“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos O Reinado de D. Pedro I

domingo, 31 de maio de 2020

A Proclamação da Independência, 1844, óleo sobre tela de François-René Moreau (1807-1860).  

1. Embora a independência tenha se consolidado em poucos anos, alguns conflitos foram relativamente graves. O oficial francês Pedro Labatut teve um papel destacado na organização das tropas leais ao príncipe regente, mas foi substituído em maio de 1823, pelo general brasileiro José Joaquim de Lima e Silva. Outro comandante importante na consolidação da independência do Brasil foi o lorde Cochrane. Os conflitos mais importantes ocorreram no Sul do país e na Bahia (onde os portugueses retiraram-se a 2 de julho de 1823, uma data tão importante para os baianos quanto o 7 de setembro).

2. Os Estados Unidos reconheceram a independência do Brasil em maio de 1824. O reconhecimento formal, por parte dos ingleses, só foi retardado porque estes tentaram conseguir a extinção imediata do tráfico de escravos. Portugal só reconheceu a emancipação da sua antiga colônia na América em agosto de 1825, quando o governo brasileiro concordou em compensar Lisboa com 2 milhões de libras. O recurso foi obtido graças ao primeiro empréstimo externo, contraído junto a Londres. 

3. A emancipação do Brasil não resultou em maiores alterações da ordem social e econômica, ou da forma de governo. Exemplo único na história da América Latina, o Brasil era uma monarquia entre repúblicas. Cumpre destacar que, mesmo no interior do núcleo promotor da independência, com José Bonifácio à frente, não havia um acordo sobre as linhas básicas que deveria ter a organização do Estado. Assim, os anos 1822-1840 foram marcados por grande flutuação política e uma série de rebeliões e tentativas contrastantes de organizar o poder.

4. Meses antes da independência, as eleições para a Assembleia Constituinte já estavam previstas. Nos dois primeiros anos após a independência, o debate político se concentrou no problema da aprovação de uma Constituição. Na abertura dos trabalhos da Constituinte, em maio de 1823, D. Pedro I parafraseou Luís XVIII ao jurar defender a futura Constituição se ela fosse "digna" do Brasil e dele próprio. A maioria dos constituintes adotava uma postura liberal moderada - pretendiam defender uma monarquia constitucional que garantisse os direitos individuais e estabelecesse limites ao poder do monarca.

5. Logo surgiram desavenças entre o imperador (apoiado a princípio por José Bonifácio) e a Assembleia. Os constituintes queriam que o monarca não tivesse o poder de dissolver a futura Câmara dos Deputados, forçando assim, quando julgasse necessário, novas eleições. Queriam também que ele não tivesse o poder de veto absoluto. Para D. Pedro I e seu círculo, no entanto, era necessário criar um Executivo forte, capaz de deter as tendências "democráticas e desagregadoras".

6. Em julho de 1823, José Bonifácio foi afastado do ministério - ele havia ficado entre o "tiroteio" da crítica dos liberais e a insatisfação dos conservadores. Daí para a frente, Bonifácio e seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco fariam oposição ao governo e aos democratas. A disputa entre os poderes resultou, afinal, na dissolução da Assembleia Constituinte por D. Pedro I, apoiado pelos militares. Logo a seguir, cuidou-se de elaborar um projeto constitucional que resultou na Carta outorgada em 25 de março de 1824.

7. A Constituição de 1824 definiu o governo como monárquico, hereditário e constitucional. O Império do Brasil teria uma nobreza, mas não uma aristocracia, uma vez que os títulos concedidos não seriam hereditários. A religião católica romana continuava a ser a religião oficial. O Poder Legislativo foi dividido em Câmara e Senado; a eleição para a primeira seria temporária, ao passo que a do Senado seria vitalícia. O voto era indireto e censitário, e no caso da eleição para o Senado, elegia-se uma lista tríplice em cada província, cabendo ao imperador escolher um dos três nomes eleitos.

8. Eleição para a Câmara de Deputados. Nas eleições primárias, votavam os cidadãos brasileiros, inclusive os escravos libertos. Não podiam votar, dentre outros, os menores de 25 anos, os criados de servir, os que não tivessem renda anual de pelo menos 100 mil-réis provenientes de bens de raiz (imóveis), indústria, comércio ou emprego. Os candidatos, além dessas exigências, precisavam ter renda mínima de 200 mil-réis anuais e não poderiam ser escravos libertos. Os escolhidos nessas eleições primárias formavam o corpo eleitoral que elegeria os deputados.

9. Para ser candidato na segunda etapa, além dos requisitos anteriores, era preciso ser católico e ter renda anual mínima de 400 mil-réis. Não havia referência expressa às mulheres, mas elas estavam excluídas desses direitos políticos pelas normas sociais. Até 1882, era praxe admitir o voto de grande número de analfabetos, tendo em vista o silêncio da Constituição a esse respeito. Os presidentes das províncias eram nomeados pelo imperador. Os direitos individuais foram assegurados, ainda que a liberdade religiosa tivesse algumas restrições.

