domingo, 14 de fevereiro de 2021
Na Alemanha nazista e na União Soviética os militantes dos partidos dos regimes eram vistos como "correia de transmissão" (nas palavras de Lênin) ou "elo de ligação" (Hitler) entre o núcleo dedicado e as periferias distantes da população não partidária. O Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e o Partido Nazi eram fonte de liderança e inspiração políticas; o Estado seria o seu braço executivo.
Os dois partidos viam-se como uma elite representativa. Seu papel, estrutura e significado mudaram com o tempo, à medida que mudava a natureza das ditaduras.
Chama a atenção como ambos os partidos cresceram vertiginosamente. Em 1905, a facção bolchevique do Partido Social Democrata Trabalhista russo possuía 8 mil membros. Em 1953, o Partido Comunista da União Soviética (como passara a se chamar no ano anterior) já alcançava quase 7 milhões de filiados. Já o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães contava com apenas 3 mil membros em 1921. Em 1945, contudo, contabilizava 8 milhões de filiados.
A filiação era um privilégio, e não um direito automático. Existiam períodos probatórios antes que o aspirante passasse formalmente a integrar uma ou outra estrutura partidária. Era comum que o aspirante precisasse ser indicado por mais de um membro sênior do partido.
Os partidos em questão se renovaram constantemente, com destaque para o PCUS. No expurgo de 1933, ele removeu dos seus quadros 800 mil membros. Em 1934, o expurgo eliminou mais 340 mil filiados. A Segunda Guerra Mundial, como se sabe, cobrou um alto preço de vidas soviéticas, e então ocorreu uma segunda transfusão em massa de novos membros.
Ao se transformarem em movimentos de massa, os partidos foram obrigados a se tornarem coalizões. O PCUS era mais fraco no campo do que nas cidades; o Partido Nazi, pelo contrário, era mais forte no campo do que nos centros urbanos. Nenhum dos dois recrutava extensamente entre as mulheres (embora os comunistas se saíssem um pouco melhor). Os postos de liderança de ambos eram dominados por homens.
Os dois partidos tinham uma preponderância de membros jovens, com 35 anos ou menos. Assim, ambos eram dominados por homens jovens, sendo que os nazistas se tornaram particularmente populares entre os desempregados, após o colapso financeiro de 1929. À medida que o PCUS se tornava menos proletário, o Partido Nazi se tornava mais.
Nos dois sistemas, existiam tribunais do partido, que podiam punir certos desvios e até mesmo, em certos casos, estipular pena de confinamento. Assim, em 1939, os tribunais do Partido Nazi julgaram 30 membros da SA e SS por estupro, roubo e assassinato durante a Kristallnacht de 9 de novembro de 1938. Vinte e um assassinatos foram desculpados como resultado de provocações judias, mas três homens que estupraram moças judias foram presos - não pela violência sexual, mas por "contaminação da raça".
Os membros do partido eram objeto de contínua instrução sobre a linha partidária e os meios de autoaperfeiçoamento como ativista do partido. O objetivo da educação política era produzir melhores comunistas e nacional-socialistas, capazes de adaptar a linha do partido e, por sua vez, torná-la compreensível para círculos mais amplos do público. Apesar da expectativa de que os filiados fizessem muito no sentido de se tornarem modelos de um ideal racial ou revolucionário, a criminalidade, a embriaguez e o carreirismo existiam nos dois partidos.
Os partidos tornaram-se parte integral das sociedades que lideravam porque eram produto dessas mesmas sociedades. Logo, tanto na Alemanha quanto na União Soviética, o partido se tornou muito rapidamente um elemento central da vida diária, impossível de evitar ou ignorar, exceto nas regiões rurais mais remotas da União Soviética.
Muitos membros do partido, nos dois sistemas, se empenhavam entusiasticamente na tarefa de mobilizar aqueles pelos quais eram responsáveis. Os privilégios, status e oportunidades de carreira ora complementavam, ora substituía o idealismo que se esperava que os membros do partido exibissem.
Os partidos criaram meios formais e informais de assegurar a nomeação de funcionários do Estado para garantir que se preferissem membros do partido ou conhecidos simpatizantes. Na União Soviética, as listas desses cargos no favor do partido foram institucionalizadas no sistema de nomenklatura. Os nazistas, por sua vez, não criaram um sistema de nomenklatura, mas as nomeações do Estado em todos os níveis passaram a ser dominados pelo partido. No Reich, desde 1933, 60% dos servidores burocráticos do topo e 2/3 de todos os postos do Estado foram preenchidos por membros do partido.
Hitler precisava do partido em ordem para controlar o Estado; Stalin, por sua vez, precisava do Estado em ordem para controlar o partido. Assim, a Constituição de Stalin de 1936 era uma descrição das instituições e poder do Estado, em que só duas vezes se mencionava o papel dirigente do partido. Já os esforços para fazer uma reforma formal do Estado na Alemanha naufragaram na hostilidade de líderes que, ao contrário de Stalin, temiam que as regras fixas escritas circunscrevessem o exercício da ditadura.
O sistema de "partido único" era uma novidade na Europa entreguerras. Assim, tanto o bolchevismo quanto o nacional-socialismo eram movimentos experimentais. Os dois partidos eram autodidatas e se esforçaram vigorosamente na autodisciplina e educação. Os dois partidos são encarados como "totalitários". Mas, "totalitários" em qual sentido?
"Totalitário" não significa que eram partidos "totais", abrangendo tudo ou brandindo completo poder; significa que eram partidos preocupados com a "totalidade" das sociedades em que trabalhavam. Nesse sentido mais estreito, os dois movimentos tinham aspirações totalitárias e jamais foram simples partidos parlamentares. Poucas áreas da vida pública havia que não caíssem sob o exame do partido, ou não fossem condenados com o partido, ou eliminadas. O público foi submetido, querendo ou não, à permanente vigilância do partido. (p. 188)
Bibliografia consultada: OVERY, Richard. Os Ditadores - a Rússia de Stalin e a Alemanha de Hitler. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 149-190.
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