quarta-feira, 4 de junho de 2025
As atitudes sincréticas e supersticiosas revelavam-se em muitos aspectos da vida social. A divindade africana das águas, por exemplo, tinha sua correspondente na "moura encantada" da tradição portuguesa, deusa das águas que, vaidosa, vivia junto às fontes, penteando-se. A cor vermelha era considerada eficiente contra os maus espíritos nas três culturas: muitas tribos usavam tinturas desta cor para espantar os demônios da floresta; os portugueses colocavam fitas desta cor no pescoço dos animais e usavam preferencialmente telhas vermelham em suas casas; a tradição africana também a considerava profilática contra os maus espíritos, razão pela qual os maracatus e reisados o rei e a rainha vestiam-se com trajes vermelhos.
A concepção indígena de que a floresta era povoada por seres mágicos combinava-se com o imaginário medieval que os portugueses traziam de sua terra, com o imaginário africano e com o catolicismo. Assim, em documentos missionários, há frequentes referências associando os espíritos da floresta com o demônio da tradição cristã, bem como expedientes híbridos para dominá-los: a bala de cera benta para matar o caipora (se o atinge no umbigo) e o laço do rosário usado para aprisionar o saci são exemplos.
É possível, assim, figurar a religiosidade colonial como sempre presente na vida dos homens, fornecendo explicações e soluções para todos os momentos de sua existência. Era, em seu topo "oficial", barroca, mística, muitas vezes soturna e angustiada, dominada pela obsessão com o pecado e o castigo eterno. Na prática social, porém, era mesclada e sincrética. Além dos princípios da religião oficial, incorporava elementos mágicos e supersticiosos de origem não apenas indígena ou africana, mas também medieval portuguesa, como o culto nas encruzilhadas.
WEHLING, Arno & WEHLING, Maria José. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 250.
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