domingo, 23 de abril de 2023
Após formar um vasto império, Carlos Magno (r. 800-814) decidiu valorizar a educação como forma de desenvolver e unificar os seus domínios. Para tanto, reuniu os grandes intelectuais da época e formou um programa de estudos fundamentado nas sete artes liberais: Trivium (Lógica, Gramática, Retórica) e Quadrivium (Aritmética, Música, Geometria e Astronomia). Após a aquisição do domínio das Artes Liberais, obtinha-se o título de bacharel. Com o tempo, este terá três funções: (i) Legere, lecionar; (ii) Disputatio, realizar disputas, e (iii) praedicare, pregar o evangelho. Em seguida, o bacharel estava preparado para aprender as artes liberais superiores: Teologia, Medicina e Direito. Concluído o estudo de uma dessas disciplinas, recebia o título de Magister, ou seja, apto a ensinar.
Foi essa estrutura pedagógica que deu origem às universidades. Elas surgiram em Bologna (1088), Paris (1150), Oxford (1167), e em muitos outros lugares. Nessas instituições, o progresso mais notável foi no campo da lógica. O método de estudo até então era a glossa do texto, consistindo em explicar o sentido de cada palavra, fosse ela das Escrituras, fosse dos escritos dos padres da Igreja. O resultado era a construção de sentenças, frases concisas de uma dada teoria teológica. Pedro Lombardo (1100-1160), um padre com formação em Teologia e Filosofia, recolheu essas sentenças e as expôs de forma sistemática na obra Quatro Livros das Sentenças. Assim, a teologia tornou-se um comentário das sentenças compiladas por Pedro Lombardo. Havia, contudo, um problema: como conciliar algumas sentenças aparentemente divergentes? Aí entra a colaboração de um dos autores mais conhecidos da Idade Média: São Tomás de Aquino (1225-1274).
Tomás de Aquino criou um novo método: a questão (quaestio). Depois de um texto ser lido e glosado, eram apontadas dúvidas e divergências entre as passagens. Criava-se então uma questão, a qual impelia o autor a desfazer as divergências. É assim que São Tomás subverte o modo vigente de se fazer teologia, aquele pautado pelos comentários das Sentenças, e incorpora a quaestio, o que permite a elaboração pessoal do autor. Foi nesse ambiente do século XIII que surgiu a ritualização institucional da disputatio. A disputatio marcou o início de uma mudança importante no ensino medieval, essencialmente livresco, regulado por um conjunto de textos pré-determinados a serem lidos (lectio) pelo mestre para a assimilação e sistematização coerente de um saber já constituído: as disputationes são um contraponto à atitude educacional estritamente passiva, despertando a atividade intelectual dos alunos.
A disputatio fez da universidade medieval o palco de um vivo debate de magistri (mestres) dispostos a encarar os desafios intelectuais que lhes eram propostos por seus alunos e colegas de cátedra. Divididas em quatro modalidades, as disputationes podiam ser ordinárias, nas quais o mestre formulava o tema da disputatio ou quaestio, assistia à respectiva discussão e terminava por formular a resolução; gerais ou de quodlibet, que versavam sobre temas livres, mais solenes; magistrais, entre dois mestres, sustentando cada um o seu modo de ver; e sophismata, que eram justas dialéticas para a demonstração ou refutação de paralogismos.
A partir da fórmula pro, contra e solutio, à questão (ou tese) inicial, expunham-se as razões afirmativas (pro), seguidas da posição contrária (contra) e, por fim, a elaboração de uma possível solução (solutio) ao problema apresentado. As quatro modalidades de disputationes nos apresentam aspectos relevantes destes eventos.
As "disputas ordinárias", por terem a participação do mestre e dos alunos, tinham uma função formativa: provocado pelo mestre, que apresentava uma questão (ou tese) e os argumentos favoráveis (pro), o aluno reagia construindo objeções (contra) e, ao final, o docente tomava a palavra e discorria sobre argumentos pro e contra a fim de desenhar uma resolução geral do embate (solutio). As outras três modalidades ultrapassavam o objetivo formativo, apesar de não prescindirem dele: (i) as disputas gerais ou quaestiones de quodlibet (questões sobre temas livres), (ii) as entre dois mestres e as (iii) sophismata, demonstração ou refutação de raciocínios falsos.
Quando ocorria uma disputatio, todos os cursos eram suspensos: os bacharéis eram obrigados a assistir ao debate, assim como os estudantes do mestre que disputava, atraindo indivíduos de todas as regiões. Ao final, depois de transcrito e organizado, o debate deveria ser depositado na faculdade em que acontecia, sob pena de multa.
Adaptado de Offlattes.
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