“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Doenças no Brasil Colônia

sexta-feira, 13 de junho de 2025

 

Doenças como o sarampo, a sífilis e a varíola dizimaram populações indígenas inteiras no período colonial.

No início da colonização costumava-se distinguir as doenças do litoral, vindas da Europa - como o sarampo, a varíola e a sífilis - e as doenças do sertão, genericamente chamadas "febres malignas", e também fatais. As expedições ao interior durante os séculos XVII e XVIII acabaram por disseminar umas e outras, de forma que as condições de saúde no período final da Colônia eram muito precárias. Somente nos últimos anos do século XVIII, com a introdução da vacina contra a varíola, foi possível enfrentar com sucesso pelo menos este mal.

Quanto à sífilis, extremamente difundida desde o século XVI, foi introduzida no Brasil tanto por portugueses como por franceses. Aliás, a expansão da doença acompanhou o processo de mundialização do comércio nesse século: os europeus a deixaram por todas as regiões onde estiveram. No Japão, aberto ao Ocidente pelo comércio português, a doença chamou-se mambakassam - doença dos portugueses. No Brasil, segundo o testemunho de alguns autores, a sífilis era pouco cuidada. As marcas na pele, típicas dos vários estágios da doença, eram ostentadas como honrosas "feridas de guerra" pelos homens, no dizer de Gilberto Freire.

As verminoses parecem ter sido endêmicas em todas as regiões do Brasil colonial. Documentos descrevem com frequência seus sintomas, demonstrando que o "Jeca Tatu" denunciado por Monteiro Lobato no século XX já existia vários séculos antes.

A malária também grassou no período colonial, sendo impossível precisar seu itinerário. Na região de Guairá, por exemplo, segundo mostra Sérgio Buarque de Holanda, ela era desconhecida à época das missões jesuíticas, no final do século XVI, tornando-se fortemente disseminada bem mais tarde.

Eventualmente, havia surtos epidêmicos, cuja disseminação era facilitada pelas más condições higiênicas dos portos e pela ignorância das formas de contágio. Houve epidemias de varíola desde o século XVI. Uma das mais fortes ocorreu em 1665-1666. Começando em Pernambuco, desceu a costa até o Rio de Janeiro, enfraquecendo-se à medida que avançava.

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 268.

Congadas no Brasil Colônia

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Konshaça, banda de Congo de Serra, ES


Congos ou congadas eram autos populares, de origem africana, mas já diferenciados, que ocorriam não apenas no ciclo de Natal, mas em outras datas comemorativas, geralmente de devoções religiosas dos negros. Comum a sudaneses e bantos, a congada tinha como elementos principais a coroação do rei do Congo, préstitos, embaixadas e danças guerreiras. Sabe-se de sua existência na festa de N. S. do Rosário, no Recife, em 1674, e em outros locais nos séculos XVII e XVIII. Nos desfiles havia imagens e homenagens aos santos protetores dos negros, cuja devoção se concentrava em quatro: N. S. do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia e Santo Antônio Preto. Além das representações, as congadas contavam também com bailes e banquetes, com a presença de autoridades portuguesas e dos senhores de escravos, que, aliás, frequentemente lhes emprestavam joias e adereços. Em 1748, no Rio de Janeiro, celebrou-se com luxo e aparato a coroação de um "rei do Congo", numa grande congada. Em 1760, nas festas oficiais, em Salvador, por motivo do casamento da futura rainha dona Maria I, foi a eles incorporada uma congada. Torna-se, assim, evidente o papel político atribuído pelas autoridades governamentais a essa festa, que reunia basicamente escravos e ex-escravos.

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 256.

Sincretismo no Brasil Colônia

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Maracatu


As atitudes sincréticas e supersticiosas revelavam-se em muitos aspectos da vida social. A divindade africana das águas, por exemplo, tinha sua correspondente na "moura encantada" da tradição portuguesa, deusa das águas que, vaidosa, vivia junto às fontes, penteando-se. A cor vermelha era considerada eficiente contra os maus espíritos nas três culturas: muitas tribos usavam tinturas desta cor para espantar os demônios da floresta; os portugueses colocavam fitas desta cor no pescoço dos animais e usavam preferencialmente telhas vermelham em suas casas; a tradição africana também a considerava profilática contra os maus espíritos, razão pela qual os maracatus e reisados o rei e a rainha vestiam-se com trajes vermelhos.

A concepção indígena de que a floresta era povoada por seres mágicos combinava-se com o imaginário medieval que os portugueses traziam de sua terra, com o imaginário africano e com o catolicismo. Assim, em documentos missionários, há frequentes referências associando os espíritos da floresta com o demônio da tradição cristã, bem como expedientes híbridos para dominá-los: a bala de cera benta para matar o caipora (se o atinge no umbigo) e o laço do rosário usado para aprisionar o saci são exemplos. 

É possível, assim, figurar a religiosidade colonial como sempre presente na vida dos homens, fornecendo explicações e soluções para todos os momentos de sua existência. Era, em seu topo "oficial", barroca, mística, muitas vezes soturna e angustiada, dominada pela obsessão com o pecado e o castigo eterno. Na prática social, porém, era mesclada e sincrética. Além dos princípios da religião oficial, incorporava elementos mágicos e supersticiosos de origem não apenas indígena ou africana, mas também medieval portuguesa, como o culto nas encruzilhadas.

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 250.

Brasil Colônia, Séc. XVIII

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Nos arredores do centro do Rio de Janeiro, a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Glória, concluída em 1739. Óleo sobre tela de 1790. Crédito: Leandro Joaquim/Museu Histórico Nacional - Iphan.


A transferência da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, acentuou o declínio. Convém lembrar, entretanto, que foi um declínio apenas relativo à expansão do Centro-Sul e não um processo de decadência irreversível. Basta lembrar que, comparado à produção do século, o açúcar, predominantemente baiano e pernambucano, gerou uma renda três vezes superior à do ouro. Assim, assistimos menos a uma decadência, do que a um processo de diversificação da economia colonial, por produtos - os metais e a pecuária - e regiões, fatos positivos se comparados às condições anteriores da Colônia.

Pernambuco, na primeira década do século XVIII, sofria com a retirada de escravos para as minas, o preço baixo do açúcar e o endividamento de senhores de engenho e lavradores de cana. À exceção do primeiro, todos os demais problemas já existiam há décadas, agravando-se no início do século. Essas dificuldades afloraram claramente na Guerra dos Mascates, em 1710. A oposição entre senhores de engenho pernambucanos e comerciantes lembra o conflito, na mesma época, entre paulistas e emboabas na região das minas. Mais do que uma afirmação nacionalista, o antilusitanismo que de fato existiu contra emboabas e mascates significou a afirmação de interesses locais, longamente consolidados, frente a adventícios que eram considerados meros aventureiros e especuladores.

No caso pernambucano, deve-se lembrar que os proprietários rurais, especialmente senhores de engenho, consideravam-se uma aristocracia da terra, embora tivessem tido, muitas vezes, antepassados que também eram comerciantes. Sua vida opulenta, os escravos de que dispunham e o orgulho das vitórias alcançadas na luta contra os holandeses combinaram-se para fazê-los uma aristocracia auto-atribuída. Antonil, escrevendo em 1711, afirmava num texto muito conhecido:

"O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado por muitos (...) bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulos entre os fidalgos do reino."

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 175.