10. O Conselho de Estado era um órgão composto por conselheiros vitalícios nomeados pelo imperador. Sua função era assessorá-lo nos "negócios graves e medidas gerais da pública administração". O Poder Moderador, no caso brasileiro, não se separou claramente do Poder Executivo. Disso resultou uma concentração de atribuições nas mãos do monarca. Cabia a ele, entre outras coisas, a nomeação dos senadores, a faculdade de dissolver a Câmara e convocar eleições para renová-la e o direito de sancionar as decisões do Senado e da Câmara.

11. A dissolução da Assembleia Constituinte e a outorga da Constituição de 1824 provocaram violentas reações em diversas províncias. Na Bahia, em dezembro desse ano, ocorreram manifestações de lusofobia e ameaças de secessão. Nesse mesmo ano, em Pernambuco, eclodiu uma grande revolta, a Confederação do Equador. O Frei Caneca e Paes de Andrade foram os principais líderes da revolta. No dia 2 de julho, proclamou-se em Pernambuco a Confederação do Equador. Uma Junta Governativa, presidida por Paes de Andrade e apoiada na aristocracia rural. Pretendiam os revolucionários estabelecer a República, o federalismo, o sistema representativo, a Constituição colombiana, os Poderes Executivo e Legislativo apenas (com o predomínio deste) e a abolição do tráfico negreiro para o porto de Recife. 

12. A repressão esteve a cargo dos mercenários liderados pelo almirante Cochrane, bem como das tropas brasileiras de Francisco de Lima e Silva e durou seis meses. A violência da repressão e a dureza com que o tribunal militar de exceção instaurado tratou os rebeldes (ordenando a execução cerca de dezessete envolvidos, inclusive o Frei Caneca), acirraram bastante os ânimos da oposição liberal a D. Pedro, tanto na Corte como nas várias províncias. O crescente desgaste que o monarca passou a sofrer tinha a ver também com a estreita ligação entre ele e os burocratas e comerciantes lusitanos, que era seus favoritos na concessão de honrarias e títulos de nobreza e no preenchimento dos cargos públicos, sobretudo na ocupação dos postos de confiança e de comando das forças armadas e na composição dos ministérios. 

13. A Questão Cisplatina. Em 1825, quatro anos após a sua incorporação oficial ao Brasil, essa província iniciou uma rebelião, de que se aproveitou Buenos Aires para anexá-la às Províncias Unidas do Reio da Prata. Diante disto, o Brasil declarou guerra à Argentina, a qual se estendeu até 1828, quando, no mês de outubro, foi implantada a Banda Oriental do Uruguai. O novo Estado surgiu com a mediação inglesa, e seria uma espécie de Estado tampão entre o Brasil e a Argentina. O saldo desse conflito, para o Brasil, foi uma alta carga aos cofres públicos já exauridos do país (mais uma vez, foi preciso recorrer a mercenários para reforçar as tropas brasileiras), além de outros problemas econômicos e desgastes políticos.

14. Entre 9 e 11 de junho de 1828, tropas alemãs e irlandeses aquarteladas na Corte rebelaram-se; durante três dias o Rio de Janeiro ficou à mercê dos rebeldes. Após retomar o controle, D. Pedro demitiu os ministros da Guerra, da Fazenda e do Império. Três dias depois, demitiu também o ministro da Justiça, o que, contudo, só aumentou os descontentamentos. Somava-se a tudo isso a aguda e prolongada crise econômico-financeira. Em 1829, o Banco do Brasil (do qual os cofres foram esvaziados quando D. João VI deixou o país) faliu. A crise foi atribuída à imperícia do governo, convertendo-se, assim, em mais um problema de ordem política. 

15. A onda revolucionária que abalou a Europa em 1830 foi amplamente noticiada e saudada pelos periódicos liberais no Brasil, o que contribuiu ainda mais para deslegitimar e desestabilizar o governo de D. Pedro. O assassinato do jornalista liberal Libero Badaró, em 20 de novembro desse ano, inflamou ainda mais o panorama político, uma vez que surgiram rumores infundados de que o crime tivesse ocorrido a mando do imperador. Entre 11 e 16 de março de 1831, nas Noites das Garrafadas, brasileiros e portugueses digladiaram-se nas principais ruas do Rio de Janeiro. A oposição cada vez mais acirrada a D. Pedro I adquiriu, assim, um forte antilusitanismo, especialmente entre as camadas populares. Na sequência, no dia 5 de abril, D. Pedro demitiu o ministério dos brasileiros. A partir daí, a crise se acelerou, vindo D. Pedro a abdicar, na madrugada do dia 7 de abril, em favor do seu filho. 

Bibliografia consultada: 
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013, p. 123-136.
BASILE, Marcello Otávio N. de C. O Império Brasileiro: Panorama Político. In: LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990, p. 188-245. 

0 comentários:

Enviar um comentário