a Itália já declarou que a lotação está esgotada. No ano passado, acolheu mais de 180 mil pessoas, a maioria absoluta provenientes da África. Neste ano, podem chegar a 250 mil. Até organizações humanitárias dizem que não dá mais para acomodar os refugiados em cidadezinhas minúsculas, vilarejos medievais ou bairros distantes de uma metrópole como Roma. 

O governo italiano, de centro-esquerda, já ameaçou se estranhar com vizinhos da União Europeia e liberar documentos para os africanos - designação genérica, já que não se trata de imigrantes clássicos nem de refugiados de guerra. A Áustria chegou a encenar uma mobilização de tropas caso fossem abertas as fronteiras, ressurgidas depois dos tempos de tranquilidade da Europa com movimentação sem controle. 

Ao contrário dos imigrantes que vieram para o Novo Mundo, entre os quais tantos de nossos antepassados, com uma malinha, muitos carimbos nos documentos e esperança de emprego, as ondas humanas atuais chegam aos países ricos com abrigo, saúde e educação providos pelo Estado de bem-estar social. Organizações supranacionais, como a própria União Europeia, também têm verbas para dar garantias inimagináveis pelos imigrantes do passado. O problema, como sabemos, é que o dinheiro não aparece magicamente nos cofres dos Estados ou seus avatares. Não existem empregos de baixa qualificação para atender os refugiados atuais, e os qualificados, com formação profissional, são mais fruto do desejo que realidade. 

A arca da civilização é complexa. Socorrer os desvalidos é um impulso nobre e solidário que ganha outras feições quando vira incentivo ao deslocamento populacional em massa e colaboração com os exploradores de um comércio vil. Proteger o próprio país, com sua identidade nacional, de definições tão fugidias, também é um direito inalienável. A solução, irrealizável no momento, seria fixar as massas em movimento em seus países, dificultando o tráfico de refugiados e dando incentivo a uma vida melhor. Entre outras coisas, isso implicaria algum tipo de intervenção na Líbia, país acéfalo onde o caos descontrolado predomina desde da queda do ditador Muamar Kadafi. 

Vilma Gryzinski, Veja, 22 de julho de 2017. Texto Adaptado.

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