“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

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Villa Borghese, Roma, Itália.

O Bonaparte das Finanças

sexta-feira, 20 de março de 2020

Nathan Mayer Rothschild (1777-1836), o "Bonaparte das Finanças", em pintura de 1853 de Moritz Daniel Oppenheim (1800-1882).

Nathan Mayer Rothschild foi o fundador da filial de Londres do que foi, durante a maior parte do século XIX, o maior banco do mundo. Foi o mercado de títulos que enriqueceu a família Rothschild - rica o bastante para construir 41 mansões imponentes pela Europa.

Embora os Rothschild tivessem sido correspondentes compulsivos, relativamente poucas cartas de Nathan para seus irmãos sobreviveram. Uma carta, entretanto, transmite claramente o tipo de homem que ele foi. Escrita num quase indecifrável Judendeutsch (alemão transliterado em caracteres hebreus), ela epitomiza aquilo que pode ser considerada sua ética judaica de trabalho e sua impaciência com seus irmãos menos mercurianos. Num trecho, Nathan declara: "Depois do jantar, geralmente não tenho nada para fazer. Eu não leio livros, não jogo cartas, não vou ao teatro, meu único prazer é o meu negócio...". Foi esse ímpeto fenomenal, aliado a um gênio financeiro inato, que impulsionou o "general supremo" (como seus irmãos o chamavam) da obscuridade da Judengasse de Frankfurt ao conhecimento profundo e ao domínio do mercado de títulos de Londres. Mais uma vez na história das finanças mundiais, no entanto, a oportunidade para a inovação financeira foi provida pela guerra.

Na manhã do dia 18 de junho de 1815, 67 mil soldados britânicos, holandeses e prussianos, sob o comando do duque de Wellington olharam através dos campos de Waterloo, para um número quase igual de soldados franceses, sob o comando de Napoleão Bonaparte. Além de tudo o que se sabe no âmbito político-militar, a batalha de Waterloo foi o clímax de uma disputa entre sistemas financeiros rivais: um, o francês, baseado no saque e na pilhagem; outro, o britânico, baseado sobre dívidas.

Nunca antes tantos títulos foram emitidos para financiar um conflito militar. Entre 1793 e 1815, a dívida nacional britânica se multiplicou por três, mais do que o dobro da produção da economia do Reino Unido. Segundo uma lenda de longa duração, a família Rothschild deveu os primeiros milhões da sua fortuna à especulação bem-sucedida de Nathan sobre o efeito do resultado da batalha sobre o preço dos títulos britânicos. Mas a realidade é diametralmente oposta. Longe de lucrar com a vitória de Wellington, os Rothschild quase ficaram arruinados por causa dela. Sua fortuna foi feita não por causa de Waterloo, mas a despeito dela.

Tropas francesas haviam invadido Portugal em 1807. Durante a maior parte dos seis anos subsequentes a 1808, houve uma necessidade recorrente de conseguir homens e matériel para a Península Ibérica. Vender títulos ao público tinha certamente levantado bastante dinheiro para o governo britânico, mas Wellington precisava de uma moeda que fosse universalmente aceitável. O desafio era transformar o dinheiro levantado no mercado de títulos em moedas de ouro e levá-las aonde eram necessárias.

Nathan Rothschild chegara à Londres em 1799, mas só em 1811 entrou nos negócios bancários da capital britânica. Ele adquiriu então uma valiosa experiência como contrabandista de ouro para o continente, quebrando o bloqueio que Napoleão impusera no comércio entre a Inglaterra e a Europa. Foi assim que Nathan prestou um auxílio valioso a Wellington, e em 1814 havia adiantado quase 1,2 milhão de libras ao governo, o dobro da quantia prevista em suas instruções originais. Mobilizar essas vastas quantidades de ouro, mesmo na outra ponta da guerra, era sem dúvida arriscado, mas as pesadas comissões que os Rothschild cobravam mais do que justificavam os riscos. O que os tornava tão adequados para a tarefa é que os irmãos Rothschild já tinham uma rede bancária pronta dentro da família. 

Assim, se o preço do ouro estivesse mais alto, digamos, em Paris do que em Londres, James em Paris venderia ouro em troca de letras de câmbio, depois as mandaria para Londres, onde Nathan as usaria para comprar uma quantidade maior de ouro. Além disso, os Rothschild também manipularam alguns dos maiores subsídios pagos aos aliados continentais dos britânicos. Em junho de 1814, eles tinham efetuado pagamentos desse tipo da ordem de 12,6 milhões de francos.

Depois de sua abdicação em abril de 1814, Napoleão foi enviado à ilha italiana de Elba. Mas, no dia 1º de março de 1815, para consternação dos monarcas e ministros reunidos no Congresso de Viena, ele retornou à França para reviver seu império. Nathan Rothschild reagiu à notícia retomando imediatamente as suas compras de ouro. Após adquirir todas as barras que ele e seus irmãos puderam localizar, ele cuidou para que fossem enviadas a Wellington. Ao mesmo tempo, Nathan se ofereceu para tomar conta de uma nova rodada de subsídios para os aliados continentais dos britânicos. Com comissões sobre todos esses negócios variando de 2% a 6%, a volta de Napoleão era promissora aos Rothschild. Ainda assim, Nathan subestimou um risco. Ao comprar furiosamente uma tal quantidade de ouro, ele assumia que, como em todas as guerras de Napoleão, essa seria longa. Foi um erro de cálculo quase fatal.

Por meio de seus mensageiros, Nathan Rothschild recebeu a notícia da derrota de Napoleão quase 48 horas antes que o major Henry Percy entregasse o despacho oficial de Wellington ao Gabinete. Apesar dessa antecipação, a notícia não era boa, uma vez que ele não esperava nada tão decisivo tão cedo. Com a chegada da paz, os grandes exércitos que tinha lutado contra Napoleão seriam desmobilizados, e a coalizão de aliados dissolvida. Não mais haveria pagamentos de soldos aos militares, nem mais subsídios para os aliados britânicos do período da guerra. O preço do ouro, que havia disparado durante a guerra, estava destinado a cair. Nathan estava diante de perdas pesadas e crescentes. 

A única saída possível era imensamente arriscada: investir no mercado de títulos. Nathan fez grandes aquisições de ações, significando títulos do governo britânico. Sua aposta era de que a vitória britânica em Waterloo e a perspectiva de uma redução dos empréstimos do governo alavancariam os preços dos títulos britânicos. Ele manteve as comprar mesmo quando o preço dos consols começou a subir. Então, nos estertores de 1817, com o preço dos títulos 40% mais caro, ele vendeu. Seus lucros totalizaram cerca de 600 milhões de libras, a preços atuais.

Essa foi uma das negociações mais audaciosas da história financeira. Ecoando tamanha proeza, o poeta Henrich Heine declarou: "o dinheiro é o deus do nosso tempo, e Rothschild é o seu profeta."  

Adaptado de FERGUSON, Niall. A Ascensão do Dinheiro - A História Financeira do Mundo. Tradução de Cordelia Magalhães. São Paulo: Planeta do Brasil, 2009, p. 78-84.

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