“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Democracia Pericliana

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Na célebre profissão de fé na democracia que Tucídides atribui a Péricles (II, 37, 2), em primeiro lugar, o grande estadista alcmeônida afirma a originalidade do regime político ateniense. A seguir, Péricles apresenta o princípio sobre o qual ela se baseava, isto é, a soberania do démos, o que implica a palavra democracia, orgulhosamente reivindicada. Esse termo é composto de duas palavras: démos, cuja tradução é "povo", e o verbo kratein, que se refere ao exercício da soberania. segundo Péricles, as decisões dependiam "da maioria", do maior número (pleiôn). Evidentemente, a arraia-miúda em geral compunha essa maioria. 

Num primeiro momento, a soberania da maioria se exercia no seio das assembleias. À época de Péricles, o ano era dividido em dez pritanias, durante as quais os cinquenta membros da bule da tribo em exercício deliberavam quase permanentemente. Havia quatro sessões regulares da assembleia por pritania, isto é, quatro sessões anuais, cada uma com uma ordem do dia precisa. Nessa assembleia, podiam assistir, fazendo uso da palavra, todos os cidadãos atenienses. Ela detinha o poder de decisão sobre todos os assuntos referentes à cidade, às relações com o resto do mundo grego, os problemas de aprovisionamento de Atenas, à organização da vida religiosa e à regulamentação das heranças. Além disso, a assembleia controlava constantemente os magistrados aos quais se delevaga o poder de executar as decisões tomadas. 

Segundo a Constituição de Atenas, os cidadãos erguiam as mãos para votar e assim as decisões eram tomadas. Não deixa de ser intrigante que esse fosse o método, uma vez que uma assembleia poderia reunir vários milhares de homens, uma disciplina extraordinária. Conhece-se pelo menos um caso em que a decisão foi controversa - caso do voto sobre que destino dar à população de Mitilene, que tentou, em 427 a.C., abandonar a aliança ateniense. Inicialmente o voto foi pela morte de todos os homens de Mitilene. Depois, uma nova assembleia recuou e os mitilinenses foram poupados por uma pequena maioria. 

Para o voto do ostracismo, no entanto, votava-se através de um caco de cerâmica no qual se escrevia o nome daquele que se considerava perigoso para a cidade e que precisava viver no exílio por dez anos. No caso dessa votação, e também para se atribuir o direito de cidadania, era preciso um quorum de seis mil pessoas. 

Nessa civilização da palavra, o papel do orador era crucial. Se nos questionarmos sobre a natureza da autoridade exercida por Péricles, na medida em que ele era um dos dez estrategos eleitos anualmente, não há como duvidar de que ele a devia não apenas ao fato de ter sido reeleito estratego por quinze vezes consecutivas, mas também, e no mínimo em igual medida, à magia de sua palavra. 

A bule dos Quinhentos era formada a partir do sorteio anual de cidadãos maiores de 30 anos. Como não se podia ocupar esse cargo mais de duas vezes, grande número de cidadãos podia chegar até ele. A remuneração do cargo da bule possibilitou que todas as camadas da comunidade cívica nela estivessem representadas.Comissões formadas no seio dessa instituição controlavam um certo número de atividades públicas. A bule ainda organizava a eleição ou o sorteio dos magistrados no início de cada ano e, desde as reformas de Efialtes, exercia o poder judiciário juntamente com os tribunais populares da Heliaia. 

A Heliaia era o terceiro órgão pelo qual se exercia a soberania popular. Anualmente eram sorteados seis mil nomes de cidadãos maiores de 30 anos. Os tribunais da Heliaia herdaram o essencial dos poderes judiciários do Areópago. Assim, examinavam todos os processos, tanto privados quanto os que envolviam a cidade, e funcionava como instâncias de apelação de todas as decisões tomadas pela assembleia ou pela bule. Um magistrado condenado pela bule, quando de sua prestação de contas, por exemplo, podia apelar aos tribunais. 

Bibliografia consultada: MOSSÉ, Claude. Péricles - o inventor da democracia. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade, 2008, p. 69-85.

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