“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Hatusa, símbolo de um poder tirânico

sexta-feira, 21 de abril de 2023

 

Visitantes das ruínas de Micenas, na Grécia, e os da capital imperial hitita de Hatusa, na atual Turquia, ficam muitas vezes intrigados pelo fato de as entradas de ambas as cidades terem maciços "portões de leões", leões em pares, gravados em relevo, guardiões simbólicos da cidade. A semelhança, contudo, termina aí. A sede dos reis micênicos - incluindo, prefiro acreditar, Agamenon - era um pequeno e compacto aglomerado de construções ligadas por uma única estrada, incluindo alguns túmulos em colmeias ou em poços para as pessoas proeminentes. Estava cercada por uma muralha baixa para a defesa e aninhada, para proteção, entre dois picos de montanha. É pouco visível até chegarmos ao Portão do Leão, que a distância parece uma mera crista de rocha (e isso não teria sido muito diferente em tempos antigos). Pode ter sido construída numa área baixa como medida extra de segurança contra ataques, mais ou menos como os agricultores na Sicília medieval, que para autodefesa construíam suas choupanas em aglomerados por trás da crista de uma colina. Podemos atravessar toda a extensão do complexo, incluindo o megaron, em menos de uma hora. Em contrapartida, as ruínas de Hatusa são absolutamente espantosas em seu tamanho monumental e complexidade, cobrindo quase 23,5 quilômetros quadrados. As enormes plataformas da fundação ainda dão uma ideia de como essas estruturas devem ter sido gigantescas. Havia enormes palácios, templos, mercados, escritórios para uma burocracia administrativa e numerosas casas espaçosas, protegidas por sólidas muralhas com torres de vigilância e entradas fortificadas. Longe de se manter próxima do solo, Hatusa deve ter se erguido impetuosamente numa orgulhosa e inconquistável imponência, visível de muitos quilômetros ao redor. Enquanto a fortaleza de Agamenon era típica de um pequeno reino local de agricultores, Hatusa era capital de um império que abrangia grande parte da Turquia, Síria e Irã dos dias atuais, com muitas cidades e portos importantes e centenas de milhares de súditos (Troia, tão impressionante para os gregos da Ilíada, com suas muralhas e cidadela, era com toda a probabilidade, como vimos, meramente um dos Estados-clientes dos hititas). É também o próprio símbolo da organização que os hititas proporcionavam e do poder que exerciam, um poder que oferecia segurança para suas multidões de súditos em troca de obediência absoluta. A cidade, com efeito, era o símbolo de um mundo ordeiro criado por poder tirânico.    

NEWELL, Waller R. Tiranos - Uma História de Poder, Injustiça e Terror. Tradução de Mário Molina. São Paulo: Cultrix, 2019, p. 42-43.

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